10 dezembro 2014

Medidas institucionais recomendadas pelo relatório da Comissão da Verdade:

1 - Responsabilização das Forças Armadas
"Dado o protagonismo da estrutura militar, a postura de simplesmente 'não negar' a ocorrência desse quadro fático revela-se absolutamente insuficiente"

2 - Fim da prescrição e da anistia dos crimes cometidos
"A importância do bem protegido justifica o regime jurídico da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e da impossibilidade de anistia"

3 - Ressarcimento
"Cabe, em relação a esses agentes públicos, a proposição de medidas administrativas e judiciais que objetivem o ressarcimento ao erário público das verbas despendidas"

4 - Proibição de comemoração do golpe de 64
"Essa realidade torna incompatível com os princípios que regem o Estado democrático de direito a realização de eventos oficiais de celebração do golpe militar, que devem ser, assim, objeto de proibição"

5 - Valorizar direitos humanos na seleção de membros das Forças Armadas
"Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos"

6 - Mudança nos currículos das academias militares e policiais
"Tal recomendação é necessária para que, nos processos de formação e capacitação dos respectivos efetivos, haja o pleno alinhamento das Forças Armadas e das polícias ao Estado democrático de direito, com a supressão das referências à doutrina de segurança nacional."

7 - Retificação de causas de morte
No caso de pessoas mortas em decorre?ncia de violac?o?es de direitos humanos, como Vladimir Herzog e Alexandre Vannucchi Leme, a causa de morte no atestado de óbito deve ser retificada "de modo célere"

8 - Exclusão de informações sobre registros de perseguição política
As informações que envolvam registros de atos de perseguição política e de condenação na Justiça Militar ocorridos no período de 1946 a 1988 da rede nacional de segurança devem ser excluídas. A CNV propõe também a manutenção de banco de DNA de pessoas mortas sem identificação

9 - Criar mecanismos de prevenção e combate à tortura
"A tortura continua sendo praticada no Brasil, notadamente em instalações policiais. Isso se deve até mesmo ao fato de que sua ocorrência nunca foi eficazmente denunciada e combatida pela administração pública"

10 - Desvincular IMLs e órgãos de perícia criminal das SSPs
Os institutos médicos legais e os órgãos de perícia devem ser desvinculados das secretarias de Segurança Pública, para que tenham maior autonomia e qualidade, além da criação de centros avançados de antropologia forense e a realização de perícias que sejam independentes e autônomas

11 - Fortalecimento das defensorias públicas
O objetivo é garantir o "exercício pleno do direito de defesa e a prevenção de abusos e violações de direitos fundamentais, especialmente tortura e maus-tratos"

12 - Melhoria do sistema prisional e do tratamento dado aos presos
"Os presídios são locais onde a violação múltipla desses direitos ocorre sistematicamente. (...) É necessário abolir, com o reforço de expresso mandamento legal, os procedimentos vexatórios e humilhantes pelos quais passam crianças, idosos, mulheres e homens ao visitarem seus familiares encarcerados"

13 - Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário
"Os ouvidores devem ser escolhidos com a participação da sociedade civil, ter independência funcional e contar com as prerrogativas e a estrutura necessárias ao desempenho de suas atribuições"

14 - Fortalecimento de conselhos da comunidade
Os conselhos, que foram criados em uma lei de 1984, devem ter a composição definida em processo "público e democrático"

15 - Garantia de atendimento médico e psicossocial a vítimas
"As vítimas de graves violações de direitos humanos estão sujeitas a sequelas que demandam atendimento médico e psicossocial contínuo, por meio da rede articulada intersetorialmente e da capacitação dos profissionais de saúde para essa finalidade específica. A administração pública deve garantir a efetividade desse atendimento"

16 - Promoção da democracia e dos direitos humanos na educação
"A adoção de medidas e procedimentos para que, na estrutura curricular das escolas públicas e privadas dos graus fundamental, médio e superior, sejam incluídos, nas disciplinas em que couberem, conteúdos que contemplem a história política recente do país e incentivem o respeito à democracia"

17 - Apoio a órgãos de proteção e promoção dos direitos humanos
Fomento a órgãos como secretarias de Direitos Humanos nos Estados e municípios, além de "valorização dos órgãos já existentes --o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia"

Renata Gomes

07 dezembro 2014

"Parte do ativismo feminista se concentra em visibilizar os casos de violência misógina nas relações cotidianas, interpessoais e institucionais [...] machismo não é episódio ou caso isolado, é sistema de dominação que subalterniza uma classe inteira de pessoas por conta do seu gênero: nós, mulheres. E que é divulgando o que ocorre no âmbito individual que encontramos nossas irmãs com experiências, narrativas, anseios e desejos semelhantes aos nossos e alcançamos a dimensão coletiva da luta. A gente tb sabe que, por mais que os homens neguem, a divisão entre o público e o privado serviu e serve ainda pra nos banir dos espaços políticos e de decisão, pra neutralizar nossas pautas e pra impedir que encontremos outras mulheres com os mesmos relatos de opressão. Porque o encontro, a troca de experiências, a visibilização das violências cotidianas cria a resistência, fortalece isso que os apavora e nos unifica: a sororidade. Porque a gente sabe que 'o pessoal é o político'."

 Cecilia Viera de Melo

Pra uso diário

"A mensagem que estou extraindo de tudo isso é que pra muita gente a esquerda é o showbiz. Mas um showbiz com a peculiaridade de ser inquestionável, porque arrota certa legitimidade. Ao mesmo tempo em que questionam o sistema representativo, esses figurões moldam um cenário de privilegiados intelectuais com aparente empatia pelos oprimidos e se entitulam a nova esquerda. Ou seja, fundam um novo e nebuloso sistema representativo, que tem as redes sociais como mídia, mas que, como toda mídia, continua estabelecendo certos critérios para dar visibilidade a este ou aquele discurso. Esta mídia tem seus eleitos, não se enganem. E eles não são muito diferentes dos eleitos das mídias corporativas, porque precisam dominar certas linguagens, instrumentos e precisam saber se projetar. Ou seja, a lógica é elitista. Eu não posso acreditar que essa gente queira mais transformação social do que alguém que sofre certas coisas na pele. Quem tem que protagonizar os seus processos de transformação social são os que sofrem as tantas modalidades de opressão: as mulheres, os negros, os trabalhadores, os indígenas. Chega de messias. Eu não sei de onde vem a empatia de alguns que nunca pisaram certos ambientes onde as opressões acontecem. De onde brota? Semideuses não podem mais passar. Sêmen-deuses não passarão."

Maria Gabriela Saldanha

03 dezembro 2014

"[...] Nosso problema tem sido rotular algo como estupro, assédio sexual, pornografia diante da suspeita de que talvez seja uma relação sexual consensual, talvez seja uma investida sexual comum, talvez seja erótico. Para dizermos que essas coisas supostamente sexuais nos violam, para sermos contra elas, dizemos que elas não são sexuais. Mas a tentativa de sermos objetivas e neutras impede que assumamos o fato de que as mulheres têm um ponto de vista específico sobre estes eventos. Impede que digamos que, do ponto de vista das mulheres, relação sexual, papéis sexuais e erotismo podem ser e muitas vezes são violentos para nós como mulheres.
Minha abordagem invoca a nossa perspectiva; não estamos tentando ser objetivas sobre isso, estamos tentando representar o ponto de vista das mulheres. O ponto de vista dos homens, até o momento, chamado de 'objetivo', tem sido usado para distinguir categoricamente entre estupro de um lado e relação sexual consensual do outro; assédio sexual de um lado e investida sexual comum do outro; pornografia ou obscenidade de um lado e erotismo do outro. O ponto de vista masculino os define por distinção. O que as mulheres experienciam não distingue tão claramente as coisas diárias e normais dos abusos a partir dos quais elas foram definidas por distinção. Não se trata apenas de dizer 'Agora vamos pegar o que você diz ser estupro e chamar de violência'; Agora vamos pegar o que você diz ser assédio sexual e chamar de violência'; 'Agora vamos pegar o que você diz ser pornografia e chamar de violência'. Nós temos uma crítica mais profunda sobre o que tem sido feito à sexualidade das mulheres e sobre quem controla acesso a ela. O que estamos dizendo é que a sexualidade em precisamente essas formas normais frequentemente nos viola. Mas enquanto dissermos que aquelas coisas são abusos de violência, não de sexo, falhamos em criticar o que tem sido feito do sexo, o que tem sido feito a nós por meio do sexo, porque deixamos a linha entre estupro e relação sexual consensual, assédio sexual e papéis sexuais, pornografia e erotismo bem onde está.
Acho que é útil questionar de que forma mulheres e homens (não uso o termo 'pessoas', eu acho, porque não tenho visto muitas) vivem o significado de suas experiências com estas questões. Quando perguntamos se estupro, assédio sexual e pornografia são questões de violência ou de sexualidade, ajuda perguntar: para quem? Qual a perspectiva dos envolvidos, cuja experiência é de estuprar ou de sofrer um estupro, de consumir pornografia ou ser consumida por meio dela. Quanto ao que essas coisas significam socialmente, é importante se elas são sobre sexualidade para mulheres e homens ou se, em vez disso, são sobre 'violência' - ou se violência e sexualidade podem ser distinguidos dessa forma, conforme são vividos." (tradução livre)
Catharine Mackinnon, "Sex and Violence", em "Feminism Unmodified: Discourses on Life and Law", 1987. pp. 86-87.

01 dezembro 2014

"(1) Certas atitudes e traços da vida cotidiana não parecem mais ideologicamente marcados. Passam por neutros. Naturais. Ninguém questiona a sua origem. Não por acaso, é comum dizer que saberíamos se houve ou não uma revolução, quando o senso comum fosse afetado. Não houve revolução. Mas há uma contrarrevolução violenta, permanente e invisível;
(2) A naturalização da ideologia dominante se afirma como o seu contrário: a não ideologia. A violência simbólica se afirma como o seu contrário: a não violência. Essa estrutura perversa aceita até o cinismo de nomear a violência permanente de pacificação;

(3) A violência (simbólica e real) contra o oprimido é a não violência. É aquilo mesmo que é natural. No entanto, a explosão violenta do oprimido, por ser tão incomum, é reconhecida como barbárie;

(4) Bárbaros são, como sempre foram, aqueles que, voluntaria ou involuntariamente, não estão imersos na ideologia dominante. Podemos dar muitos nomes, que aumentam a distância que nos separa deles e que naturaliza a violência contra eles: terroristas, bandidos, putas, radicais, misândricas. Sob o signo da misandria uma mulher pode ser colocada com facilidade no lugar de opressora, sem a necessidade de nenhuma análise mais profunda;

(5) A misandria, um discurso de ódio aos homens, parece muito mais alto, muito mais potente, porque o ódio às mulheres seja na forma de estupro, assassinato ou de simples objetificação é natural. Ninguém questiona a sua origem. Ninguém questiona a origem dessas relações de poder, porque elas não aparecem como relações de poder, mas como relações naturais. Se preferirem, consensuais;

(6) Consensuais, não entre duas pessoas, mas entre todos nós, que aceitamos, em consenso: não existe violência simbólica nem hierarquia de poder nas relações entre homem e mulher. Afinal, estamos lidando com aquilo que é natural, esvaziado de ideologia e só passível de críticas/análises no campo moral;

(7) Não há coincidência entre sujeitos sexuais/sujeitos políticos e objetos sexuais/objetos políticos? Não há violência simbólica no desejo?

(8) Uma mulher não reage contra a violência simbólica porque – tanto como nós – tem extrema dificuldade de reconhecê-la.

(9) A ideologia é como uma figura holográfica: se movimentarmos um pouco as situações, conseguimos enxergá-la. Mas, neste momento, estaremos inelutavelmente sós. Inelutavelmente incompreendidos. Seremos bárbaros."

Daniela Lima - Facebook

Sobre o caso Idelber Avelar

Sobre o caso do Idelber, tenho a dizer apenas que não se trata de uma questão judiciária ou moral, mas ética e política.

Não sei se algo ali pode vir a configurar crime pelas leis vigentes, e nem acho que é isso que está em jogo. Acontece que são denúncias de práticas abusivas que, sendo crime ou não pelas leis de um Estado que serve acima de tudo aos interesses de opressores, devem ser respondidas sempre que ocorrem. A questão não é judiciária, mas ético-política. Não dá pra compactuar com práticas abusivas de quem ocupa espaços de militância, inclusive virtual, dentre outros motivos porque elas tornam esses espaços inseguros para as mulheres que (neste e em muitos outros casos) são os alvos desse tipo de abuso. Não se trata de expor "criminosos". Estes, a depender do crime (e especialmente se este não coloca o criminoso no papel do opressor), que sejam muito bem-vindos. Não se esqueçam que quem ocupa e resiste no campo e na cidade é para o nosso Estado criminoso, o mesmo para as mulheres que interrompem a gravidez. O modelo punitivista da justiça estatal não me parece parâmetro adequado para um debate ético-político. Com todas as suas formalidades e garantias constitucionais, incluindo a presunção de inocência, a justiça mantém há mais de um ano o Rafael Braga preso por porte de Pinho Sol.

Portanto, havendo ou não indícios de crime nas denúncias, o ponto que se coloca não é o criminal, mas o da presença do assédio, da manipulação, do uso e do abuso de privilégios sociais, etc. Autodefesa não é só fazer escudo pra encarar o choque, é também criar ambientes cada vez mais livres de opressão e nos quais se possa ter uma base de confiança. Autocrítica não é só fazer análise de experiências de organização e luta, é também reconhecer e combater os comportamentos opressivos que cada um de nós trazemos, especialmente aqueles que vêm de vivências privilegiadas. Ação direta não se pratica só em atos de rua, se pratica também em formas de lidar com opressões que não necessariamente passam pelos canais institucionais - e a exposição pública de opressões privadas é uma dessas formas. Uma forma de ação que a tecnologia facilita e que, como qualquer outra, está sujeita a erros a serem objetos também de autocrítica sempre que for o caso.

Pode ser uma perseguição injusta e mal-intencionada? Sempre pode ser, mas essa hipótese nunca, de maneira alguma, deve ser colocada antes das demais num caso em que quem expõe são pessoas em situação social (especialmente, neste caso, de gênero) desprivilegiadas. As palavras delas vêm primeiro e deslegitimá-las por princípio é silenciá-las e contribuir para perpetuar um ambiente tranquilo para todos os abusadores. Quem foi exposto não é alguém sem condições de contrapor as acusações, na verdade é precisamente o contrário: é alguém com domínio das linguagens socialmente aceitas e com projeção razoavelmente grande para ser ouvido por muita gente. Alguém que deve ser ouvido atentamente assim que se pronunciar a respeito. Não se trata nem de linchamento extra-judicial, nem de justiça estatal, e sim de autodefesa e de uma oportunidade de autocrítica para todos nós. Penso que para que seja isso, e para que não façamos disso um tribunal moral, importa tanto agir com cautela com relação aos desdobramentos da exposição quanto, principalmente, fazer um debate qualificado, que vá para além do indivíduo. E penso que isso vale pra todos os casos do tipo, pois o Idelber não é o primeiro nem será o último.

Para um debate qualificado, uma das questões que se colocam é a da confusão entre o que há de fetiche e o que há de abuso nos diálogos expostos. Quer dizer, existem limites bem marcados entre práticas fetichistas/BDSMers e abuso. Limites que são debatidos e reconhecidos pelas comunidades praticantes dessas formas de expressão da sexualidade e que duvido que alguém com tanto acesso a bens culturais e residente nos EUA não tenha tido contato. Limites que em grande medida são simples decorrências da ética mais elementar que vale pra todo o resto do que diz respeito a sexualidade, pois seu fundamento central é o consentimento. Dito isso, tudo indica que o Idelber ultrapassou bastante esses limites. Portanto, é um erro atacar o fetiche para atingir o abuso. Essas coisas não se misturam, ainda que exista sim muito abuso entre fetichistas, como também existe entre não-fetichistas. Situar o problema aí, recriminando que ele fale em "marido corno", ou que use vocabulário escroto numa conversa sexual, dentre outras coisas, é errar feio o alvo. O problema aí é outro, é o assédio na abordagem, é o constrangimento com foto de pau não solicitada, é a manipulação de quem está entrando num jogo sem estar consciente de que jogo se trata, etc.
Resumindo, o problema é que não é consensual porque pra ser consensual não basta a pessoa dar continuidade à conversa. É preciso, dentre outras coisas, que haja interesse de todos os envolvidos em participar de um jogo sexual, seja real ou virtual, e que este interesse não seja manipulado através da exploração das fragilidades das pessoas. A conversa suja em si, por mais suja que seja (e conversas bem mais sujas que essas podem não ter absolutamente nada de abusivas) não é o que desqualifica o cara. Se fosse esta a questão seria puro moralismo, pura inquisição. Então se trata de separar o abuso, de combater o abuso, porque a confusão entre abuso e fetiche só serve para que abusadores usem fetiche de fachada e para que fetichistas/BDSMers sejam recriminados sem terem cometido abuso algum.

Entendo, portanto, que a exposição do assédio pelas duas mulheres se coloca numa esfera que não é nem a judicial nem a moral, mas de natureza ética e política. Sendo que a questão colocada nos relatos é sobretudo a da consensualidade, que no meio da treta muitas vezes é reduzida à opção dessas mulheres em continuar ou não conversando com ele - uma das muitas variantes da culpabilização da vítima. Só que consensualidade não é só isso. Para não serem opressivas e abusivas, as práticas sexuais podem escapar a normas morais estabelecidas, mas não podem ignorar questões éticas, o que é bem diferente. Os relatos indicam se tratar de jogos recorrentes nos quais as regras não são claras para as mulheres envolvidas, que são abordadas de forma abusiva e que são manipuladas por alguém que usa privilégios sociais para explorar suas fragilidades. Se fosse apenas conversa suja, mesmo que muito suja, entre duas pessoas adultas, cada qual buscando seu prazer, daria pra falar em tribunal moral. Mas não é o caso, o caso é de autodefesa das mulheres e de necessidade de autocrítica para todos nós. Nenhuma dessas questões se esgotam neste caso e espero que ele sirva para o aprendizado de todos.

André Gondinho

28 novembro 2014


"O que ‪#‎ferguson‬ tem em comum com o Brasil, especialmente considerando recentes massacres como o que ocorreu em Belém e os assassinatos cotidianos no Rio de Janeiro militarizado? Simples: sociedades duais que tiveram desde o início que articular em termos teóricos e políticos uma divisão entre um discurso normativo liberal e uma prática materialmente escravista. Sociedades que não apenas conviviam com a contradição, mas fizeram dela seu próprio ethos. Essa separação mostra que o racismo é a matriz fundamental da divisão social na América e cinde a ordem jurídica biopoliticamente. Assim, quem quer entender o que significa a ideia de "estado de exceção permanente" (como vi esses dias alguém ironizando), precisa compreender essa programação dual como um perverso experimento biopolítico específico da nossa realidade que se confirma diariamente (de Ferguson a Rafael Braga Vieira, passando pelos milhares de Amarildos que formam pilhas e pilhas de Autos de Resistência), sem querer apenas traduzi-lo em termos de "insuficiência" ou "falta" em relação às configurações europeias e com isso silenciar sua configuração positiva." - Moyses Pinto - Facebook

26 novembro 2014


"esse desejo de fazer justiça ao outro é o que faz com que Derrida afirme que a Desconstrução é o que acontece, ela está no mundo, e, nesse sentido, cabe então ao filósofo a tarefa de pensar tais acontecimentos, configurando um engajamento radical com a realidade (tal como entendida por Derrida). É nesse sentido que, mais do que um desconstrutor, ou seja, o sujeito que desconstrói, o filósofo deve ser aquele que pensa as desconstruções, pois as estruturas, os textos, os discursos já se apresentam a nós carregando no íntimo a própria desconstrução. Como disse certa vez Derrida, a Desconstrução consiste em enxergar a partição no coração dos conceitos, pois estes já são desde sempre partidos – e só conseguirá ver tal partição o filósofo que também tiver seu coração partido, ou seja, que carregar nele mesmo a marca da interdição e conseguir suportá-la. O filósofo, em seu amor pelo mundo, deve suportar estar diante do trauma que é a desconstrução do próprio mundo, da precariedade de sentidos e da espectralidade do real, e estar sempre disposto a denunciar toda e qualquer postura autoritária que tente apresentar o mundo em sua plenitude, o real em sua totalidade, espantando assim o assombro originário que é o que inaugura a própria filosofia".

Daniela Lima - Facebook

Regras da ABNT: veja as normas para monografias e trabalhos acadêmicos - aqui


25 novembro 2014

O CINEMA-DENÚNCIA DE LÚCIA MURAT - aqui

 

 Notas sobre a mimese -> aqui

O feminismo não é um humanismo

POR BEATRIZ PRECIADO

Durante uma de suas “conversações infinitas”, Hans-Ulrich Obrist me pede para fazer uma pergunta urgente, que artistas e movimentos políticos deveriam responder em conjunto. Eu digo: “Como viver com os animais? Como viver com os mortos?”. Outra pessoa pergunta: “E o humanismo? E o feminismo?” Senhoras, senhores e outros, de uma vez por todas, o feminismo não é um humanismo. O feminismo é um animalismo. Dito de outro modo, o animalismo é um feminismo dilatado e não antropocêntrico.

Não foram o motor a vapor, a imprensa ou a guilhotina as primeiras máquinas da Revolução Industrial, mas sim o escravo trabalhador da lavoura, a trabalhadora do sexo e reprodutora, e os animais. As primeiras máquinas da Revolução Industrial foram máquinas vivas. Assim, o humanismo inventou um outro corpo que chamou humano: um corpo soberano, branco, heterossexual, saudável, seminal. Um corpo estratificado, pleno de órgãos e de capital, cujas ações são cronometradas e cujos desejos são os efeitos de uma tecnologia necropolítica do prazer. Liberdade, igualdade, fraternidade. O animalismo revela as raízes coloniais e patriarcais dos princípios universais do humanismo europeu. O regime de escravidão, e depois o regime de trabalho assalariado, aparece como o fundamento da liberdade dos “homens modernos”; a expropriação e a segmentação da vida e do conhecimento como o reverso da igualdade; a guerra, a concorrência e a rivalidade como operadores da fraternidade.

O Renascimento, o Iluminismo, o milagre da revolução industrial repousam, portanto, sobre a redução de escravos e mulheres à condição de animais e sobre a redução dos três (escravos, mulheres e animais) à condição de máquinas (re-) produtivas. Se o animal foi um dia concebido e tratado como máquina, a máquina se torna pouco a pouco um tecnoanimal vivo entre os animais tecnovivos. A máquina e o animal (migrantes, corpos farmacopornográficos, filhos da ovelha Dolly, cérebros eletrodigitais) se constituem como novos sujeitos políticos do animalismo por vir. A máquina e o animal são nossos homônimos quânticos.

Já que toda a modernidade humanista soube apenas fazer proliferar tecnologias da morte, o animalismo deverá convidar a uma nova maneira de viver com os mortos. Com o planeta como cadáver e como fantasma. Transformar a necropolítica em necroestética. O animalismo torna-se portanto uma festa fúnebre. Uma celebração do luto. O animalismo é rito funerário, nascimento. Uma reunião solene de plantas e de flores em torno das vítimas da história do humanismo. O animalismo é uma separação e um acolhimento. O indigenismo queer, a pansexualidade planetária que transcende as espécies e os sexos, e o tecnoxamanismo, sistema de comunicação interespécies, são dispositivos de luto.

O animalismo não é um naturalismo. É um sistema ritual total. Uma contratecnologia de produção da consciência. A conversão para uma forma de vida, sem qualquer soberania. Sem qualquer hierarquia. O animalismo institui seu próprio direito. Sua própria economia. O animalismo não é um moralismo contratual. Ele recusa a estética do capitalismo e sua captura do desejo pelo consumo (de bens, ideias, informações, corpos). Ele não repousa nem sobre a troca nem sobre o interesse individual. O animalismo não é a revanche de um clã contra outro clã. O animalismo não é um heterosexualismo, nem um homossexualismo, nem um transssexualismo. O animalismo não é nem moderno nem pós-moderno. Posso afirmar, sem brincadeira alguma, que o animalismo não é um hollandisme. Não é um sarkozysme ou bleumarinisme [NT: Referências a François Hollande, Nicolas Sarkozy et Marine Le Pen]. O animalismo não é um patriotismo. Nem um matrionismo. O animalismo não é um nacionalismo. Nem um europeísmo. O animalismo não é nem um capitalismo, nem um comunismo. A economia do animalismo é um benefício total de tipo não agonístico. Uma cooperação fotossintética. Um gozo molecular. O animalismo é o vento que sopra. É o caminho através do qual o espírito da floresta de átomos ainda alcança os seres que voam. Os humanos, encarnações mascaradas da floresta, deverão se desmascarar do humano e se mascarar novamente do saber das abelhas.

A mudança necessária é tão profunda que se costuma dizer que ela é impossível. Tão profunda que se costuma dizer que ela é inimaginável. Mas o impossível está por vir. E o inimaginável nos é devido. O que era o mais impossível e inimaginável, a escravidão ou o fim da escravidão? O tempo de animalismo é o do impossível e o do inimaginável. Este é o nosso tempo: o único que nos resta.

* Traduzido do francês por Charles Feitosa. Revisão Técnica: Alessandro Sales e Paulo Oneto.

Beatriz Preciado (Burgos/Espanha, 1970) é filósofa, autora de numerosos ensaios e dos livros Manifiesto Contrasexual (Barcelona:Opera Prima, 2002) e mais recentemente de Testo Yonqui: sexo, drogas y biopolítica (Madrid, Espasa-Calpe, 2008). Atualmente ensina Teoria de Gênero na Universidade de Paris VIII, na École des Beaux Arts de Bourges e no Programa de Estudos Independentes do Museu d’Art Contemporani de Barcelona.

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Manual para o uso não sexista da linguagem

23 novembro 2014

O sêmen de Jagger e a perpetuação da raça rock and roll - Tom Zé

Mick Jagger diz que tentou imitar no palco a dança de James Brown. Mas seu movimento que mais me chama a atenção são as caminhadas altivas e longas, peito erguido, cabeça levantada, em que ele, lindo como cavaleiro da Coroa e orgulho da raça, lembra um Ricardo III que seja homem-e-cavalo de uma só vez. E lá vai o carteiro, atávico cavalo-estafeta, indo e vindo por toda a extensão do palco, sem pausa, levando e trazendo notícias de toda e para toda a parte. O rock foi uma grande notícia sobre a Terra. Imprimiu transformações na vida e nos costumes. Notícias como as que destruíram os cinemas americanos na estreia do inesquecível No Balanço das Horas, em que Bill Halley tocou o estonteante Rock around the clock (Deus tenha piedade de nós).

Apesar de guerreiro destruidor, o rock não é tão pessimista quanto a obra Angelus, de Paul Klee, porque, gostem ou não os conservadores, ele, mesmo avassalador, contém em seu ventre a semente para substituir o que foi.

Mickavalo Jagger é, mais que a enfraquecida Rainha Elizabeth e que o opaco príncipe herdeiro, o Cavaleiro que mantém um pouco do prestígio mundial que envolvia o Império Britânico, hoje contraído e despojado de Jagger. E assim segue o Cavaleiro em diversas frentes: 1) Recompõe, pela canção, parte da presença do Império e abarrota os cofres da Coroa com direitos autorais, pondo na boca e no coração do Planeta trovas e canções de fonte de inspiração britânica. 2) Empenha-se na tarefa de espalhar o seu sêmen imperial, mantendo um harém descontínuo nos cinco continentes, gerando filhos que se tornam conhecidos ou não – a depender das conveniências sociais de cada uma das régias concubinas eleitas.

Estas, numa função tão importante para a Coroa, são criaturas escolhidas com esmero. Sir Jagger não sairia por aí espalhando o régio sêmen a não ser na cavidade adequada das moças mais geneticamente promissoras, transformando o prazer pessoal numa experiência geradora que venha apurar a descendência do Rei Artur e de sua Távola Redonda. O harém imperial merece mais considerações técnicas. É criado com feições e estratégias de uma guerra de guerrilha. Não há quartel estabelecido, não há soldados fardados que possam de antemão ser reconhecidos, não se sabe dia, país ou hora em que o harém vai se instalar. Os detalhes ficam a cargo do feeling do cavaleiro Jagger.

Ele tem de possuir no olho um verdadeiro laboratório de avaliação genética que, com o ‘glimpse’ de um raio, identifique entre as moças que tiveram a astúcia e habilidade de passar pela segurança e chegar ao seu camarim qual seria uma parceira adequada para a procriação que, ali mesmo, num canto de banheiro, atrás de alguma porta, ou num fortuito corredor, possa ser a depositária do régio sêmen, passando a ter a responsabilidade de gerar um descendente digno de Galahad, Lancelote, Palamedes, Percival e de todas as Távolas e possessões.

No passado, os poderosos do governo britânico diziam que seu império era tão extenso que, com sua imensidão, “o sol nunca se punha”. Nos dias atuais do império enfraquecido, só o harém de Mick Jagger tem cacife para repetir o provérbio.

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19 novembro 2014

Desarquivando o Brasil: entrevista sobre literatura e luto nas pós-ditaduras com Idelber Avelar

1. Que diferenças você enxerga no trabalho de luto relativo aos anos de ditadura no Chile e Argentina quando comparados com o Brasil? Como essas diferenças podem ser evidenciadas na produção literária pós-ditatorial desses países?

A diferença mais notável, sem dúvida, é que no Brasil o processo de denegação e ocultamento do passado não tem paralelo entre os vizinhos. A transição brasileira se parece mais com a chilena, na medida em que, em ambos os países, os militares mantiveram um controle sobre o processo que não se verifica na queda abrupta dos generais argentinos. Na Argentina, claro, inicia-se já com o governo Alfonsín, em 1983, um amplo acerto de contas com o passado, temporariamente suspenso em nível judicial com as leis de obediência devida e de ponto final e restabelecido depois, com Néstor Kirchner. Esse acerto de contas político e jurídico cria condições para uma abordagem clara do problema na própria sociedade, literatura incluída. Nenhum país da região possui um acervo de reflexão e representação da barbárie do passado recente comparável ao que possuem os argentinos, especialmente no cinema e na literatura. Mesmo no Chile, onde a lei de anistia de 1978 funcionou mais ou menos como a lei de anistia brasileira de 1979, o acerto de contas com o regime militar avançou incomparavelmente mais que no Brasil. Desde 2004, 700 agentes do Estado chileno foram investigados e acusados de crimes em tribunais. Por volta de 30% deles cumpriram penas. Parte da razão para isso, segundo a hipótese de meu amigo Anthony Pereira, pesquisador do tema, é que a repressão ditatorial brasileira foi judicializada num grau muito maior que em nossos vizinhos. Ou seja, no Brasil o próprio Judiciário – STF incluído – condenou prisioneiros políticos com base em “provas” arrancadas sob tortura. Nossa tradição amnésica e apaziguadora não tem paralelo entre os vizinhos, que tematizaram os horrores das suas ditaduras muito mais frequente e intensamente, mesmo na literatura.

link: aqui

"Há uma dimensão da perspectiva que só se dá quando há a passagem de um discurso entre diferentes meios. Essa propriedade, empregada de uma maneira bastante especial tanto por Bolaño como por Tarkóvski, é o que torna possível pensar um ritmo para o saber de cor lá que leva em consideração um colapso do material e do tempo, no qual um se converte no outro, ao exercerem forças imensas sobre si mesmos." - Link: aqui
"Desde que comecei a escrever na internet, mantenho um arquivo word chamado "Observatório da morte das palavras", em que vou apontando as mudanças na pragmática de certos termos. Por pragmática aqui me refiro ao ramo da Linguística que estuda os usos das palavras; não o seu sentido -- isso seria tarefa da Semântica --, nem nenhum de seus atributos formais (Morfologia, Fonologia etc.), mas a evolução do seu uso.
É impressionante revisitar esse arquivo e ver quanta coisa mudou em 10 anos. Palavras morrem por sobreuso e também pelo abandono. Podem se transformar em mortas vivas, caso em que elas continuam sendo usadas, mas vão perdendo sua força. Para um ativista, isso é matéria essencial: a mesma posição política, informada pelo mesmo grau de pesquisa e vivência, o mesmo respeito pelo interlocutor, a mesma polidez, pode produzir dois efeitos totalmente diferentes se enunciada com dois grupos de palavras, um que ainda mantém sua força e outro composto por palavras-zumbis. No momento, ando notando a curiosa zumbificação que acomete duas palavras, "protagonismo" e "objetificação".
Mas nada se compara ao aconteceu, nestes 10 anos, com as palavras "latifúndio" e "latifundiário". Elas desapareceram dos dialetos da língua portuguesa falados no Brasil. Até as décadas de 1980 e 1990, eram termos comuns e correntes para designar uma determinada realidade. Essa realidade ainda existe, mas as palavras sumiram. O latifúndio continua lá? Sim. A Reforma Agrária foi feita? Não. Mas já não falamos de latifundiários, e sim de "produtores" ou, um pouco menos ruim, "ruralistas".
Esta foi uma vitória considerável do latifúndio. "Produtor" é um escárnio porque, como sabemos, o latifundiário não produz nada (mesmo nos casos em que o latifúndio é produtivo); quem produz são os trabalhadores que ele emprega. "Ruralista" apaga completamente a origem de classe do latifundiário, de tal maneira que mesmo pessoas de camadas médias ou pobres que vivem no campo passam a sentir-se atacadas quando os "ruralistas" são criticados. Observo isso em pessoas próximas a mim, que não são, de forma nenhuma, grandes proprietários de terra, mas que se identificam com o termo "ruralista", com a cultura que ele designa e passam, portanto, a fazer parte de um bloco político que defende interesses que não são necessariamente os delas.
Nesta última década, não só desapareceu a possibilidade da Reforma Agrária. Desapareceu a palavra que designava a horrenda realidade que ela deveria corrigir. Embora a realidade continue lá, do mesmo jeito."

Idelber Avelar

15 novembro 2014

ESSE MUNDO JÁ ERA!
Como viver no Antropoceno

Numa sexta-feira de agosto, foram abertas as inscrições para Os Mil Nomes de Gaia, colóquio que reuniria no Rio de Janeiro pensadores de vários países que vêm refletindo sobre a mudança do clima e a crise ambiental global. Atraído pelas estrelas acadêmicas de primeira grandeza, o público esgotou em cerca de uma hora e meia os ingressos para cada um dos cinco dias de programação.
Realizado na terceira semana de setembro, na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, o evento também teve transmissão pela web. Foi concebido pelo antropólogoEduardo Viveiros De Castro, do Museu Nacional da UFRJ, pela filósofa Déborah Danowski, da PUC do Rio, e pelo antropólogo francês Bruno Latour, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, ou Sciences-Po.
Na semana do colóquio, a NOAA, agência federal americana que monitora os oceanos e a atmosfera, anunciou que a temperatura média da superfície do planeta registrada em agosto foi a mais alta para esse mês desde 1880, quando as medições começaram a ser feitas de modo sistemático. A continuar nesse ritmo, 2014 pode se tornar o ano mais quente já documentado, na contramão da suposta estagnação do aquecimento global alardeada pelos céticos do clima.
O aquecimento da Terra, a faceta mais falada da crise ambiental, integra um quadro de ameaças não menos perturbadoras, como a acidificação dos oceanos ou a perda acelerada da biodiversidade e da cobertura vegetal, todos eles processos interligados. A riqueza de detalhes com que a catástrofe vem sendo descrita contrasta com a inércia de governos, empresas e sociedades civis – um relatório divulgado em setembro mostrou que em 2013 as emissões de gases do efeito estufa aumentaram 2,3% em relação ao ano anterior.
No ano 2000, o biólogo americano Eugene Stoermer e o químico holandês Paul Crutzen, prêmio Nobel em 1995, propuseram que se alterasse a linha do tempo com que os cientistas medem os éons, épocas e períodos geológicos, de modo a refletir as transformações no planeta causadas pelas atividades do homem. Segundo eles, as marcas da ação humana continuarão visíveis por milênios, gravadas nas camadas geológicas da Terra. Paleontólogos de um futuro longínquo – ou mesmo de outra civilização, caso a nossa venha a ser dizimada – provavelmente saberão identificar a alteração brusca na composição da atmosfera e as demais mudanças ambientais que provocamos, por meio dos fósseis de incontáveis espécies extintas, rejeitos radioativos, toneladas de plástico e outros rastros da nossa passagem devastadora pelo globo.
A essa época em que nossa espécie se tornou uma força geológica, Stoermer e Crutzen sugeriram dar o nome Antropoceno. Numa aula recente, Viveiros de Castro explicou que o conceito marca um colapso de escalas – a história do planeta e a da espécie humana, antes nas mãos de disciplinas distintas, agora se confundem. “O capitalismo passa a ser um episódio da paleontologia.”
Desde que foi proposto, o termo Antropoceno vem sendo apropriado por especialistas de várias disciplinas. No entanto, a União Internacional de Ciências Geológicas, guardiã da escala do tempo, ainda não o adotou oficialmente. A ideia esteve na pauta do último congresso da entidade, em 2012, quando uma comissão discutiu se o sinal da presença humana nas camadas geológicas é forte e distinto o bastante para justificar a formalização de uma nova época. Discussão inconclusiva, decisão adiada para o congresso de 2016: até lá, continuamos vivendo no Holoceno, iniciado há 12 mil anos, ao final da última glaciação.
Não há consenso sobre quando teria começado o Antropoceno. Crutzen vê sua origem na invenção da máquina a vapor em 1784, marco da Revolução Industrial, mas há quem prefira situá-la no início da agricultura, na era dos grandes descobrimentos ou no início da era nuclear – cada recorte com suas implicações políticas. O nome da nova época também é motivo de discórdia. Ao atribuir a transformação planetária ao anthropos, o termo Antropoceno joga a culpa sobre toda a espécie, embora uns sejam mais responsáveis do que outros. O sociólogo Jason Moore propôs o nome Capitaloceno, enfatizando o modo de produção responsável pelas mudanças globais. “Essa opção focaliza as causas mais que as consequências, mas perde de vista o fato de que é possível sair do capitalismo, mas não do Antropoceno”, ponderou Viveiros de Castro. “Quando o capitalismo acabar, o planeta vai continuar registrando, por muito tempo, os efeitos da Revolução Industrial e da emissão de gás carbônico.”
O dia da palestra de Bruno Latour – o nome de maior projeção dentre os convidados do colóquio – foi o primeiro a ter as entradas esgotadas. Nascido na Borgonha há 67 anos, Latour se formou em filosofia e atuou como sociólogo e antropólogo das ciências. Nas últimas quatro décadas, tem proposto uma nova forma de enxergar a produção do conhecimento científico, rejeitando noções como o excepcionalismo humano ou o dualismo entre natureza e sociedade, e entre sujeito e objeto. Conquistou uma legião de seguidores em várias disciplinas, mas também alguns críticos. No ano passado, recebeu o prêmio Holberg, citado em seu currículo como “o equivalente mais próximo do Nobel para as humanidades e ciências sociais”. Criado em 2003 pelo governo norueguês, o prêmio já foi concedido a nomes como Jürgen Habermas e Manuel Castells.
Latour usa óculos de armação grossa e tem os cabelos pretos repartidos de lado, contrastando com o grisalho das fartas sobrancelhas e do cavanhaque. Durante um almoço na semana do evento, ele contou que seu interesse pela crise ecológica começou nos anos 90, quando orientou doutorados sobre controvérsias ambientais, fez um estudo para o Ministério do Meio Ambiente e escreveu Políticas da Natureza. “Mas foi por volta de 2005 que passei a me interessar por Gaia, incorporando o termo como figura da atualidade.”
O químico James Lovelock se inspirou em Gaia – deusa mãe da mitologia grega que personifica a Terra – para batizar a hipótese que descreve o planeta como um sistema complexo autorregulável, com comportamento semelhante ao de um organismo vivo. Sua proposta, formulada nos anos 70, projetou a imagem de Gaia, que fez sucesso na cultura pop e entre alguns cientistas, mas nem todos compraram a ideia. Junto com outros colegas, Latour vem redefinindo o conceito em livros, artigos e conferências. Na abertura do colóquio, o francês alertou para o risco de um pensamento holístico que despreze a multiplicidade de Gaia. “Se a tratarmos como uma totalidade, ela será apenas uma possibilidade de recarregar as formas de modernismo que se esgotaram justamente por causa da crise ecológica.”
Em suas últimas publicações e conferências, Latour tem mostrado como a crise ambiental é marcada por um novo tipo de controvérsia, cuja resolução já não pode ser arbitrada pela ciência. “É fácil entender por que as pessoas não correm para depositar confiança nos resultados dos cientistas”, considerou o francês. “Eles anunciam fatos que estão tão bem estabelecidos quanto os fatos mais bem estabelecidos da história das ciências, mas pedem que você mude sua vida.”
Para Latour, a crise põe em xeque as distinções tradicionais entre fatos e valores, forjadas num mundo em que a ciência cuida dos objetos, e a política, dos sujeitos. Mas não há como fazer ciência desinteressada no mundo de Gaia. Latour notou que afirmar que a água ferve a 100 graus centígrados é uma coisa; constatar que a concentração atmosférica de gás carbônico chegou a 400 partes por milhão, como aconteceu em 2013, é outra bem distinta. “Nenhum climatologista pode ouvir essa frase e passar a outro tópico”, ele lembrou. “A constatação soa como uma sirene ensurdecedora.”
E, no caso dele próprio, a gravidade de suas reflexões não o impele à ação? “Sempre desconfiei dos intelectuais engajados”, respondeu Latour, que acredita ser mais útil fazendo o que faz – dando aula, mobilizando estudantes e propondo a discussão pública do tema. E, desde 2010, fazendo teatro, que lhe oferece um meio mais flexível para intervir no debate sobre a mudança climática. Seu projeto Gaïa Global Circus já deu origem a duas peças, uma das quais coescrita por ele próprio. Do Rio, o francês embarcou para Nova York, onde armaria o Circo de Gaia na semana em que a cidade recebeu a Cúpula do Clima da onu e a Marcha do Povo pelo Clima, a maior manifestação já feita em torno da causa, com 300 mil pessoas.
Latour condenou o desdém de alguns colegas pelo tema ambiental. “Na França e no Brasil, a questão continua a despertar um sorriso nos intelectuais que, uma vez que leram Foucault e Deleuze e foram vagamente de esquerda, pensam já ter feito seu trabalho para o resto da existência”, disse o francês. “Chamo a isso de quietismo ambiental. No fundo, creio que eles estejam mais próximos dos céticos.”
A ideia de reunir pensadores que refletem sobre a crise ambiental surgiu em 2012, na casa de Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski em Teresópolis, numa conversa com Bruno Latour e sua mulher, Chloé. O antropólogo brasileiro pretendia estimular um debate que ainda é tímido entre seus colegas. “No Brasil, é muito pequena a reflexão das ciências humanas e sociais sobre as mudanças climáticas”, disse. “Essa discussão está pegando fogo no mundo todo, mas a ficha não caiu aqui.”
Ao lado de Déborah, Viveiros de Castro tem tratado do tema em suas intervenções públicas, seja em conferências, seja nas redes sociais. Na semana do colóquio, lançaram Há Mundo por Vir? Ensaio Sobre os Medos e os Fins – um livro que Latour recomenda ler “como se toma uma ducha gelada”, para nos prepararmos para o pior.
Na abertura do colóquio, o antropólogo brasileiro lamentou que o tema do aquecimento global estivesse ausente da imprensa e da agenda eleitoral. Assinalou também uma coincidência irônica: na mesma semana, o Rio de Janeiro sediava outro evento internacional, a Rio Oil & Gas 2014, uma feira da indústria petrolífera que tinha entre os patrocinadores Petrobras, Shell, Total, Statoil, ExxonMobil e outros gigantes do setor que mais emite gases-estufa. O evento recebeu dezenas de milhares de participantes em seus quatro dias, inclusive o vice-presidente Michel Temer, em campanha para a reeleição. “É eloquente o fato de estarmos dividindo o espaço do Rio de Janeiro com os grandes responsáveis por boa parte da crise climática mundial”, disse Viveiros de Castro.
Em sua conferência, sublinhou a importância de o aquecimento global ser discutido pelas humanidades. “Sabemos muito bem o que está acontecendo e quem é o responsável, o que não sabemos é o que fazer e como, e isso está inteiramente fora das competências dos cientistas do clima”, disse. Viveiros de Castro ironizou a proposta que o biólogo americano Edward Wilson fizera semanas antes, de reservar metade do planeta para os organismos não humanos. “Ele não diz exatamente onde vai ficar essa metade, e nem em qual metade ficarão os Estados Unidos”, disse, arrancando risos. “É a típica ideia de jerico de um cientista natural americano. Por isso nós, cientistas antinaturais, precisamos entrar no jogo.”
O time escalado para o colóquio contou sobretudo com filósofos, historiadores e cientistas sociais, mas também incluiu pesquisadores das ciências naturais, como o físico Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará e editor do blog O que Você Faria Se Soubesse o que Eu Sei? Costa disse que não estava ali para dar boas notícias. Projetou slides que ilustravam o ritmo inaudito do aquecimento do sistema climático, o crescimento da forçante radiativa e o risco da emissão na atmosfera de uma quantidade assombrosa de metano estocada no permafrost ártico. “A besta climática está acordando”, resumiu.
Quando o microfone foi aberto ao público, uma senhora se disse bouleversée, em sintonia com o espírito algo francófilo que permeava o encontro. Sua ficha acabara de cair. “Estou extremamente chocada. Queria fazer uma pergunta ao Alexandre e a todos que detêm esse tipo de conhecimento: Você tem filhos? Como consegue dormir e ser feliz todos os dias?” Costa sacou da mala duas caixas de remédio e agitou-as no ar: “Como eu consigo levar adiante?”, perguntou à plateia. “Jogando dopado!”
Numa conversa no dia seguinte, o físico afirmou que gostaria de provocar reações como aquela em todo mundo. Mas, além da preocupação, ele deseja mobilização. “Uma década atrás precisávamos da esperança das pessoas; hoje queremos o desespero.”
Outro nome estrelado do colóquio foi a belga Isabelle Stengers, uma química convertida em filósofa da ciência que é autora ou coautora de mais de vinte livros e professora da Universidade Livre de Bruxelas desde 1997. Em 2009, lançou No Tempo das Catástrofes: Resistir à Barbárie que Vem Aí, uma reflexão sobre a crise ecológica sem edição em português. Propôs ali a imagem da “intrusão de Gaia” para caracterizar a irrupção irreversível do planeta no primeiro plano de nossas vidas, chamando a atenção dos colegas para o conceito de Lovelock.
Nascida em 1949, Stengers é uma senhora de olhar vivo e fala envolvente. Numa entrevista no último dia do colóquio, ela falou sobre a situação inédita com que se deparam as ciências naturais. “Os cientistas do clima precisam de apoio. Eles devem desconfiar de seus aliados tradicionais – as empresas e o Estado –, que podem se apropriar completamente do problema com consequências catastróficas.” Para a pensadora belga, o momento é de cooperação. “As ciências humanas podem lhes dar a imaginação que a sua formação não lhes deu sobre as consequências que não lhes são familiares”, afirmou. “Se eles puderem povoar sua imaginação, talvez fiquem menos vulneráveis.”
Escalada para a conferência de encerramento, Stengers fez um balanço das discussões travadas durante a semana. Em tom grave, observou que no futuro talvez sejamos confrontados por questionamentos similares aos dos jovens alemães nascidos no pós-guerra, quando descobriram os horrores do Holocausto: “Vocês sabiam, e o que fizeram?” Ela se disse hesitante entre o pesadelo e a vergonha. “Daqui a trinta ou quarenta anos seremos a geração mais odiada.”
por BERNARDO ESTEVEST, Revista Piaui
A candidata do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República, Dilma Rousseff, publicou em seu site oficial um documento em que apresenta suas propostas de políticas públicas para a população lgbt em seu segundo mandato, “13 compromissos para garantir os direitos LGBT” [http://bit.ly/124Qnp2] .
Como afirmei, em mais de uma ocasião, não votarei nem em Dilma nem em Aécio Neves, porque não me filio nem ao projeto político petista nem ao tucano. Não consigo votar criticamente em Dilma, como estratégia para vetar Aécio. Anularei meu voto. Não obstante, compreendo quem votará criticamente na candidata petista.
Após a observação do parágrafo anterior, destinada a evitar interpretações equivocadas, abordo a questão que me interessa. Desde que Dilma apresentou os “13 compromissos para garantir os direitos LGBT”, tenho visto homens e mulheres transgêneros e homens e mulheres cisgêneros homossexuais ou bissexuais divulgando o documento, otimisticamente.
Antes de tudo, observo que, nesta eleição, entre os três principais candidatos à Presidência da República, quem apresentou o melhor conjunto de propostas visando ao bem-estar da população lgbt foi justamente a candidata “fundamentalista religiosa” derrotada no primeiro turno. Entre as propostas do documento apresentado por Dilma, não há uma única menção à legalização, ao menos, da união estável.
Durante os quatro anos do governo Dilma, a população lgbt permaneceu desamparada, tendo a Presidenta negligenciado deliberadamente nossas necessidades, demandas e direitos, em troca do apoio dos políticos fascistas – sim, fascistas! – representantes do conservadorismo religioso, devido às sacrossantas e inexoráveis necessidades de um governismo em nome do qual todas as barbáries são justificáveis – barbáries as quais não foram cometidas apenas contra a população lgbt, a propósito.
Como afirmei, compreendo o voto crítico em Dilma como estratégia para vetar Aécio. Contudo, está além, muito além, muitíssimo além da minha capacidade cognitiva compreender homens e mulheres transgêneros e homens e mulheres cisgêneros homossexuais ou bissexuais, sobretudo se ativistas políticos da causa lgbt, demonstrando adesão entusiástica aos compromissos anódinos assumidos pela candidata do PT, tanto devido a seu deplorável histórico de realizações em prol dos direitos lgbt’s, como devido ao fato de que se com uma mão acena, bem de longe, para a população lgbt, com a outra mão continua apertando firmemente as mãos de fascistas políticos conservadores religiosos.

Fabiano Camilo - Facebook
Sobre a possível entrada do Julien Blanc no Brasil acabo de ver no blog da Lola a seguinte afirmação (feita, segundo ela, por uma diplomata que entrou em contato por e-mail): "A segunda coisa é a PF entender que a mera palestra já constitui um crime e impedir a entrada dele no Brasil, caso ele venha. Mesmo com visto válido, a entrada no Brasil é mera expectativa de direito. Ele pode ser proibido de entrar pela PF caso se entenda que a presença dele é prejudicial à imagem do Brasil no exterior."
Polícia Federal pertence ao poder executivo e em uma democracia não tem poder pra definir que uma mera palestra é crime, nem julgar conteúdo de palestra nenhuma, especialmente quando a palestra sequer foi proferida. Ou seja, Polícia Federal julgar conteúdo de palestra é CENSURA, sim.
E se Polícia Federal vai julgar esse suposto conteúdo (pois a palestra sequer foi proferida!), nada impede que a PF julgue também outros conteúdos e impeça a entrada de quem vier ao Brasil palestrar sobre uso de células tronco, direito ao aborto, descriminalização de drogas, direitos de crianças transsexuais, ou qualquer tema considerado polêmico.
Para ficar num exemplo simples, nada impede que ativistas religiosos (que são em muito maior número e bem mais organizados que feministas) consigam criar petições online e pressionar para barrar a entrada no Brasil de quem venha palestrar defendendo ideias divergentes de sua doutrina. Já sabemos muito bem o quanto o governo atual é refém de posicionamentos religiosos, e não é nada inteligente que movimentos sociais permitam a abertura de mais esse flanco.
E sobre imagem do Brasil no exterior: o Brasil pode escolher a imagem de censor ou de um Estado que não faz censura prévia e que pune quem faz palestra misógina. A julgar pelo auê em torno de uma petição que muda de destinatário com frequência, a opção é pela censura. Depois não venham olhar torto pra quem pede intervenção militar: achar ok que a polícia federal decida se uma palestra não proferida é crime também é uma forma de endossar censura e truculência estatal.

"Não existem partidos políticos susceptíveis de chegar ao poder que duvidem do dogma do mercado. E são estes partidos que com a cumplicidade mediática monopoliza as aparências. Discutem por pequenos detalhes esperando que tudo fique onde está. Brigam por saber quem ocupará os lugares oferecidos pelo parlamentarismo mercantil. Estas estúpidas briguinhas são difundidas pelos meios na intenção de ocultar um verdadeiro debate sobre a escolha da sociedade na qual desejamos viver. A aparência e a futilidade dominam profundamente o afronto e as idéias. Tudo isto não se parece nem de perto nem de longe a uma democracia."

Camila Jourdan

AINDA SOBRE O DISCURSO DO MEDO
Eu vou dizer, pela última vez, o que eu acho deste discurso politicamente vazio pelo qual devemos votar na Dilma para evitar determinadas medidas (ameaças) que seriam bandeiras, pautas, do programa de governo do Aécio. O que realmente pode fazer alguma diferença é a pressão, não é quem ocupa o lugar institucional. Esta pressão pode ser do grande capital ou do povo. Esta é a oposição importante que barra a implicação: 'Se Dilma, então P' e 'Se Aécio, então Q'. Quem decide P ou Q não é quem ganha as eleições, é o conflito de poder na guerra de classes. A Dilma pode ganhar e ocorrer Q, bem como o Aécio pode ganhar e ocorrer P. Quantas vezes vimos isso ocorrer!? Nossa falsa democracia não tem meios para evitar isso. Se a Dilma ganhar e o povo não estiver organizado para exercer pressão, porque foi desviado da sua auto-organização pela falsa via eleitoral que canaliza toda a participação política da sociedade, ela pode inclusive mudar todo o programa político dela e fazer exatamente o programa do PSDB que o povo não terá nenhum meio para cobrar isso, não há nenhuma garantia de que ela não fará isso, como inclusive o PT já fez em relação a vários pontos da sua política e propostas iniciais após ganhar as eleições: o grande capital pressionou e ele acatou. Por outro lado, o Aécio pode ganhar e o povo estar organizado, e, com isso, por isso, ele não conseguir implementar as medidas (horríveis, eu concordo com isso, que fique claro) que propagandeia. A pressão do capital é mais forte que a pressão popular na nossa sociedade não apenas porque (embora isso seja fundamental) o capital detém os meios materiais de produção e reprodução da vida, mas também porque as pessoas têm sua participação política restrita ao voto, por isso é na organização popular que temos que nos focar, só ela pode impedir de fato a adoção das medidas que mais interessam aos donos do capital, só ela pode mudar algo.
Não é a pressão popular em função do voto, como se o povo tivesse poder porque pode “chantagear” seu voto de dois em dois anos. Não, o povo tem poder de pressão porque pode se auto-organizar, porque são as pessoas que fazem as sociedades, é este poder que o governante deve temer como mais forte do que o poder do capital. Enquanto o poder popular ficar restrito ao voto, o população jamais terá poder de barganha, porque o voto é um processo institucional controlável estruturalmente.
NÃO VOTE, SE ORGANIZE!

Camila Jourdan - Facebook 

14 novembro 2014

"Este trabalho objetiva repensar a dependência cultural através da leitura de significativos 
ensaios da crítica literária brasileira que constroem um diálogo sobre esta temática. De início, 
analisamos o Prefácio e a Introdução de Formação da Literatura Brasileira (1959), de 
Antonio Candido, procurando reler o posicionamento crítico da voz da tradição aí 
representada, especificamente no que se refere ao tema da dependência cultural. Através da 
revisão da referência à literatura brasileira como um "galho secundário", na qual Candido 
demonstra uma noção de dependência equivalente à noção de subordinação, as repercussões 
críticas de Formação, com os trabalhos de Haroldo de Campos, Roberto Schwarz e Luiz 
Costa Lima possibilitam uma vasta discussão sobre a historiografia literária elaborada por 
Antonio Candido e os recursos teóricos e metodológicos empregados pelo crítico a fim de 
expor sua visão sobre a produção e a formação da literatura brasileira. A discussão nos 
conduz necessariamente ao questionamento da identidade cultural brasileira, destacando-se a 
noção de "nacional por subtração", de Roberto Schwarz, e o diálogo estabelecido por esta 
com outros textos, escritos por Haroldo de Campos e Silviano Santiago. Roberto Schwarz 
representa a voz da continuidade da tradição da crítica literária inaugurada por Antonio 
Candido, o qual repreende a inconstância intelectual brasileira com relação à importação de 
idéias estrangeiras. Schwarz critica Haroldo de Campos e Silviano Santiago por revisitarem a 
antropofagia oswaldiana proposta, assim como por buscarem influências na teoria do 
desconstrucionismo francês e destacar o diálogo entre culturas, a diferença e o entre-lugar 
como traços característicos da nossa produção cultural. Em "Literatura e 
Subdesenvolvimento", Antonio Candido retorna à questão da dependência cultural, resultante 
da condição econômica de países subdesenvolvidos. Como privilegia o regionalismo do 
romance latino-americano, Candido aponta para que este seja uma forma de superação da 
dependência, desta maneira possibilitando a descontinuidade em relação à influência da 
cultura européia. Silviano Santiago representa um novo interesse no estudo da tradição 
literária. Fortemente influenciado pelos Estudos Culturais e pela nova visão sobre a questão 
do "valor literário", Santiago discorre em direção ao "repensar" da literatura brasileira para 
além da noção de "superioridade cultural", propondo alternativas para seu cosmopolitismo e 
assim reafirmando a noção de diferença como seu mais evidente traço." - aqui

"Primeiro. Transferir o combate ao analfabetismo do Ministério da Educação para o Ministério da Cultura. Entre todas as políticas sociais, o combate ao analfabetismo talvez tenha sido aquela em que os governos brasileiros mais fracassaram. Não é possível admitir que, na segunda década do século XXI, o Brasil continue com 14 milhões de pessoas adultas sem condições de ler, escrever ou interpretar um texto, o que equivale a 8,7% da população com mais de 15 anos. Exceto o Paraguai, este é o maior índice de analfabetismo na América do Sul. O analfabetismo tem que ser encarado como fato cultural e sua redução expressiva só vai acontecer se for através da Cultura, retomando os princípios norteadores da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, desenvolvido exatamente a partir da Cultura, com o Movimento de Cultura Popular (MCP) e os Círculos de Cultura (uma das Inspirações para os Pontos de Cultura). Para além de beneficiar milhões de pessoas com a alfabetização, uma ampla política pública em torno desta questão, trará benefícios para toda a sociedade ao colocar a Educação e a Cultura como os principais valores de nosso país, a serem defendidos em um grande movimento social. Esta é a questão. Se tratarmos o combate ao analfabetismo a partir da Cultura será possível reduzir o índice de 8,7% para 2% em 4 anos de governo (talvez menos tempo) e com o mesmo aporte orçamentário. Para os próximos quatro anos esta deveria ser a meta mais nobre: transformar o Brasil em território livre do analfabetismo." - aqui
"A descoberta de um mundo (continente, planeta, imaginário) não torna existente um mundo inexistente; torna existente uma relação antes inexistente (mas subsistente, que sempre foi possível) entre dois mundos. Trocando as palavras, é.esse o argumento de Oswald em A marcha das utopias."

"Em toda descoberta, o que se descobre não é a coisa, mas a relação com ela"

"Há uma dimensão da perspectiva que só se dá quando há a passagem de um discurso entre diferentes meios. Essa propriedade, empregada de uma maneira bastante especial tanto por Bolaño como por Tarkóvski, é o que torna possível pensar um ritmo para o saber de cor lá que leva em consideração um colapso do material e do tempo, no qual um se converte no outro, ao exercerem forças imensas sobre si mesmos." - aqui


"A gente costuma pensar a poesia como um pequeno nicho da literatura, afinal, é o que vemos nas livrarias: algumas poucas prateleiras dedicadas ao gênero. No entanto, das milhares de línguas da humanidade, apenas um grupo muito reduzido produziu literatura. E na trajetória humana, o período em que há literatura propriamente dita representa somente alguns minutos, preciosos sem dúvida, mas ínfimos, se comparados com aquilo que a humanidade produziu e ainda produz de poesia. Aprendemos a ler com poemas e, ainda hoje, a maior parte do tempo estamos consumindo poesia, como na forma de canções por exemplo. Por isso, faço sempre questão de frisar que a poesia me representa, não a literatura, embora tenha uma profunda ligação com esta." aqui

"Se você quer entender a crítica que os poetas modernos portugueses fazem a ideia de poesia como expressão espontânea dos sentimentos e o motivos deles advogarem uma espécie de analítica das sensações que serviria de matéria à formalização poética, basta você ver a diferença entre um bêbado chato enchendo seu saco no bar pelo amor perdido e a música garçom do Reginaldo Rossi: o primeiro não te comove apesar de toda espontaneidade, já com a segunda você canta e sofre junto graças ao trabalho formal do compositor com os sentimentos de um bêbado chato aporrinhando um garçom." - Kigenes Simas

O carro e o trânsito segundo os situacionistas (trechos da época da construção de Brasília, vale notar, essa instanciação simbólica e material do auto(i)mobilismo):
“O desenvolvimento do meio urbano é a educação capitalista do espaço Ele representa a escolha de certa materialização do possível, com a exclusão de outras (...) O trânsito é a organização do isolamento de todos. Constitui o problema preponderante das cidades modernas. É o avesso do encontro: um sugador de energias disponíveis para eventuais encontros ou para qualquer espécie de participação”.
“O erro de todos os urbanistas é considerar o automóvel individual essencialmente como um meio de transporte. A rigor, ele é a principal materialização de um conceito de felicidade que o capitalismo desenvolvido tende a divulgar para toda a sociedade. (...) O tempo gasto nos transportes, como bem observou Le Corbusier, é um sobretrabalho que reduz a jornada de vida chamada livre. Precisamos passar do trânsito como suplemento do trabalho ao trânsito como prazer”. (Guy Debord)

“Os urbanistas revolucionários não se preocuparão apenas com a circulação de coisas, nem apenas com homens paralisados num mundo de coisas. Tentarão romper essas cadeias topológicas por meio da experimentação de terrenos, para que os homens transitem pela vida autêntica” (Guy Debord)

Alexandre Nodari - Facebook

03 novembro 2014

Não existe “onda conservadora” no Brasil, nem em SP

"Os marxistas têm claro que o que move a sociedade é a luta de classes, e que esta se expressa apenas de maneira deformada através das eleições burguesas. Não necessariamente quem vence as eleições burguesas é quem tem o apoio da maioria real da sociedade. Isso se dá porque as eleições burguesas não são nada democráticas. Suas regras privilegiam aqueles que têm mais recursos financeiros e boa parte, senão a maioria dos que votam em um determinado candidato, o faz não por concordar com seu programa, mas porque este esteve mais exposto, se tornou mais conhecido, porque tinha mais recursos – e apoio da grande mídia burguesa.
O fato de não haver tempo igual para os partidos e coligações na TV e de os candidatos a presidente e governador de partidos menores como PSTU, PCB, PCO não poderem participar dos debates televisivos, por si só já distorce bastante a expressão das classes em luta no processo eleitoral."
Fonte: aqui
"A tudo isso podemos também somar o esgotamento do lulismo que, no fundo, promoveu de certa forma o conservadorismo ao apostar no consumismo como forma única de ascensão social sem garantir educação no meio (não posso considerar UniEsquinas como educação, muito menos educação emancipadora, a necessária).
O lulismo aliado à conservadores evangélicos, avesso à regulação da mídia e a frear discursos de ódio, acabou criando um campo propício para que o ódio e o conservadorismo se espalhasse. Dilma e seus discursos contrários à criminalização da homofobia e seus recuos em programas de direitos humanos para minorias ou seu recuo na regulamentação do aborto contribuíram para reforçar o discurso conservador. Não inibir tal discurso ao mesmo tempo em que incentiva apenas o consumo inconsequente e enquanto, ainda, obedece às ordens dos conservadores contribui para fortalecê-los (o que é óbvio, menos para o eleitor petista fanatizado e para o próprio PT)."
fonte: aqui

"A Constituição Federal (artigo 6) estabelece que o lazer é um direito social. Não encontrei em qualquer candidatura propostas sobre a garantia do lazer como umdireito dos brasileiros e nem qualquer reflexão sobre as brincadeiras como elementos de políticas responsáveis de saúde pública para crianças e adultos; como me parece que deveria ser. Todas as candidaturas mostram preocupações (entre legítimas e oportunistas, é claro) com a necessidade de se garantir empregos. Não vi qualquer reflexão sobre a importância de imaginarmos uma sociedade em que o direito ao lazer, a brincadeira e as folganças seja considerado ao menos tão fundamental quanto as garantias do trabalho. Precisamos de políticas públicas que nos estimulem a consumir menos, trabalhar menos e viver de forma mais digna. Discutir a jornada de trabalho máxima de quatro horas diárias poderia ser um bom começo.

Há os militantes da causa do trabalho. Sou um militonto/militantã da causa dos folguedos e acho que elas não foram contempladas pela política em tempos de desencantamento do mundo. Falo sério, combato o imaginário da inclusão pelo desejo do consumo e faço o registro."


Luis Antônio Simas

Eliana Brum: O longo dia seguinte

"Uma hipótese possível seria a mesma pela qual a candidatura de Marina Silva erodiu. Marina cometeu vários erros nessa campanha, alguns deles primários. Mas há um deles, que para muitos soa como erro, mas que não me parece que seja. Seu discurso era menos afirmativo do que os eleitores estão acostumados. Ela propunha a construção de soluções, mais do que propostas acabadas (ainda que tenha sido a única entre os três candidatos com chances no primeiro turno a apresentar um programa de governo). Propunha escuta.
Seu discurso foi classificado como “difuso” e “vago”. Às vezes, ser difuso e ser vago são as únicas verdades possíveis em determinado momento histórico, como mostraram as manifestações de junho de 2013."

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“O capitalismo está fundado no princípio da produção de riqueza, mas a questão num planeta finito é redistribuir a riqueza” - aqui