30 setembro 2014

"O Ivan é meu aluno. Tem seus 14, 15 anos, é uns 10 cm mais alto que eu e está no sétimo ano. Era um aluno problemático, embora sempre tenhamos tido uma boa relação. Nos últimos meses o Ivan se converteu a uma denominação religiosa evangélica (ou passou a levar a sua conversão de forma realmente séria) e não é raro eu vê-lo lendo ou carregando a Bíblia na escola, uma Bíblia de estudo teológico. Nas últimas semanas conversamos sobre a possibilidade dele estudar teologia e ele me mostrou o trecho de uma das cartas de Paulo aos efésios que usaria na sua pregação. Discutimos Renascimento na aula e debatemos, eu e ele, sobre teocentrismo e antropocentrismo, sem que nenhum dos dois saísse sequer entalado com alguma coisa a ser dita. Trinta minutos depois ele conversava comigo na porta, já próximo da hora em que eu sairia da turma, e ele, me dizendo que eu estava com cara de cansado, me deu um abraço, dizendo que eu precisava. Em outra oportunidade ele já prometeu 'roubar um carro pra mim', afirmando que eu precisava 'levar a amante e a fiel pra passear'. Não sei se ensino nada ao Ivan, mas o Ivan (como nome de muitos outros meninos e meninas que convivem na sala de aula comigo) me ensina todo dia, com todas as contradições que ele possa ter em relação àquilo que eu considero, a cada momento, idêntico a minha própria visão de mundo.
De vez em quando damos uns saltos éticos e melhoramos a nossa relação com o mundo. Essas pequenas revoluções copernicanas sempre me marcam profundamente. A primeira delas veio com o nascimento do Miguel. A segunda veio na escadaria da ALERJ, no dia 17 de junho de 2013. E uma terceira eu talvez possa datar da minha convivência cotidiana com meus alunos na Pavuna e no Chapadão. Como é incrível esse vazio que preenchemos com a nossa potência e que chamamos de vida."
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"O problema da esquerda hoje não é fazer repercutir a 'palavra do socialismo' (isso é coisa de igreja, é idealismo). O problema ds esquerda, enquanto nome inercial do devir revolucionário (que, por definição, não tem e nem pode ter um nome), é produzir capacidade de interlocução e organização das demandas sociais, inovação no campo da governança, desenvolver políticas capazes de mobilizar a sociedade, construir democracia ali onde só há representação e jamais vai fazer isso insistindo nessa paranóia identitária, esse nós contra eles que, no limite, inverte a equação do Occupy Wall Street e se coloca como o 1% (que sabe para onde o mundo tem que ir, embora não faça a mínima ideia do 'como') contra os 99% - que, não obstante ela pretende representar. Não passa, no fundo, de uma forma de boa consciência que tranquiliza o militante. Afinal o mundo é uma merda, mas uma merda da qual ele se distingue, demarcando cuidadosamente a fronteira entre o terreno que pisa e aquele onde reina a catástrofe. O ser de esquerda como muro e não como passagem e já, portanto, devir."

Silvio Pedrosa -  Facebook
DO MITO GREGO AO MITO AMERÍNDIO:
UMA ENTREVISTA SOBRE LÉVI-STRAUSS COM
EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

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Viveiros de Castro - Etnologia Brasileira - aqui


Temos que reconstruir nossa sensibilidade - aqui
"O tropicalismo, reativando uma série de indicações que a bossa nova já tinha colocado, é exigente, segundo Favaretto. “Ele exige que a música seja objeto de uma atenção por parte dos receptores tanto quanto as outras artes. E, naquele momento, o tropicalismo foi um desafio muito grande. Ele mudou a audição das pessoas”, conta. E continua: “Ou as pessoas mudavam o modo de ouvir a música popular ou não entendiam nada; ou rejeitavam, chamando-a de alienada politicamente ou de vício e alguma coisa que não era música brasileira, que era música estrangeira ou algo incompreensível por ser caótica nos seus textos e em suas melodias. E não era nada disso. Ela não era caótica coisa nenhuma”. Para ele, os nossos ouvidos foram totalmente transformados e foram transformados, em primeiro lugar, pelas indicações da bossa nova, e, em seguida, pela radicalização tropicalista." 

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29 setembro 2014

"O que chamo de laicatolicismo brasileiro é essa violência doce da razão católica que domina a conformação das opiniões, o consenso por trás da formação do consenso, o horizonte mesmo onde se pode pensar as relações das religiões com a vida, a política, ou seja, no seu atravessamento biopolítico. Porque a situação desses debates, a linha de frente da defesa do discurso papal sendo capitaneada por pessoas de esquerda e sinceros adversários do fundamentalismo de matriz evangélica, não cessa de o provar: no Brasil, tudo é laico, até que não seja católico." Silvio Pedrosa: aqui

Diálogos sobre o fim do mundo - Eliana Brum

Quando o melhor do pensamento brasileiro não se ausenta 
"E aí vêm os elogios à honestidade do pobre...
Eduardo – Eles, sim, pagam as dívidas, porque rico não paga. Eike Batista não paga dívida, mas a empregada morre de trabalhar para pagar o cartão de crédito. Eu provocava a esquerda, dizendo: “O que vocês não estão entendendo é o seguinte. Enquanto vocês tratarem o Outro como pobre, e portanto como alguém que tem que ser melhorado, educado, civilizado – porque no fundo é isso, civilizar o pobre! –, vocês vão estar sendo cúmplices de todo esse sistema de destruição do planeta que permitiu aos ricos serem ricos”."

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Força e Significados: perseguições políticas em dois filmes brasileiros recentes 
blog do documentário Elena

A Excrita de Hélio Oiticica
Tania Rivera*1
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"Ah o "tempo da política", quando o cidadão privado é autorizado, levemente estimulado mesmo, a participar da discussão sobre os altos destinos da nação... Uma pequena micareta na Esfera Pública, de quando em quando, é excelente higiene democrática. Sempre dentro dos limites da lei, é claro. Senão a PM parte para a sua versão fofinha da ação direta, o juiz bota na cadeia, e a imprensa ulula contra o vandalismo, cumprindo sua função sagrada de castigar os maus costumes." - 

Eduardo Viveiros de Castro
"Lucy" é a versão do Luc Besson para "Ela" do Spike Jonze. Ambos têm Scarlett Johansson como protagonista, desenvolvendo a mesma trajetória, a ampliação da capacidade cognitiva até o ponto de torná-la incomunicável para o humano. No filme de Beson, isso se traduz em porradaria e solidão para Lucy, no de Jonze, em falta de intermédio entre a voz de Samanta, o programa de computador com emoções e inteligência humana , e o seu usuário, Theodore. Lucy tem um corpo se desfazendo, a Samanta de Jonze não tem corpo, por essa via ambas elevam o humano ao divino. Porém, se no caso de Jonze é o amor que deixa a relação entre o humano e o divino com algum par de igualdade, para Besson é a violência a responsável por isso. Talvez ambos traduzam a nossa concepção de Deus, de um lado um ser que nos ama, mesmo estando além de nossas limitações temporais e cognitivas, de outro um ser cuja violência supra humana nos castiga sem piedade e é por nós perseguida, como se fôssemos ao mesmo tempo seu algoz e sua vítima. Talvez Lucy e Samanta nos digam mais de nós do que de Deus, pois o que elas revelam é o modo como nós compreendemos o divino : uma elevação daquilo que julgamos limitado em nós e ilimitado em Deus, amor e violência."

"De Kant, de Hegel, de Euclides, de Bopp e da Amazônia
Trecho de um artigo que escrevi ( com ajuda de ideias produzidas em sala de aula e dos encontros do grupo de estudos)
Dessa maneira, se em Kant a forma política da sociedade é a expressão de um plano oculto da natureza que a razão realiza, em Hegel o Estado é o Espírito Vivo que se auto reconhece como forma política. O que significa dizer que em ambos a natureza produz o seu Outro( sociedade), que, paradoxalmente, está contido nela na medida em que dela se afasta.
A formação torna-se, portanto, aquilo que está aquém e além do mundo político, da mesma forma que está antes e depois da natureza. Antes porque os sujeitos em formação no universo da política realizam uma prescrição natural e depois porque a realização de tal desígnio os emancipa da natureza. Eis o paradoxo
Devemos destacar, neste ponto da argumentação, algo imprescindível para leitura posterior de Euclides da Cunha e de Raul Bopp : nos sistemas filosóficos de Kant e Hegel o homem (europeu) é formulado como um ser dotado de capacidade “natural” para superar a natureza, o que acarreta pensar, que o plano da natureza seria realizar as formas políticas vigentes ou em processo de formação na Europa. Assim, para tais filosofias, os homens do esclarecimento estão naturalmente inclinados para realizar a razão nos moldes das formas políticas europeias. É dentro desse quadro que acontece aquilo que poderíamos chamar de sequestro temporal da natureza, ou melhor, naturalização do tempo como realização do Estado. 
Nele, a história e a natureza acabam se tornando reféns de um círculo vicioso em que o percurso político dos modernos estados europeus se torna o crivo de apreciação de ambas. Segundo tal perspectiva, para fora desse percurso não poderia existir nem história, nem natureza. Daí que quando Euclides define a Amazônia como “terra sem História” e Bopp “como terras do sem fim” o emperramento desse círculo vicioso acaba sendo produzido. 
Pensando com e contra Euclides, sem História pode significar sem natureza, portanto, sem substância, lugar onde o círculo vicioso não se aplica, ou seja, lugar onde a natureza não faz Estado. Isso nos leva a pensar que terras do sem fim pode ser entendido como lugar em que o tempo e o espaço confundem-se de tal maneira que o primeiro passa a não medir o percurso necessário de quem quer seja ( Estado ou Sujeito) pelo segundo. Uma terra sem fim é também sem formação, livre do formato histórico da natureza segundo os interesses europeus."

A Mimesis e as nega
"Miguel Falabella formou-se em letras pela universidade federal do rio de janeiro. Deve ter estudado teoria da literatura e estar a par da teoria da mimesis aristotélica. Diz o Aristóteles na Física que a arte " imita a natureza", precisando um pouco depois que " por um lado, a arte termina o que a natureza foi incapaz de realizar, por outro ela a imita". Na poética, ele ainda complementa dizendo que a tragédia imita atos e não caracteres, ou seja , ações e não substâncias. Não sei se um filósofo grego pode ser chamado a esse certame, mas sei que uma conclusão simples para Miguel tirar lá do seus livros empoeirados de teoria é que , segundo Aristóteles, a arte imita a natureza em sua capacidade produtiva e não na reprodutiva, o que significa dizer que a arte é antes de tudo produção e não reprodução da forma política da comunidade. Sendo assim, reproduzir todos os entendimentos racistas a respeito do corpo negro tido como "naturais" pela sociedade brasileira não é tornar a sexualidade dos negros merecedora de reconhecimento público , muito pelo contrário, é apenas reforçar a "natureza" do racismo brasileiro, a tão propalada "natureza sexual" do negro e principalmente das negras. Uma arte que apenas devolve aos negros o lugar que eles já têm em nada está contribuindo para ação afirmativa da vivência de negros e negras, inclusive de suas sexualidades. O que "arte" de Miguel é incapaz de fazer, por todos os motivos imagináveis, é produzir algo que a natureza racista da teledramaturgia brasileira não é capaz de realizar, a saber, negros que não precisem da autorização dos brancos para exercerem a sua sexualidade ou qualquer outro aspecto de suas vivências. A "arte" de "Falabella " é apenas mais uma reprodução de uma sociedade com grande experiência em produzir racismo."

"Você votaria em um candidato que acha que é oposição de si mesmo, ou em outro que acha que é governo contra quem o colocou no poder. Se o atual cenário politico no amazonas for legalizado, isso será normal."

Kigenes Simas - Facebook

"O PT venceu como experiência política partidária, não estou falando apenas de vitória eleitoral, estou falando de balizamento dos rumos da política institucional do país, seja ela à esquerda ou à direita. Mesmo a oposição ao PT não consegue desconsiderar que Luciana Genro, Eduardo Jorge e Marina ( essa última menos à esquerda que os outros) são produtos do processo político que constituiu o partido dos trabalhadores e de dissidências surgidas no seu interior, fosse em relação à causa ambiental ou a não adesão ao pacto conservador feito com banqueiros, agronegócio, empreiteiras e toda sorte de caciques políticos parasitários para viabilizar reformas sociais, como diz um dos jargões dos governista.
Impossível pensar , por exemplo, o PSOl sem a existência do PT, uma vez que ele foi o partido onde foram desaguar boa parte dos quadros políticos mais combativos e seriamente comprometidos com as pautas de esquerda depois da eleição do Lula, quando o PT mostrou que não havia mais espaço para dissidências internas anti-governista. Por isso, eu acho graça quando alguém como Andre Singer diz que há possibilidade de forçar mudanças no interior do partido sem que se precise criar alternativas a ele ou fazer oposição extra-partidária.
De outro lado, é impossível pensar a existência política do Everaldo e congêneres, por exemplo, sem a incorporação do PSC à base aliada do governo e o modo como a teologia da prosperidade se apropriou do crescimento econômico da classe C para se fortalecer financeira e politicamente, conseguindo inclusive barganhar com o governo todas as suas pautas reacionárias e clientelistas.
Impossível pensar Kátia Abreu e Boaventura de Sousa Santos pedindo voto para o mesmo partido sem a existência do PT ( Esse último escreveu um dos textos mais críticos e lúcidos de um apoiador do partido em relação ao limites da política petista e a outra sendo apoiada de maneira vergonhosa pela presidente no horário eleitoral).
O PT venceu, venceu inclusive a si mesmo, venceu a oportunidade histórica de transformar 70 por cento de aprovação popular em alguma coisa mais democrática do que lei anti-terror, alinhamento com interesses de empreiteiras que financiaram o golpe militar e conivência das mais escandalosas ( essa parte quem diz é o Boaventura e não eu) com o assassinato de líderes indígenas e quilombolas, através do financiamento de grupos mafiosos do setor da criação de gado e grilagem de terra.
O PT venceu porque alimenta tudo isso com a chantagem repetida ao infinito de "ruim com ele pior sem ele". O engraçado é que isso só vale para esquerda porque a direita, cujos privilégios são religiosamente respeitados pelo governo petista e até fomentados, não teria pudor nenhum em vencer o PT caso haja uma brecha para isso.
Sonho com o dia em que a vitória sobre o PT não estará única e exclusivamente nas mãos da direita e a esquerda possa dizer que venceu o petismo como única forma viável de se mudar alguma coisa na política institucional do país."

Kigenes Simas - Facebook

28 setembro 2014

"Por exemplo, a polícia caracteriza-se pelo excesso de violência, porque ela lida com a contingência da lei, ela decide, a cada vez, quais são as circunstâncias que contam. A suposição de pureza da lei, ou seja, de que ela foi engendrada sem violência, justifica o sistema de complementação entre a violência mítica e a violência subjetiva. A partir daí a violência não pode nunca ser justificada porque ela seria um meio para. Por exemplo, a violência educativa, a violência usada para ensinar o proletariado a se comportar, a violência de gênero, a violência simbólica é sempre um meio pelo qual a palavra (lei) mata e substitui a coisa (a violência). E esta é a gramática fundamental do processo civilizatório. No entanto o mesmo argumento pode ser usado para justificar a não-não-violência. Daí que para Benjamin, a solução passe por uma terceira forma de violência: a violência divina, que não é um meio para nada, mas apenas um ato." 

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Voz de Torquato Neto - aqui

MORTE E VIDA EM CONTEXTO DE DOMINAÇÃO BIOPOLÍTICA Peter Pál Pelbart

27 setembro 2014

"Gosto de períodos eleitorais. É um momento em que você realmente conhece seus interlocutores. Aqueles que escutam o que você tem pra falar, independente de alinhamentos, e conversam ainda que dissentindo. E aqueles que viam em você apenas a confirmação e o desenvolvimento de suas posições mas que, uma vez contrariados, se escandalizam quase se como estivessem ameaçados. Eleição é um bom momento pra compor e decompor interlocuções, para sair das bolhas de mesmice e consenso, para conhecer pessoas diferentes e romper com outras demasiado iguais, deixando a sua rede mais leve e prospectiva. Se as frustrações e agruras da idade acumulam alguma sabedoria, ela talvez consista na percepção de que não temos nenhum patrimônio a salvaguardar na vida. Não temos nada senão a própria vida, que é a capacidade de recomeçar as coisas. Temos coisas, mas é mais saudável viver como se já as tivéssemos perdido. Por isso, saúdo a inocência das novas relações e não sinto falta da acrimônia das perdidas. Nos dois casos, entre encontros e desencontros, o saldo é positivo."

Bruno Cava - Facebook
Textos básicos de Filosofia - aqui

Literatura Fundamental 12 - Esperando Godot - Fábio de Souza Andrade

Queerificando Antígona

"Na interpretação clássica de Hegel, presente em obras como a Fenomenologia do espírito, asLições sobre a filosofia da religião Cursos de estéticaAntígona representaria a esfera familiar, privada, que deve submeter-se à esfera pública universal do Estado, representada por Creonte, para que haja uma ordem ética compartilhada por todos. Em primeiro lugar, salta aos olhos de Butler que Hegel considere Antígona a representante dos interesses familiares privados, do matriarcado que deve ceder lugar ao patriarcado-estatal, quando a situação familiar na qual vive é totalmente atípica. Ela é fruto da relação incestuosa entre Édipo e Jocasta e, além disso, na luta pelo direito a enterrar seu irmão morto, demonstra-lhe, em palavras e gestos, um amor incestuoso. Segundo a interpretação de Lacan, em Seminário 7, a peça de fato não abordaria um conflito entre duas esferas de interesses  opostos, ao contrário, ambos, Creonte e Antígona, seriam vitimas de um mesmo impulso  autodestrutivo inconsciente, a pulsão de morte, que os conduz para a destruição, mesmo quando desejam fazer o bem."

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A memória enquanto matéria para Ficção:

“O inventário das coisas ausentes” problematiza a própria possibilidade de reconstituição do passado, na medida em que acasos, negações, escolhas conscientes e inconscientes determinam o rumo da narrativa. Esse processo de reinvenção do passado é o próprio tema do romance?
CAROLA SAAVEDRA: Sim, o romance parte da ideia de que toda memória é na realidade uma construção, e de forma mais radical, um processo ficcional. As coisas não existem “em si mesmas”, não há como recuperar o passado, essa vivência está perdida para sempre, e o que nos resta é reinventá-lo a cada vez que falamos dele. Essa é também a forma como está estruturado o livro – caderno de anotações e ficção. Ele nos dá a falsa impressão de que, através das notas do autor, seria possível recuperar a “origem” das ideias, mas é claro que nessa busca o leitor se depara com um texto tão ficcional quanto o outro.
linkaqui

--> Do que não cessa de Escrever, por Alexandre Nodariaqui

Tales Ab'saber: O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla)

26 setembro 2014

“É preciso reinventar a democracia à altura do século XXI”. Entrevista especial com Sandro Chignola

IHU On-Line - Em que medida a assunção de um Ingovernável como ponto de fuga e início de uma nova política estão na base da 'política que vem' e da profanação?
Sandro Chignola – O ingovernável para mim — que, sobre isso, continuo foucaultiano e talvez também marxista demais — é a liberdade. Palavra que eu acredito que Agamben nunca usa literalmente nas suas obras. E eu entendo a liberdade como aquele risco, aquela resistência que o governo deve continuamente atravessar para poder governar.
A grande ideia de Foucault é que nenhum dispositivo captura até o fim a liberdade, nem se demonstra capaz de governá-la até o fim...
A liberdade — uma liberdade entendida como potência, como materialidade dos interesses e das escolhas individuais, como excedência permanente em relação às transcrições jurídicas formais — é o que os dispositivos de poder buscam constantemente e que, em relação a eles, traça linhas de fuga contínuas.
Deleuze tinha entendido isso perfeitamente. Mas eu custo a compreender o que é o ingovernável na perspectiva de Agamben — se não a figura messiânica da inoperosidade de Deus antes e depois da oikonomia através da qual ele governa o tempo dos homens; a figura da prisão e da des-aplicação dos dispositivos que deve ser pensada como o que precede e que segue o seu código de funcionamento. Naquilo que ele chama de “o tempo que resta” — todo o tempo antes do retorno do messias e do fim dos tempos — não há espaço para a organização de qualquer resistência, parece-me.
Somente, e Agamben diz isso muito bem com Benjamin, o sonho de uma “violência pura” capaz de explodir a dialética entre a violência que põe e aquela que conserva o direito. Uma ação sem sujeito. Uma excedência radical incapaz de constituir-se como uma ação. O modo pelo qual Agamben lê, em Homo sacer, o livro sobre o poder constituinte de Antonio Negri me parece muito instrutivo nesse sentido.

“É preciso reinventar a democracia à altura do século XXI”. Entrevista especial com Sandro Chignola

25 setembro 2014

Limites da linguagem - Eliana Brum

"A literatura é a experiência da alteridade, que só se completa na incompletude refletida no olhar do outro. Por isso demanda o movimento de abertura para o desconhecido, mesmo que o sentimento seja incômodo ou mesmo perturbador. Mesmo que não se possa nomear o contato com as palavras disponíveis, mesmo que seja preciso escutar no tempo do outro." - aqui

--> A menina Quebrada - Eliana Brum: aqui

Os marxistas e a “jaula de ferro” da democracia representativa - Por Paulo Marques

"A democracia liberal representativa, da forma que a conhecemos e praticamos,  tem uma história; é parte do desenvolvimento das sociedades capitalistas ocidentais. É a forma predominante de funcionamento político dessa sociedade ou, na linguagem marxista clássica,  seria o processo que se desenvolve na “superestrutura que se ergue sobre a infra-estrutura econômica”. O modelo de “superestrutura” se constitui na forma Estado e seu sistema de “poder” se baseia na “poliarquia”, ou seja, a disputa da direção desse aparelho de Estado por grupos/elites a partir de partidos, realizada na arena eleitoral."
Continuaaqui

24 setembro 2014

"A única saída é pela Imaginação, mas não é a imaginação no poder do outro (que é o que eu vou inventar pra quebrar tudo, quebrar esse sistema podre) Hoje é diferente: A imaginação é pegar esse sistema e abrir perspectivas. Então por exemplo: o trabalho com a periferia, o fundamental é que vc abra possibilidades, que ele consiga ver outros universos, outros mundos, de modo, a imaginar outro coisa para aquele sujeito, é você dar a imaginação, e não mais, vc ter a imaginação. A imaginação como instrumento POLÍTICO. É belo isso hoje, A missão política do intelectual e do artista hoje, é doar a imaginação para quem está sem acesso á Cultura, a Cidadania e a Política. Nos anos 60 era a imaginação do sujeito, hoje é a imaginação do objeto. É um caminho de cinquenta anos que a imaginação faz pra cair no outro. É belo isso." 

Heloísa Buarque de Holanda - Ocupação Zuzu Angel

Heloisa Buarque Hollanda - Ocupação Zuzu (2014)

23 setembro 2014

A Cidade Alta como Paisagem: Repensando a conservação do Centro Histórico de João Pessoa

Por Rafaela Mabel

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O Bandido da Luz Vermelha: por um cinema sem limite - Por Roberta Canuto


"Este trabalho é um estudo do filme O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla,  tendo como base a obra crítica e literária que ele desenvolveu em duas décadas  dedicadas ao jornalismo e ao estudo do cinema. Esta pesquisa dedicou-se também à  análise das principais influências estéticas e ideológicas presentes no filme, como a literatura de Oswald de Andrade e todo o panorama artístico e cultural das décadas de 1920 e 1960, buscando aprofundar na abordagem da produção cinematográfica deste último período, no Brasil. Além dessas influências da cultura brasileira, este trabalho analisa a presença decisiva da obra de cineastas como Jean-Luc Godard e Orson Welles, na produção de Rogério Sganzerla, em especial, em O bandido da luz vermelha, que, de acordo com a conclusão desta pesquisa, consolidou-se como uma síntese experimental do pensamento do seu criador." 

"Por definição o cinema é ritmo e movimento, gesto e 
continuidade. Em tudo o que vemos, temos que considerar três 
aspectos: a posição do olho que olha, a do objeto visto e a da 
luz que ilumina a realidade. Assim, o cinema não tem a função 
de preencher um buraco na parede, já que a sua missão é bem 
maior – ser uma janela sobre o mundo."

Rogério Sganzerla

Link: aqui

A metalinguagem na obra de Rogério Sganzerlaaqui

INVENÇÃO EM TRÂNSITO/TRANSE:
GLAUBER ROCHA, HÉLIO OITICICA E TROPICÁLIAaqui

Molda-se uma alma contemporânea: 
o vazio-pleno de Lygia Clark - aqui

Um procurador contra Belo Monte

Eliana Brum: O que mais chama a sua atenção nesta insistência do governo em construir Belo Monte?

Felício – Há uma coisa em Belo Monte que chama muita atenção de qualquer um que tenha de lidar com o processo, com volumes e mais volumes de processos, que é a mentira do Governo. Eles fogem dos debates e, como o nosso sistema judiciário funciona mal, o sistema não propicia que quem tenha razão consiga alguma coisa neste país. Tanto é que, nas nove últimas ações, obtivemos nove liminares e todas elas foram suspensas pelo tribunal (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília. Normalmente, quase sempre, por uma pessoa só, que é o presidente do tribunal. E com base nesta suspensão, eles vão levando a obra.  

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Em função do agora: aproximações entre literatura e política em Clarice Lispector

"O campo deste trabalho está posicionado nas relações que a literatura de Clarice Lispector tece com o universo político, especialmente o proposto por pensadores como Hannah Arendt, Michel Foucault e Jacques Derrida. Defendemos que a obra da autora orienta-se por uma disposição anti-transcendente e anti-estruturante, que pode ser vista como política em sua abertura para o novo, para a interrupção de processos automáticos e para a invenção - começo de toda política. Essa disposição transgressora é posta em prática através de muitas 'técnicas' lingüísticas e literárias (que conjuntamente atuam nos planos do enunciado e da enunciação), mas iremos abordar principalmente a questão temporal, sobretudo no que diz respeito ao tempo presente da escrita-leitura, lugar onde se travam os embates político-discursivos de que trataremos aqui."

"Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa 

tentativa. O que também é um prazer. Pois nem em tudo eu quero pegar. 
Às vezes quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os 
outros podem pegar com as duas mãos." 


Clarice Lispector


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Dilma Rousseff e a encruzilhada do desenvolvimentismo tecnocrata - Idelber Avelar

"A passagem do governo Lula ao governo Dilma, supostamente de continuidade estrita, poderia ser resumida numa frase: naquele, havia três ministérios, o da Cultura, o da Natureza (Meio Ambiente) e o do Mercado (ou seja, todos os outros), enquanto que no governo Dilma restou este último, o Ministério do Mercado. A Cultura foi entregue à indústria do copyright e da propriedade intelectual e já não há, propriamente falando, um Ministério do Meio Ambiente capaz de se opor minimamente à sanha desenvolvimentista ancorada no barragismo e na expansão da fronteira agrícola. Estes processos–a intensificação da colonização da Amazônia e a interrupção da promoção de uma ética hacker do compartilhamento na cultura–poderiam sugerir que há uma ruptura radical entre o governo Lula e o governo Dilma. Não é o caso, e sugeri-lo seria falso com os fatos e injusto com a atual Presidenta. Mas o governo Dilma teve, nestes primeiros onze meses, o mérito e o demérito de tornar visível o que já era problemático no próprio governo Lula, e que permanecia relativamente encoberto sob o tremendo carisma, a notável inteligência política e os não desprezíveis sucessos de Lula na área social. Este texto trata dessa passagem, em que se conjugam a continuidade e a ruptura num momento crítico do capitalismo brasileiro.
O lulismo é o mais bem-sucedido pacto de classes da história do Brasil. Só Getúlio Vargas é comparável em ganhos reais para a classe trabalhadora sem ameaça substancial ao status quo das classes dominantes. O primeiro mandato de Lula foi marcado pelo ajuste fiscal, a ortodoxia monetária e a reforma da Previdência, que indispuseram o governo com sua base de esquerda e geraram a ruptura no PT que daria origem ao PSOL. Pouco a pouco, no entanto, a receita keynesiana se juntaria à ortodoxia monetarista e fortes investimentos em infraestrutura, expansão do crédito, programas de transferência de renda e aumento do poder de compra do salário mínimo–que teria um ganho real de 70% durante os dois mandatos de Lula–, acompanhados de iniciativas focalizadas (como o ProUni, que levou centenas de milhares de jovens pobres à universidade através de um programa de bolsas que transfere dinheiro público para o ensino privado), sentariam as bases da emergência de um “capitalismo popular”, como o denominou Gilberto Maringoni. A sua característica central é a integração das classes populares ao universo do consumo com ganhos reais, combinada com a manutenção de uma muito mais brutal transferência de riqueza para os rentistas da dívida pública, através de altíssimas taxas de juros. A distribuição de renda entre os assalariados melhora, mas a participação do salário na renda nacional não se altera significativamente. Segundo dados do IPEA, essa participação alcançou um pico de 50% no final dos anos 50, chegou a 35,2% em 1995 e caiu paulatinamente durante o governo Fernando Henrique Cardoso, até o piso de 30,8% em 2004, recuperando-se de forma tímida sob Lula, para um patamar de 34% em 2010.
Quando se inicia a campanha eleitoral de 2010, o Brasil já havia retirado 29 milhões de pessoas da pobreza e Lula desfrutava de uma popularidade superior a 80%. A oposição, perdida entre dois discursos contraditórios—por um lado afirmar que o lulismo era uma mera continuação de Fernando Henrique, portanto desprovido de méritos próprios e, por outro, pintar o lulismo como responsável por corrupção e aparelhamento inéditos–, recorreu ao gorilismo e ao fundamentalismo religioso como estratégias desesperadas de campanha, incompatíveis até mesmo com a história de seu candidato. José Serra, afinal de contas, havia sido líder estudantil nos anos 60, fora ligado à Cepal nos anos 70 e, ao longo dos anos 80, vinculou-se à ala estatizante e desenvolvimentista do PMDB, não tendo qualquer histórico de aproximação com a extrema-direita e não sendo, ele mesmo, um homem de fé. A campanha, no entanto, foi de fanatismo religioso jamais visto nas eleições presidenciais brasileiras. A responsabilidade aqui cabe à coalizão liderada por José Serra, que tentou mobilizar, especialmente, o sentimento anti-aborto da maioria da população brasileira. Mas a coalizão liderada por Dilma Rousseff tampouco está isenta de culpa, na medida em que não politizou o debate e preferiu levar também sua candidata a uma peregrinação por igrejas, em vez de insistir no fato de que a única relevância do tema religioso numa eleição se limita à garantia de que o Estado manterá a liberdade de culto. Essa atitude terá o seu impacto no próprio governo iniciado em 01 de janeiro de 2011.
Dessa ofensiva religiosa desatada durante a campanha, as maiores vítimas durante o governo Dilma têm sido gays e lésbicas. Uma onda de ataques homofóbicos em todo o país, com espancamentos e mortes de gays, lésbicas, travestis e transsexuais, tem sido a tônica quase diária em 2011. O material didático anti-homofobia que seria adotado pelo governo federal nas escolas do país, depois de torpedeado pela bancada teocrata do Congresso, foi retirado de circulação pelo governo. Pior, a Presidenta deu uma lamentável entrevista em que afirmava que “o governo não permitirá propaganda de opção sexual”, como se nesta matéria lidássemos com “opção”, como se um material de conscientização acerca da homofobia fosse “propaganda” de orientação homossexual e como se, de qualquer forma, fazer propaganda de orientação sexual fosse possível ou efetivo. O Projeto de Lei 122, de autoria de Iara Bernardi, modificado por Fátima Cleide e relatado pelaSenadora Marta Suplicy (PT-SP), que tipifica o crime de discriminação por orientação sexual, tem sido bombardeado pela bancada teocrata com o argumento de que ele fere a “liberdade de culto”, e é visível o descompromisso do governo com sua defesa. Uma série de iniciativas de governos petistas, como o estadual do Acre e o municipal de Betim (MG), tem incluído a construção de Parques Gospel ou Batismais com verbas públicas, em flagrante contradição com a Constituição Federal. O país vive hoje uma perigosa ofensiva teocrata, em meio à qual não só gays e lésbicas, mas também os membros das religiões afro-brasileiras têm sido vítimas de constantes ataques físicos, morais e imobiliários das forças teocratas.
Talvez os dois mais significativos retrocessos de início de governo tenham se dado nas áreas de segurança pública e cultura. Naquela, a ruptura aconteceu aos 21 dias, com a demissão do Secretário Nacional de Política sobre Drogas, Pedro Abramovay, que simplesmente defendeu, numa entrevista a O Globo, a mais sensata das propostas: a possibilidade de penas alternativas a pequenos traficantes não violentos, conjugadas com outras políticas de prevenção e tratamento para viciados. Basta ler a entrevista para ver que Abramovay não defendeu nada que se assemelhasse a um “liberou geral”. O então Secretário, inclusive, enfatizou que, entre os extremos da “guerra contra as drogas” e a legalização, há um amplo leque de opções. Não foi cowboy o suficiente para o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo que, com o apoio da Presidenta Dilma, decepou-o antes que ele completasse um mês no novo governo. Dali em diante, o Brasil só reforçou seu descompasso com outros países, como Portugal e Argentina, que têm experimentado políticas mais inclusivas e inteligentes, menos histéricas, proibicionistas e militarizadas para o problema das drogas. Não há horizonte de avanços nesta questão, e a visão escolhida pela Presidenta Dilma parece ser uma réplica da estratégia fracassada do Partido Democrata dos EUA na questão da segurança: tentar parecer mais cowboy, proibicionista e linha dura que a própria direita. É exatamente o que o Brasil, cuja população carcerária triplicou entre 1995 e 2010 e já é maior que capitais como Aracaju ou Cuiabá, não precisa.
No caso do Ministério da Cultura, a ruptura foi ainda mais visível e abrupta. Um dos traços inegáveis da gestão de Gilberto Gil e, depois, de Juca Ferreira, havia sido retirar a discussão acerca de qual conteúdo privilegiar–debate histórico da esquerda brasileira—e enfocar-se na criação de condições políticas, econômicas e jurídicas para a circulação de cultura produzida pelos próprios sujeitos populares, independente de seu conteúdo. O apoio ao modelo Creative Commons de compartilhamento e ao software livre, iniciativas como a Casa de Cultura de Digital e, muito especialmente, os Pontos de Cultura revolucionaram a relação entre Estado e cultura. O MinC Gil/Juca rompe com outro velho dogma da esquerda: trata a produção cultural em diálogo com as novas tecnologias, sem demonizá-las. Entende que não é possível pensar uma política cultural de esquerda sem uma compreensão renovada do papel do audiovisual, da internet, das novas técnicas de reprodutibilidade digital. Entende também que não é papel do Estado estabelecer distinções entre a cultura que seria autenticamente brasileira e aquela que não o seria. Nesse sentido, foi o primeiro ministério da cultura do país que incorporou as lições do tropicalismo. Além disso, o MinC Gil / Juca abandona de vez o dirigismo tradicional da esquerda e, ao invés de trabalhar com a ideia de “levar” cultura à sociedade, estabelece a concepção de que a cultura já está sendo produzida pelos sujeitos sociais. O que há que se fazer é criar teias, redes, possibilidades de circulação. O MinC Gil / Juca também questiona o terreno reservado à cultura como adorno beletrístico e passa a colocar em xeque os seus sustentáculos econômicos — daí o projeto de revisão da lei de direitos autorais, que se choca diretamente com os interesses do lobby das patentes e da propriedade intelectual. Com uma multiplicidade de fóruns, consultas públicas, congressos e encontros, o Ministério gera uma massa crítica que se sente cada vez mais incluída, cada vez mais agente do movimento vivo da política cultural.
Na transição para o governo Dilma, através de canais do próprio PT, se articulam os setores hegemônicos da cultura que haviam sido preteridos pela revolução Gil / Juca: membros da chamada “classe artística” (metonímia que designa, nestes debates, a indústria fono-cinematográfico-teatral do Rio de Janeiro e de São Paulo, descolocada por uma concepção nova, antropológica de cultura), apparatchiks da máquina burocrática do PT e a indústria do copyright e da propriedade intelectual, que teve seus interesses contrariados na gestão anterior. Esses setores convergem em torno do nome de Ana de Hollanda, cantora e compositora que, como figura pública, até então era inexpressiva. Houve articuladores de seu nome que contaram com isso para aceder depois ao cargo. Isso acabou não acontecendo (pelo menos até agora) e o MinC imediatamente se lançou à desmontagem do legado de Gil / Juca. O projeto de flexibilização dos direitos autorais, que havia passado por seis anos de debate no governo Lula, recebido mais de 7500 contribuições e sido tema de dezenas de reuniões e seminários em todo o país, foi abortado. A licença Creative Commons no site do Ministério, um gesto simbólico de profunda importância da gestão anterior, foi substituída pela marca do copyright. O ECAD, a malfadada agência arrecadadora de direitos autorais que atua com total impunidade e falta de transparência, exercendo poder draconiano sobre a execução de canções até em festas de aniversário e consultórios de dentista, passou a ter peso significativo no Ministério, e o objetivo de regulá-la, já encaminhado na gestão Gil / Juca, ficou cada vez mais longínquo. Um dos maiores especialistas em direitos autorais do Brasil, Marcos Souza, foi demitido da Diretoria de Direitos Intelectuais e substituído por uma advogada ligada ao lobby da propriedade intelectual, Marcia Barbosa. No Ministério da Cultura, o quadro é de espantoso retrocesso.
Mas nenhuma área emblematiza tão dramaticamente o contraste entre o ideário original do PT e o plano do governo Dilma como o trato à Amazônia. É verdade que aqui há muito mais continuidade que nos outros dois exemplos. Pese à atuação de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, entre 2003 e 2008, anos durante os quais se conseguiu uma redução significativa no desmatamento, já em 2005, com a chegada de Dilma Rousseff à Casa Civil, se consolidava no governo a concepção desenvolvimentista no trato com a Amazônia. É dessa data, e de responsabilidade de Dilma, a ressurreição do mais polêmico e devastador projeto da atualidade no Brasil, a usina hidrelétrica de Belo Monte, uma mega-barragem no Rio Xingu que foi inicialmente concebida em 1975, pela ditadura militar. Tomada como questão de honra pela Presidenta, que se recusa a ouvir indígenas, lavradores e ribeirinhos afetados, a obra foi inicialmente orçada em R$ 4,5 bilhões. Hoje, ela já se encontra oficialmente em R$ 26 bilhões, com estimativas de que não sairá por menos de R$ 32 bilhões, 80% dos quais é dinheiro público. A implantação do projeto tem sido marcada por irregularidades jurídicas, com dispensas de licitação legal, ausência de oitivas às populações indígenas afetadas, condicionantes ambientais não cumpridas, bizarras jaboticabas não existentes no marco regulatório (como a “licença parcial” e a “licença temporária) e intensas pressões sobre o Ibama, que levaram, inclusive, ao pedido de demissão de seu Presidente, Abelardo Bayma Azevedo, para a nomeação de um substituto mais dócil ao projeto, Curt Trennepohl.
Uma enorme bibliografia escrita por especialistas em energia, como Oswaldo Sevá, da UNICAMP, que estuda o projeto há 23 anos, Procuradores da República, como Felício Pontes Jr., do Ministério Público Federal no Pará, antropólogos do quilate de Eduardo Viveiros de Castro e jornalistas e lideranças populares da região já demonstrou que a grande beneficiária do projeto não é a população brasileira, mas a indústria do alumínio; que haverá extinção ou diminuição expressiva de espécies de peixes no Xingu, causando insegurança alimentar para os indígenas, ribeirinhos, extrativistas e trabalhadores rurais da região; que a majestosa Volta Grande vai secar; que os povos navegadores e pescadores da região terão suas vidas tragicamente afetadas. Todos os estudos demonstram que os Juruna, da Comunidade Paquiçamba, estavam corretos quando previram, dez anos atrás: “vamos ficar sem recursos de transporte, pois onde vivemos vamos ser prejudicados porque a água do Rio vai diminuir, como a caça, vai aumentar a praga de carapanã com a baixa do Rio, aumentando o número de malária, também a floresta vai sentir muito com o problema da seca e a mudança dos cursos dos rios e igarapés”. Altamira já vive hoje uma situação caótica, de migração descontrolada e aumento significativo das taxas de criminalidade, incluindo-se abundante violência sexual contra crianças.
Sabendo-se que o atual paradigma de formação de superávit comercial às custas da expansão da fronteira agrícola é concentrador e, a medio prazo, insustentável e suicida, como articular a urgente mensagem ambiental num contexto em que o ufanismo do “Brasil potência” a torna particularmente impopular? Quem será capaz de articular pontes entre o ambientalismo e o combate à desigualdade social, de tal forma que a nova Classe C seja permeável à urgente mensagem de que fazer hidrelétricas e exportar soja até a água e o solo acabarem não é exatamente um bom plano? Como fazer o balanço de um momento histórico em que o PT parece ter perdido em definitivo o compromisso com os movimentos sociais mais independentes na defesa dos pobres, levando de roldão uma militância já convertida em apparatchiks em visível processo de fanatização? Como conter o assustador avanço teocrata se um governo supostamente de esquerda faz a ele todas as concessões possíveis? Como elaborar uma política de genuíno respeito e carinho pela Amazônia em meio a tantas violências cometidas contra ela, com a ação e/ou a cumplicidade do governo? Não seria este o momento ideal para se questionar a mitologia do “Brasil potência” que emerge e ouvir, por exemplo, a mensagem do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em favor de um modelo de sociedade menos predatório, menos arrogante, menos grandioso mas, no fundo, mais feliz? Tenho a convicção de que sim, embora tenha também a suspeita de que não vai acontecer."
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Ficção e memória na encruzilhada do tempo

22 setembro 2014

"MARINA, ESQUERDA FESTIVA E TROPICALISMOS
Estava demorando. Fui chamado de "esquerda festiva" por apoiar Marina. Por me colocar ao lado de "liberais pós-esquerda" como Gil ou Caetano.
Gostaria de responder com algumas considerações sobre a atualidade do tropicalismo:
1) Acolho a expressão com o maior prazer. Sou de fato uma pessoa que se percebe à esquerda e se percebe festiva.
2) "Esquerda festiva" foi uma pecha atribuída pela esquerda nacionalista dos anos 1960 aos tropicalistas (Gil, Caetano, Oiticica, Gal, Sganzerla, Tom Zé). Embutia a acusação de irresponsabilidade política, voluntarismo, exibicionismo individualista, de convidar ao desbunde e à ego-trip em meio à barbárie da ditadura. A Tropicália era acusada de esfumar a luta de classe numa pós-história antecipada, compactuando com o mercado mundial e as indústrias culturais do imperialismo ianque.
3) No cenário pós-golpe de 64, a esquerda brasileira passava por um processo de repensamento de métodos, conceitos e referências, o que se exprimiu intensamente no cinema, na música, nas artes plásticas e no teatro. Tal situação de impasse agônico foi bem exprimida por Glauber em "Terra em Transe" (1967), filme de crítica feroz às certezas ideológicas e ao modelo de militância de uma geração, alegorizando o desconjuntamento nacional de que os velhos esquemas não tinham como dar conta.
4) A Tropicália responde à dolorosa provocação glauberiana com um gesto deliberadamente profanador. Profanam-se as totalizações teleológicas do progresso em direção ao "Brasil do futuro", bem como as adesões automáticas às dicotomias entre popular/erudito, massas/intelectual, primeiro/terceiro mundo, estado/mercado, entre outras. Profana-se, além disso, certo esquerdismo antiamericano que, -- desbordando da correta crítica do envolvimento do governo daquele país na ditadura, -- enxergava signos de dominação cultural em qualquer coisa associada aos EUA: da guitarra elétrica à Coca Cola, dos beatniks ao cinema de um Hitchcock ou Nicholas Ray (embora esse mesmo nacionalismo não via tantos problemas num afrancesamento esclarecido).
5) Ao contrário de leituras apressadas, contudo, o tropicalismo NÃO foi uma ruptura com a esquerda e não se desapegou totalmente do nacional-popular. O próprio Caetano, talvez a figura mais ambígua a esse respeito, não cansa de reconhecer as filiações com Dorival Caymmi e João Gilberto, nem de reiterar seu compromisso com a luta contra a desigualdade, a miséria e a dominação de classe. Se "Terra em transe" mergulha a discussão das resistências numa atoleiro de aporias, o tropicalismo anuncia novas possibilidades.
6) Em vez daquelas cartilhas de conscientização de massas, da ortodoxia do progresso econômico e da militância-partidão, se sondam energias libertadoras noutros lugares (no consumo, no pop, na favela, na africanidade, no entretenimento, na sexualidade, na antropologia, no misticismo): em suma, num "popular" renovado, doravante reencontrado em meio à massificação do consumo e a geleia geral do kitsch, a seguir exprimido num caldeamento estético e político de ícones e signos. Em vez do anti-imperialismo banal, a antropofagia, a remixagem, a globalização como potência. Em vez de negar o mercado, reconstruir uma mitologia dos mass media, na linha de um Andy Warhol ou Godard.
7) Noutras palavras, o tropicalismo foi um gesto afirmativo de renovação, tanto da esquerda quanto do conceito de povo, do "nacional-popular". Propôs-se a orientar um movimento afinado com as transformações por que passavam o Brasil e o mundo. Sim, porque o tropicalismo desde o início se viu como novo e como movimento. Os tropicalistas em geral não se desobrigaram dos desafios, --- como sugeriu Roberto Schwarz recentemente a respeito de "Verdade tropical", autobiografia de formação por Caetano, numa resenha em que o uspiano mal consegue disfarçar o fascínio, embora não deixe de prestar contas às bancadas veteromarxistas nalguns parágrafos. Mas a Tropicália não era alienação histórica nem desobrigação ética: era antes a construção de uma inocência, no sentido positivo que Nietzsche lhe atribui. Reduzi-la à esquerda festiva e vira-casaca denota, precisamente, o quão pertinente esse movimento era, num período-chave de rediscussão de rumos da esquerda.
Hoje, quase 50 anos depois da Tropicália, só posso sorrir comigo mesmo quando, ao apoiar Marina, sou chamado de esquerda festiva. Porque do outro lado vejo uma campanha túrgida que caricaturiza a luta de classe, com uma candidata que prefere engenheiros a advogados, que desmerece aulas de filosofia ou sociologia, e que sonha o sonho dos nacional-crescimentistas, com certa ideia de progresso e de povo, sempre e sempre compulsiva por indicadores econômicos e tabelas estatísticas. Enxergo um governo que desmontou as políticas do "do-in antropológico", como os Pontos de Cultura, do Ministério da Cultura com Gilberto Gil (2003-08), desmontado a partir da gestão de Ana de Hollanda. De uma candidata em cujo recente comício, no Rio de Janeiro, apresentou à plateia (rigorosamente isso: "plateia") de artistas e intelectuais uma visão de cultura com pouca sensibilidade: vamos pegar os bilhões do Pré-Sal, plantá-los na cultura e depois colher o crescimento do PIB. Um esquema que, trocando cultura por agronegócio, não mudaria muito. É essa a sensibilidade.
Então a esquerda festiva do tropicalismo não poderia ser mais oportuna para qualificar o debate. E que tal revisitarmos "Terra em transe" para 2014?"

Bruno Cava - Facebook

Sobre a dificuldade de ler - Giorgio Agamben

"Cada um de vocês deve ter feito experiência daqueles momentos em que gostaríamos de ler, mas não conseguimos, em que nos obstinamos folhando as páginas de um livro, mas ele literalmente cai das mãos.

Nos tratados sobre a vida dos monges, isso era, por excelência, o risco ao qual o monge sucumbia: a acídia, o demônio meridiano, a tentação mais terrível que ameaçava os homines religiosi, manifesta-se, antes de tudo, com a impossibilidade de ler. Gostaria de sugerir-lhes prestar atenção nos seus momentos de não leitura e de opacidade, quando o livro do mundo cai de suas mãos, pois a impossibilidade de ler lhes diz respeito tanto quanto a leitura, e, talvez, é tão ou mais instrutiva do que esta.

Há uma primeira e mais radical impossibilidade de ler que, até não muitos anos, era extremamente comum. Refiro-me aos analfabetos, esses homens muito rapidamente esquecidos que há apenas cento e cinquenta anos eram, ao menos na Itália, a maioria. Um grande poeta espanhol do século XX dedicou um livro de poesias ao analfabeto, por quien yo escribo. É importante compreender o sentido desse “para”[1]: não tanto, ou não somente, “para que o analfabeto me leia”, visto que, por definição, não poderá fazê-lo, quanto “no seu lugar”, como Primo Levi dizia testemunhar por aqueles que no jargão de Auschwitz chamavam-se os muçulmanos, isto é, aqueles que não podiam nem teriam podido testemunhar, pois, pouco depois de seu ingresso no campo, tinham perdido toda consciência e toda sensibilidade.

Gostaria que vocês refletissem sobre o estatuto especial desse livro que, na sua essência, é destinado a olhos que não o podem ler e foi escrito por uma mão que, em certo sentido, não sabe escrever. O poeta ou o escritor que escrevem para o analfabeto tentam escrever aquilo que não pode ser lido, colocam no papel o ilegível. Mas, exatamente por isso, tornam a sua escritura mais interessante do que a que foi escrita somente para quem sabe ler.

Há pois um outro caso de não leitura a respeito do qual gostaria de lhes falar. Refiro-me aos livros que não encontraram aquilo que Benjamin chamava a hora da sua legibilidade, que foram escritos e publicados mas estão – talvez para sempre – à espera de ser lidos. Conheço, e cada um de vocês, penso, poderia nomear alguns, livros que mereciam ser lidos e não o foram, ou foram lidos por muito poucos leitores. Qual é o estatuto desses livros? Penso que, se esses livros eram verdadeiramente bons, não se deve falar de uma espera, mas de uma exigência. Esses livros não esperam, mas exigem ser lidos, mesmo se não o foram e se jamais o serão. A exigência é um conceito muito interessante que não se refere à esfera dos fatos, mas a uma esfera superior e mais decisiva, cuja natureza deixo a cada um de vocês especificar.

Mas agora gostaria de dar um conselho aos editores e àqueles que se ocupam de livros: deixem de olhar para os infames – sim, infames são classificados os livros mais vendidos e, presume-se, mais lidos – e, por sua vez, tentem construir na sua mente uma classificação dos livros que exigem ser lidos. Somente uma editora fundada sobre essa classificação mental poderia fazer sair o livro da crise que – ao menos pelo que ouço dizer e repetir – está atravessando."

21 setembro 2014

Filhos de desaparecidos da ditadura argentina resgatam passado através da literatura

Geração de escritoras e escritores narra anos de violência e repressão através de seus pontos de vista. Link: aqui

O que se pode entender por Gaia?

"O nome vem da denominação de povos antigos ao ente feminino que rege os elementos da natureza na Terra. O conceito científico inspirado por tal nome é descrito em uma teoria reveladora de um planeta complexo e autorregulado, com a participaçao ativa (e maciça) dos seres vivos na miríade de processos interconectados, geradores de bem-estar e equilíbrio no habitat. A teoria de Gaia em seu início era apenas uma hipótese, derivada da percepção de James Lovelock e Lynn Margulis de que as condições encontradas na Terra se desviavam muito do que seria de se esperar se forças puramente geofisicas e geoquimicas agissem sozinhas ao longo de bilhões de anos, como ocorre nos demais corpos celestes cujas condições de superfície são conhecidas. Algo na Terra era responsável por tais desvios, que a tornavam amena e favorável à vida. A hipótese de Gaia sugeriu que a própria vida era esse algo a mais na Terra, capaz de reagir ativamente às flutuações cataclísmicas de origem interna ou cósmicas, regulando o ambiente de superfície e o otimizando para favorecer seu próprio desenvolvimento. Quatro décadas depois a hipótese já é respeitada como teoria, e o que antes era apenas sugestões lógicas, hoje acumulou extensiva base de observações e elaborações formais que lhe dão suporte. Tal teoria propõe e demonstra como a biosfera, o conjunto de todos os seres vivos da Terra, interferem de maneira reguladora no funcionamento do Sistema Terrestre, através da manipulação não arbitrária dos fluxos de matéria e energia."

Antônio Nobre

link: aqui
"Só podemos tentar recuperar o ecossistema da catástrofe chamada Antropoceno se estancarmos imediatamente o crescimento."