30 outubro 2016

"Eu gosto muito do Antonio Negri. A noção de "multidão" que ele sugere, junto com Michael Hardt, em oposição à ideia de "povo" e "populacho", foi uma das coisas mais bonitas que já li em âmbito teórico. Basicamente a ideia central e a seguinte: "povo" trás uma imagem de unidade que reduz as diferenças e as identidades, aproximando-se mais da noção de classe operária do século XIX e XX. Para eles, movimentos de minorias, como o movimento feminista e o movimento negro, impulsionaram outras demandas de identidade que provocam rachaduras nas concepções unas de "povo", bem como a configuração atual do trabalho em contexto pós-moderno, a ascensão do trabalho imaterial, sao fatores que colaboram para a redefinição dessas posições de luta. A "multidão", portanto, contemplaria as vozes que não fazem necessariamente parte das dinâmicas da classe operária, mas também aqueles excluídos do processo de reprodução, reunindo aqueles com potencial de resistir à dominação do capital(Para ler mais veja o capítulo "Classes perigosas" no livro "Multidão").
E ai, não sei como, rola um puta chiado de recepção quando vejo a galerinha de esquerda USP cadê-o-debate-de-classe que vai ver o Negri mas insiste em repetir o mantra do menosprezo dos debates de gênero e raça em prol da homogeneizante ideia de classe que poderia muito bem ser substituída pelo discurso de unidade por um "povo" que o Negri e Hardt se referem...não entendo mesmo. Ou eu sou burra demais para as grandes questões marxistas..."

Bianca Gonçalves
"É necessário reconhecer: fomos derrotados! Não adianta esbravejar contra injustiças. Vociferar o tempo todo obedece à lógica do sintoma: uma compulsão à repetição no compartilhamento de matérias. Essa espécie de denúncia por compartilhamento acaba concedendo uma forma sempre igual aos mais terríveis acontecimentos. E a FORMA não é algo trivial - ela é parte essencial do pensamento. Nessa forma sempre igual, vamos naturalizando a barbárie, tornando-a rotineira, usual. Nossas forças vão minguando com a avalanche diária de notícias absurdas que passam diante dos olhos. A esteira do facebook opera como a esteira de fábrica, e os posts passam a se equiparar. Levamos choques, curtimos alguns posts, reagimos rapidamente a outros, mas ficamos aqui, amarrados nesse labirinto infindável de notícias, sem que consigamos carregar muito desse mundo para outros lugares. Quando conseguimos materializar nossa indignação, despertada por algo grave, isso parece ser efêmero - logo aparece outra coisa terrível para substituir a anterior. E assim caminhamos entre os escombros que passam a se equivaler no rodar dessa engrenagem.
Em suma: vou sair por algumas semanas - ganhar forças em outros lugares para lutar de outras formas. As minhas denúncias e lamentos diários e os da minha TL não têm me levado muito longe nesses últimos tempos.
Adorei as mensagens de aniversário - também recebemos coisas muito boas nesse lugar: o encontro inesperado com pessoas muito especiais.
Até breve!"

Alessandra Martins 

28 outubro 2016

"Se você é trans aliado e usa palavras como "individualismo", "liberalismo" e "materialismo" com o mesmo sentido que o discurso radfem emprega, certamente teremos aí um problema ou no mínimo uma questão para ser revista a nível teórico.
Vamos a um exemplo muito comum: dizer coisas do tipo "não binaridade não tem materialidade"; "x não é muito material" ou "y faltou materialidade" não faz o menor sentido a partir de um ponto de vista efetivamente materialista. Materialismo é uma perspectiva teórica a qual você se filia ou não; materialismo não reside sobre uma qualidade a qual certos objetos possuem ou não. Se você quer ser materialista o enunciado correto seria: "me proponho a pensar a não binaridade a partir de uma perspectiva materialista". Numa perspectiva materialista todos os objetos de análise são materiais.
Outro exemplo: lutar para que a expressão de gênero dos sujeitos não implique em violência individual - ou seja, para que os indivíduos de fato tenham mais liberdade individual - NÃO é uma luta liberal ou individualista necessariamente. É possível lutar para que a expressão de gênero seja respeitada por um viés de mercado - isso sim seria uma assimilação de lutas legítimas do movimento de resistência pelo capitalismo.
Surge, portanto, a partir de uma perspectiva materialista destas lutas, a necessidade em denunciar que o mercado não é capaz de fornecer liberdade e cidadania, pois a lógica que perpassa a inclusão pelo mercado é excludente (ou seja, a partir do momento em que você não tem $ você não é incluído). Mas simplesmente dizer que a luta contra a violência que perpassa o âmbito do indivíduo supostamente seria liberal ou individualista é um erro grosseiro, ainda mais quando estamos falando de questões de gênero e sexualidade; seria o mesmo que dizer que a luta pelo aborto é necessariamente liberal ou individualista porque se luta pelo direito ao próprio corpo.
Materialidade também NÃO é sinônimo de "concretude" no sentido de fixidez (já que o materialismo é dialético justamente pra mostrar que as coisas estão em constante transformação); materialidade também não é sinônimo do que nós achamos como "óbvio" ou "evidente". Vejam por exemplo que a materialidade de um objeto pode residir justamente no que desafia o senso comum sobre determinada coisa e no que não é possível de ser visto a primeira vista, digamos assim, como a mercadoria. As descrições sobre o fetichismo da mercadoria no sistema capitalista pela teoria marxista é um ótimo exemplo disto, já que a as relações sociais que produzem a mercadoria fazem ela parecer se tratar de uma pura troca de objetos entre sujeitos livres mediados por um valor de troca, sendo que o que a mercadoria faz é justamente "esconder" o seu processo de produção e o trabalho que é empregado em sua produção. Ou seja, a materialidade da mercadoria no sistema capitalista reside justamente nas relações que a produzem mas se camuflam no mesmo processo.
Então meus caros, se existe uma "materialidade do gênero" podem ter certeza que não se refere à obviedade e concretude de genitais, mas como o gênero se constitui numa relação social."


21 outubro 2016

"É muito importante perdoar e ser perdoado. Demorei pra entender o quanto isso tem nada a ver com o exercício de perdão que algum cristianismo me ensinou. O perdão é da natureza, então eu poderia entender o perdão dentro dos meus Deuses, que são natureza. O fenômeno de perdoar e ser perdoado é a própria vida seguindo o seu fluxo, como uma estação do ano se deixando substituir pouco a pouco por outra diante dos nossos olhos; como a certeza inquestionável de que os vendavais passam; como o degelo, o girino, o casulo, o amanhecer. Perdão é uma necessidade. Você não vai longe se não se liberta e não liberta o outro. Tem que desamarrar. Vai contra a natureza de todas as coisas não perdoar, vai contra a seiva que está em tudo e tem secura por caminho, por aventura, por transformações. Quem não desfaz mágoa está se implodindo. Parando, inventando um colapso, abandonando-se, intoxicando sua seiva, traindo sua natureza, desmatando seu ecossistema. Se tem uma coisa que o fenômeno da morte - que é quando a totalidade da vida pode ser finalmente percebida como tão passageira e frágil quanto qualquer fragmento dela - faz, com seu rodopio sobre nós, é ensinar sobre a vida. A ameaça da Morte é reveladora das muitas medicinas que desprezamos. Uma delas, uma das mais importantes, aquela que versa sobre a pequenez de tudo diante da Morte, para que nos curemos a tempo, a tempo de melhor viver, é a medicina do Perdão."

Maria Gabriela Saldanha 

18 outubro 2016

"Meu pai nadou até os 94 anos e eu nado todos os dias. Adoro estar embaixo d'água. (Quando nado), não me sinto cego, surdo, manco e com 81 anos. Só sinto o prazer de nadar. Temos de encontrar nosso jeito de nadar, aquilo que nos vem mais naturalmente e com alegria. Para cada pessoa, existe um equivalente ao nadar." 

Oliver Sacks 

16 outubro 2016

"No campo das artes visuais ainda espanta que críticos atribuam valores masculinos a determinadas formas plásticas e valores femininos a outras, no caso destas últimas, há nelas quase sempre algo que pode ser medido em termos de delicadeza, leveza, organicidade, acolhimento. Ao contrário do que parece, essa ideia acaba por ser reforçada no discurso que toma a criação formal como fenômeno "unissex" ou desprovido de gênero, de modo que artistas homens possam evidentemente produzir uma visualidade 'feminina' e vice-versa. O problema da nomeação continua ali presente, retornando e atravancando o caminho crítico. Seria apenas divertido se não fosse dramático porque revela o quão distante ainda estamos de uma perspectiva crítica capaz de incorporar o feminismo como uma dimensão reflexiva fundamental que, tal como sugeria Adrienne Rich há tantas décadas, incida sobre processos fundamentais de cognição, nomeação, descrição e valoração."

Laura Erber 

14 outubro 2016

SOBRE RELACIONAMENTOS ABUSIVOS - Daniele Lima


"Quando Sartre estava interessado em uma jovem aluna de Beauvoir, ele escreveu: "fazê-la me amar seria dominá-la, entrar no mundo dela e dominá-la de acordo com os meus próprios valores (...) se conseguisse fazê-la me amar, eu ficaria seguro de mim".
As relações abusivas são relações de poder, que são desiguais per se. Nelas, o que importa não é o afeto, mas a dominação do outro. No caso de Sartre, o objetivo era unicamente alimentar sua vaidade.
Para dominar, é preciso enfraquecer o outro (e, em uma sociedade patriarcal, o outro é sempre mulher). Esse processo de enfraquecimento acontece em duas vias que se imbricam e se reforçam:
a) internamente: a violência psicológica é usada para marcar o outro dentro de si mesmo, fazê-lo sentir diminuído, dependente, incapaz, louco. O indivíduo tem sua auto-imagem constantemente deformada. Por exemplo, dizer: "meus amigos te acham [um adjetivo depreciativo]". Aquilo que começa com um pequeno círculo de pessoas, logo passa a ser algo maior: "todo mundo te acha [adjetivo depreciativo]". Obviamente, essa violência psicológica faz com que, como o personagem de Pirandello, Vintagelo Morcada, se perca o referencial de si mesmo. O objetivo do abusador é deformar e determinar a autoimagem daquele que é relegado à condição de outro. Enfraquecido, ou melhor, enfraquecida, sem reconhecer quem é, se perdendo de si mesma, o processo de dominação se estabelece naquilo que há de mais fundo e mais delicado: outra verdade se delimita no espelho;
b) externamente: o abusador tanto investe em cortar os laços afetivos com aqueles que podem fazer com que uma mulher se lembre de quem é, com aqueles que possam oferecer outro olhar, outros espelhos, como a família, os amigos. Por outro lado, tenta estabelecer fazer com que aqueles que estão externos ao relacionamento percebam a mulher como exagerada, louca, histérica, para que aquilo que ela diz seja invalidado. Assim, os pedidos de ajuda são constantemente silenciados.
É uma tentativa de controlar tanto a imagem que uma mulher tem de si mesma, como controlar a imagem que os outros têm dela. O esfacelamento da autoimagem faz com que nos sintamos tão inferiores (e aqui eu me coloco), que qualquer pequena atenção ou afeto do abusador parece um enorme privilégio.
Quebrar esse espelho internalizado dói, até porque, com todos os laços (internos e externos) desfeitos, parece que a única pessoa que resta é o abusador. Esse é o círculo que precisa ser rompido.
Sartre dizia que “adorava mulheres afogadas”, trêmulas e hesitantes. Para sair da água, pode-se aprender a nadar e/ou segurar outras mãos.
Não são poucas as mãos nas margens."

08 outubro 2016

ANJOS E DEMÔNIOS: ESQUERDA E TEOLOGIA DO DOMÍNIO


“Não deis lugar ao diabo.” (Efésios 5:27)
A máfia do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, ex-Ministro da Dilma e apadrinhado de Lula, espalhou-se também pela África. Por lá igualmente roubaram de miseráveis, mercanciaram falsos milagres, amuletos mágicos e azeites abençoados a preço de ouro, abocanharam dízimos e criaram uma rede de assistência baseada na aniquilação do senso crítico e na demonização de eventos materiais plenamente explicáveis enquanto tal, como a miséria e o desemprego.
A organização de Edir Macedo e de Crivella já foi perseguida por charlatanismo, curandeirismo, estelionato, lavagem de dinheiro e fraude eleitoral, inclusive nos Estados Unidos. Já na França, a prefeitura de Paris proibiu a instalação de uma Igreja Universal com base em uma lei que bane a proliferação de “seitas” pela República. Crivella gaba-se de ter sido missionário na África. Mas sabem o que impulsionou a Igreja Universal pela África? As missões da Odebrecht e as negociatas do PT lá naquele continente. O mesmo PT que, falando de "golpe", era apoiado pelo PSOL e as empreiteiras da Lava Jato. Talvez esse seja o mais degradante legado do lulopetismo: a afirmação da Igreja Universal como um autêntico partido de massas, capaz de difundir uma variante totalitária do mais sórdido Sionismo Cristão (a respeito disso, reparem nos trajes de rabino do “bispo” Macedo na inauguração do Templo de Salomão ou procurem ainda saber das viagens de Crivella e de Jean Wyllis a Israel).
Testemunhamos a difusão silenciosa de uma genuína onda CRIPTOTEOLÓGICA, sedimentada no escamoteamento de preceitos fundamentalistas difundidos por inúmeras práticas da fisiologia partidária que prosperou sob o simulacro de bandeirolas tíbias, românticas e confusas, amealhadas inclusive da sucata legada pelo colapso do socialismo real, algo que foi até mesmo capaz de abandonar a histórica defesa da Palestina. Refém de uma versão liberaloide e norte-americanizada do multiculturalismo, a esquerda “humanista” preocupa-se muito com a “diversidade” dos Direitos Humanos individuais e enfrenta apenas de modo lateral o cerne da DESIGUALDADE dos Direitos Sociais. Acredito, porém, que a raiz disso seja mais funda do que a simples colonização de um imaginário mediocrizado, por isso peço licença para uma rápida digressão no campo da Sociologia das Religiões.
No PT, o catolicismo heterodoxo da Teologia da Libertação abriu as portas para a Teologia da Prosperidade de Edir Macedo. Certamente, muitos já ouviram falar dessa TEOLOGIA DA PROSPERIDADE, interpretação mística segundo a qual a graça atinge o fiel na forma de bens materiais obtidos miraculosamente como o contra-dom de uma “oferta” realizada à Igreja na forma de dízimos e doações “espontâneas”. Essa Teologia da Prosperidade velozmente foi ao encontro do programa lulopetista da cidadania pelo consumo: superendividamento das classes populares pelo crédito no varejo, provocando o “boom” dos carnês das Casas Bahia, do Ponto Frio e até do “dizimista fiel”. E ainda tem muito ingênuo que acredita que isso seja apenas uma espécie de Max Weber à brasileira: ética protestante e espírito do capitalismo. Entretanto, pouca gente sabe que essa Teologia da Prosperidade deriva de uma doutrina bem mais complexa e radical, a TEOLOGIA DO DOMÍNIO, também conhecida como TEOLOGIA DO REINO ou ainda DOUTRINA DA BATALHA ESPIRITUAL. Segundo essa TEOLOGIA DO DOMÍNIO, existe um enfrentamento terreno do demônio em diversos espaços sociais concretos, que devem ser a qualquer custo ocupados por fiéis capazes de anular idolatrias, combater misticismos pagãos, desfazer maldições hereditárias e até realizar exorcismos. É essa Teologia do Domínio que explica o vício das drogas como uma intervenção direta de Satanás sobre a vida das pessoas. Mas é a Teologia da Prosperidade que de bom grado aceita todas as alianças e silêncios, como aquele sobre o “traficante crente e empreendedor”, meio para um fim maior almejado pela Teologia do Domínio: o triunfo definitivo sobre os espaços políticos e comunitários.
Originada da formação que Edir Macedo e outros receberam do pastor Kenneth Hagin nos Estados Unidos, a TEOLOGIA DO DOMÍNIO representa um alarmante recuo obscurantista: ela instala o medo do demônio no lugar da convicção racional, estimulando o fundamentalismo na intolerância violenta à variedade religiosa, tornando-se subreptícia em sua capacidade de dissimulação e, inclusive, promovendo o epistemicídio e a explícita satanização das matrizes afroascendentes que constituem grande parte de nossa riqueza cultural como povo. Reunindo o consumismo material ao temor espiritual do Diabo, eis a natureza pérfida dessa força política que se proliferou sob as bênçãos do lulopetismo e do silêncio obsequioso dos seus agregados e beneficiários.
Infelizmente, nada disso foi detectado a tempo pela oposição a Crivella, há bem pouco apoiado pelo PT e seus partidos satélites, dentre os quais o próprio PSOL, implicado no discurso paranoide do “golpe de Estado”. Assim, os votos que Freixo precisaria não serão alcançados com esse discurso “participativista” ou, menos ainda, com a sua fala contra o povo como “rebanho” – certamente o maior orgulho de qualquer cristão congregado, o de ser uma boa ovelha. Talvez essas palavras até empolguem uma esquerda folclórica e em grande parte integrada por jovens de boa-fé recém politizados pela onda das redes sociais. Porém, esse discurso da “cogestão” e da “participação”, originário lá da minha Porto Alegre e fetichizado por sucessivas edições do Fórum Social Mundial, jamais mostrou-se efetivamente capaz de fazer frente ao drama da ineficiência dos serviços públicos. A razão é simples: vivemos em um mundo de esferas altamente especializadas e no qual ninguém mais suporta comparecer a reuniões. Sobretudo àquelas inconcludentes e sem efetivo poder de decisão, as quais rapidamente se tornam teatro de grotescas manipulações e deprimentes personalismos de atravessadores comissionados. Ademais, essa democracia “participativa” não é direta, mas representativa, pois vive de delegados que cedo pretenderão se tornar vereadores e deputados. Seria preciso então recordar que os princípios que explicam o funcionamento da democracia contemporânea são a procedimentalização, a delegação e a eficiência do serviço fiscalizado – não a participação.
Associado ao PCdoB e à esquizofrenia propagandística do “golpe”, o PSOL poderá perder as eleições porque jamais disputou corações e mentes dos setores populares, confundindo a bolha das redes sociais com a própria sociedade. Ledo engano. Na prática, o Facebook e o Twitter são nada diante da efetividade capilar (rizomática, caso queiram) das Teologias do Domínio e da Prosperidade. Exatamente por isso, acredito que este seja o momento propício para o VOTO INÚTIL: para um recolhimento e uma reflexão profunda sobre a estrutura de postulados e conceitos que varreram o velho e bom materialismo crítico dos sistemas explicativos e dos programas políticos mais arrojados. É o instante de se abandonar de vez a lengalenga messiânica da utopia e de se implementar uma prática da LUTOPIA, pois, enquanto não morrer, esse zumbi da esquerda será o avatar de uma força moribunda e lamuriosa, fundada na glorificação de heroísmos duvidosos e na incapacidade moral da autocrítica, o que a aproxima perigosamente do mesmo pensamento religioso que haveria de combater com as armas do Esclarecimento. Fica registrada aqui a minha crítica a todos que, ativamente, por adesismo ou por mera preguiça mental, fizeram parte disso.


Marcus Fabiano

06 outubro 2016

Por que tietagem é predominantemente associada a mulheres?


Porque historicamente somos invisibilizadas. É uma forma indireta de participar da experiência masculina com os holofotes, sobretudo por meio do interesse sexual. Como se a nossa objetificação pudesse comprar um poder ao qual não temos acesso originalmente.


É isso que fazemos o tempo inteiro com cantores, atores, políticos e até com meia dúzia de esquerdomachos idiotas fofinhos que escrevem umas coisas legaizinhas no Facebook: nos secundarizamos. Colocamos nosso sexo à disposição. Afirmamos o poder deles sobre nós conforme idolatramos, não nos importanto que tipo de homem eles são no cotidiano, se são abusadores, se humilham mulheres com quem se relacionaram, se são pais ausentes, se exploram o trabalho dos outros, se estão envolvidos com esquemas sujos... Dia desses eu estava no show de uma banda de amigos e uma menina queria porque queria invadir o palco pra dançar com o vocalista, fez diversas manobras, expôs-se até não poder mais.
Eu sei que muitas vezes brincamos com figuras como Haddad, Molon, Freixo, Padre Fabio de Melo, que muitas vezes é apenas isso mesmo, brincadeira. Mas é bom não nos esquecermos de que são homens, de que exercem privilégios que lhes foram socialmente concedidos. Quantos desses vocês acreditam que se utilizam da fama para se divertir com a hierarquia de gênero? Quantos se gabam por existir uma fila de corpos femininos - porque a maioria só enxerga corpos - à disposição? Eu conheço um monte, um monte, UM MONTE. Somos um parque de diversões para eles. Nem precisa ser tão famoso para se achar no direito de tirar proveito sexual e emocional da fama em cima da nossa inferiorização. E nos julgamos mais poderosas porque nos entendemos "escolhidas". A ponto de, quando pipoca alguma denúncia sobre assédio, estupro, violência doméstica, nos dividirmos, passando pano para eles, concedendo-lhes o benefício da dúvida em detrimento da palavra feminina. Se eu denunciar uns três agora, você acreditará na minha palavra? Vai abrir mão da sua tietagem? Caso vocês flertem, vai deixar de dar mole? Vai abdicar de um jogo com alguém que tem algum poder, mas cujo caráter seja duvidoso? Ou vai fingir que nada aconteceu e se achar o máximo porque ele te quis?
Não somos especiais para esses caras, ok? Enquanto alimentarmos esse ciclo, cada uma será sempre mais uma. Pensei aí, puxe mentalmente quantos você conhece e até idolatra, principalmente os do baixo clero, aquele fulaninho que é liderança no grupo X que você frequenta, para o qual todas as mulheres perdem a linha. Procure saber e não se surpreenda se descobrir que se trata de um lixo de pessoa. Acho, só acho, que está na hora de pararmos de dar poder a essa indústria de galãs, de tirar visibilidade da nossa conta e servir como papinha para quem foi socializado para nos pisar."


Maria Gabriela Saldanha