11 abril 2015

"Entre as desditas brasileiras estão seus liberais. No Brasil, desgraçadamente, os liberais apoiaram a escravidão e a ditadura. Jamais compreenderam e abraçaram a matriz axiológica que formou a filosofia política com a qual, supostamente, identificam-se. Por isso, agem e pensam como falcões conservadores e autoritários. Em sua maioria, são contrários à legalização das drogas, abrem mão do respeito rigoroso aos direitos humanos, defendem a redução da idade de imputabilidade penal, aceitam atropelos das garantias individuais, subestimam a linguagem dos direitos, ridicularizam a linguagem politicamente correta, subestimam o racismo, a homofobia, a misoginia, as desigualdades de oportunidades com que a sociedade acolhe as crianças, condenando-as a repetir a sina subalterna dos pais. Não compreendem essas bandeiras progressistas cuja origem é liberal e burguesa, e remontam a 1789. De fato, os liberais brasileiros retiveram de sua tradição apenas o credo econômico, e mesmo assim o suspendiam quando lhes interessava a intervenção estatal, em seu benefício. Propagavam a livre iniciativa mas repudiavam o risco. No passado foi assim, e continua sendo. 

Ou seja, não há, salvo raríssimas exceções, liberais no Brasil. Vejam o caso do PSDB. O que restou do liberalismo social-democrata digno deste nome? O partido é o espelho do que critica e exibe uma pauta regressiva, além de reativa. Degradou-se numa variação do Dem-PFL e similares.
Qual é o partido liberal brasileiro, no sentido forte e pleno da palavra, capaz de postular equidade, compaixão e a agenda libertária, além das bandeiras estritamente econômicas? Acho engraçado os jovens liberais brasileiros ingressando na arena pública. Mais do mesmo, yuppies ignorantes da história do pensamento político, neo-conservadores inconscientes de si.

 Qual a implicação? A agenda libertária tem sido defendida, em boa parte, por partidos e segmentos neo-marxistas ou marxistas. Muito curioso. Marx escreveu contra os direitos humanos, que considerava mera expressão da ideologia burguesa. A tradição política marxista jamais identificou-se com as pautas libertárias e dos direitos humanos, na teoria, muito menos na prática. Há, portanto, aí, um lance de, digamos, oportunidade. Compreensível. Menos mal. Isso ajuda, é positivo, ainda que sempre haja o risco de que levem estas bandeiras para o gueto político. Entretanto, cabe a indagação: que futuro tem o compromisso desses atores políticos com esta pauta? Qual a consistência histórica deste engajamento? Que implicações haverá para os movimentos libertários e dos direitos humanos?
Assim, entende-se a encrenca nacional. Os liberais são anti-liberais. Os marxistas os substituem e erguem suas bandeiras, provisoriamente. Os ativistas libertários estão, em certa medida, perdidos, sem bússola, transitando por mapas imaginários que não correspondem às cartografias político-ideológicas reais. Quem ganha com a confusão? Os conservadores de todas as estirpes. Os militantes dos direitos humanos precisamos conversar mais e em mais profundidade. Nossos encontros não podem continuar a ser apenas a proclamação auto-indulgente do que já sabemos."

via: Luiz Eduardo Soares

11 fevereiro 2015

A dialética do terror

Humoristas atingidos e as outras pessoas assassinadas em Paris não passaram de pretextos para os crimes

Alguém disse que os humanos são trágicos, não tristes. Mas as mortes de 17 pessoas, em Paris, entre os dias 7 e 9 deste mês, em circunstâncias trágicas, deixaram tristes os que aspiram a uma sociedade democrática.
Não há conjunção adversativa nem contextos históricos que relativizem a barbárie dos assassinatos cometidos. Uma infâmia, como certeiramente os qualificou Michel Lowy.
Na aparência demencial destes crimes, seria possível distinguir alguma lógica?
Desejar-se-ia punir o duvidoso humor dos que se divertiam com as referências sagradas da religião islâmica? Se fosse este o caso, as ações foram inócuas, pois este tipo de humor não começou ontem, nem acabará amanhã. Além disso, não foram somente os humoristas que perderam a vida: o guarda-costas de um deles, já ferido, também foi liquidado, sem contar alguns assassinados apenas por serem de origem judaica.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/a-dialetica-do-terror-15158388#ixzz3RT72DIMO
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08 fevereiro 2015

"Oppression", por Marilyn Frye, do livro "Politics of Reality: Essays on Feminist Theory".

"Opressão", por Marilyn Frye, do livro "Politicas da Realidades: Ensaios sobre Teoria Feminista."
É reivindicação fundamental do feminismo que mulheres são oprimidas. A palavra “opressão” é uma palavra forte. Ela repele e atrai. É perigosa e perigosamente ameaçada de extinção por estar na “moda”. E constantemente usada erroneamente, por vezes não por inocência.

A afirmação de que mulheres são oprimidas frequentemente bate de frente com a de que homens são oprimidos também. Nós ouvimos que a opressão é opressiva para aqueles que oprimem tanto quanto para aqueles que são oprimidos. Alguns homens citam como evidencia de sua opressão sua inabilidade para chorar. “Somos ensinados”, eles nos dizem, “a sermos masculinos”. Quando os estresses e frustrações de ser um homem são citados como evidencia que os opressores estão sendo oprimidos pela opressão, a palavra “opressão” está sendo então completamente esvaziada e perdendo seu sentido; é tratada como se fosse aplicável a toda e qualquer experiência humana de limitação ou sofrimento, não importa a causa, grau ou conseqüência. Uma vez que esse tipo de uso da palavra nos é imposto, parece que, se negamos que alguma pessoa ou grupo é oprimido, então pensamos que essa pessoa ou grupo nunca sofre ou não tem sentimentos. Nós somos acusadas de insensibilidade, até mesmo de fanatismo. Para mulheres essas acusações são especialmente intimidadoras, já que sensibilidade é uma das poucas virtudes tidas como femininas. Se nós somos taxadas de insensíveis, temos medo de não termos mais salvação, e de que talvez não sejamos mais mulheres de verdade. Somos silenciadas antes mesmo de começar: o nome de nossa situação é esvaziada de sentido e nossos mecanismos de culpa são ativados.
Mas isso não faz sentido. Seres humanos podem ser miseráveis sem serem oprimidos, e é perfeitamente consistente negar que uma pessoa ou grupo é oprimido sem negar que eles têm sentimentos e que eles sofrem. Nós precisamos pensar claramente sobre essa palavra “opressão”, e há muito mais atenuantes que vão contra esse tipo de uso arbitrário. Eu não quero ter que me ocupar de provar que mulheres são oprimidas (e que homens não são), mas eu quero deixar claro o que está sendo dito quando nós usamos essa palavra. Nós precisamos dessa palavra, desse conceito, e necessitamos que ele esteja bem afiado e definido.
I
A origem da palavra “opressão” é o elemento “pressão”. “A pressão da multidão; pressionado a entrar para o serviço militar; pressionar um par de calças; máquina impressora; pressionar o botão.” Pressões são usadas para moldar coisas, compactá-las ou reduzi-las a granel, por vezes espremendo para fora os gases ou líquidos dessa coisa. Algumas vezes pressão é o que está compreendido entre forças e barreiras que estão ligadas umas as outras e conjuntamente contem, restrigem ou impedem o movimento ou a mobilidade de alguma coisa. Molde. Imobilizar. Reduzir.
A experiência mundana dos oprimidos nos dá outra pista. Um dos mais característicos e ubíquos aspectos do mundo que é experimentado por pessoas oprimidas é o chamado “nó duplo”: situações nas quais nossas opções são reduzidas a muito poucas e todas elas vem com penas, censuras e depravações. Por exemplo, é constantemente demandado de nós, pessoas oprimidas, que sorriamos e sejamos simpáticas. Se nós concordamos, sinalizamos doçura e aquiescência. Então, obviamente, parece que está tudo bem e não há nada de errado com a situação na qual nos encontramos. Nós concordamos em sermos invisibilizadas, em não ocuparmos nosso espaço. Nós participamos de nosso próprio apagamento. Por outro lado, se escolhermos não obedecer, o menor sinal de descontentamento nos expõe a sermos percebidas como pessoas más, amarguradas, raivosas ou perigosas. Isso significa, pelo menos, que nós seremos tidas como “difíceis” ou “desagradáveis de se conviver com”, o que é o suficiente para custar nossas vidas; na pior das hipóteses ser vista como má, amargurada, raivosa ou perigosa resulta em estupro, prisão, espancamento e assassinato. Concluo que só nos resta escolher como preferimos ser aniquiladas.
Outro exemplo: é comum nos Estados Unidos que mulheres, especialmente mulheres mais novas, se encontrem num nó duplo no qual nem ser sexualmente ativa nem ser sexualmente inativa é ok. Se ela é heterossexualmente ativa, essa mulher está exposta a censura e punição por ser “sem princípios” ou uma “vadia”. A punição geralmente vem na forma de criticas ou falsos rótulos como “mulher fácil”, além de desprezo por parte de suas amigas mais contidas. Ela talvez tenha que mentir para esconder seu comportamento dos pais. Também terá que escolher entre os riscos de uma gravidez indesejada ou de perigosos contraceptivos. Por outro lado, se ela se refreia perante a atividade heterossexual, ela é constantemente assediada por homens que tentaram persuadi-la e pressiona-la a fazer sexo, mandando-a a “relaxar” e “ficar tranquila”; ela receberá rótulos como “frigida”, “nervosa”, “odiadora de homens”, “vaca” e “provocadora”. Os mesmos pais que estariam desaprovando sua atividade sexual agora estarão preocupados com sua inatividade porque isso sugere que ela não é ou não será popular, ou que não é sexualmente saudável. Ela provavelmente será acusada de lesbianismo. Se uma mulher é estuprada e até então era heterossexualmente ativa, ela será acusada de “ter gostado” (porque sua atividade demonstra que ela gosta de sexo) e se ela até então não era heterossexualmente ativa, será acusada de ter gostado (porque ela era supostamente “reprimida e frustrada”). Ambos tipos de sexualidade, ativa ou inativa, estão sujeitas a ser consideradas provas de que você queria ter sido estuprada e que, obviamente, aquilo não era um estupro de verdade. Você não pode vencer. Estamos todas num empacadas em nós duplos, presas entre opressões sistemáticas.
Mulheres são pegas dessa forma, também, por redes de forças e barreiras que as expõe a penas, perdas ou desprezo, quer elas trabalhem em casa ou não, quer elas estejam bem de saúde ou não, tenham crianças ou não, eduquem crianças ou não, casem ou não, permaneçam casadas ou não, sendo heterossexual, lésbicas, ambos ou nenhum. Necessidades econômicas, confinamento em trabalhos em guetos raciais e/ou sexuais; assédio sexual; discriminação sexual; pressões para atender a expectativas e julgamentos sobre mulheres, esposas e mães (na sociedade como um todo, em subculturas raciais e étnicas e na cabeça de cada uma); dependência (completa ou parcial) de seus maridos, parentes ou do Estado; compromisso com idéias políticas; lealdade a grupos raciais, étnicos ou de outras “minorias”; as demandas de respeito próprio e responsabilidade para com outros. Cada um desses fatores existe em completa tensão com todos os outros, nos penalizando ou nos proibindo toda vez que escolhemos por uma opção aparentemente disponivel. Sempre beliscando nossos calcanhares, claro, é um pacote infinito de pequenas coisas. Se uma mulher se veste de uma determinada forma, ela está sujeita a presumirem que essa forma pretende traduzir sua disponibilidade sexual; se uma mulher se veste de outra forma, está sujeita a ser julgada como “desleixada” ou “não feminina o suficiente”. Se uma mulher usa uma “linguagem forte”, será categorizada como uma “dama” – ela é delicadamente instituída para lidar com discursos robustos ou com as realidades as quais presumivelmente se refere.
A experiência de pessoas oprimidas é de que suas vidas são confinadas e moldadas por forças e barreiras que não são acidentais ou ocasionais e, por conseguinte, não evitáveis, mas são sistematicamente ligadas umas as outras de tal forma a pressionar indivíduos entre elas e restringi-los e penalizá-los de diferentes formas. É a experiência de ser enjaulado; todos os caminhos, todas as direções, estão bloqueados.
Jaulas. Considere a jaula de um passarinho. Se você olhar bem de perto para apenas um arame da jaula, você não consegue ver os outros. Se sua concepção do que está antes de você é determinada por esse foco míope, você poderia olhar para só um arame, pra cima e pra baixo de toda sua extensão, e ser incapaz de entender porque o passarinho não pode voar em volta do arame a qualquer momento e ir aonde ele quiser.  Além disso, mesmo que, algum dia, você miopiamente inspecione cada arame, você ainda não poderá ver porque o passarinho tem dificuldade de ir além dos arames e chegar a qualquer lugar. Não há qualquer propriedade física de qualquer um dos arames, nada que o mais próximo escrutínio possa descobrir que vá revelar porque o passarinho está inibido ou prejudicado por ela, com exceção de casos acidentais. É só quando você dá um passo atrás e para de olhar para os arames microscopicamente, e então enxerga macroscopicamente toda a gaiola, que você consegue entender porque o passarinho não vai a lugar algum; daí só vai levar um instante. Não requer nenhum grande poder mental. É perfeitamente obvio que o passarinho está rodeado por uma rede de barreiras sistemáticas, as quais nenhuma seria, sozinha, um impeditivo para esse passarinho voar, mas juntas, relacionadas umas as outras, são tão confinadoras quando as sólidas paredes de um calabouço.
Agora talvez seja possível compreender uma das razões pelas quais opressão pode ser difícil de ver e reconhecer: uma pessoa pode estudar os elementos de uma estrutura opressiva com grande dedicação e algum cuidado sem ver a estrutura como um todo, e, por tanto, sem ver ou ser capaz de entender que está olhando para uma gaiola e que há pessoas que estão enjauladas nela, pessoas cujos movimentos estão restritos, cujas vidas estão moldadas e reduzidas.
As limitações da visão microscópica rendem confusões comuns como a que diz respeito ao ritual masculino de “abrir as portas”. Esse ritual, que é extremamente difundido por todas as classes e raças, intriga muitas pessoas, algumas das quais o acham e algumas das quais não o acham ofensivo. Olhe para a cena de duas pessoas se aproximando de uma porta. O homem dá dois passos a frente e abre a porta. O homem segura a porta aberta enquanto a mulher passa. E só depois o homem passa. A porta fecha atrás deles. “Agora como”, eles inocentemente perguntam, “podem aquelas malucas daquelas mulheres libertárias dizerem que isso é opressivo? O homem removeu uma barreira para facilitar o suave e prático progresso da moça.”. Mas cada repetição desse ritual tem um lugar no padrão, nos padrões. É preciso elevar seu nível de percepção para poder entender o quadro geral.
O ritual de abertura de portas pretende ser um serviço útil, mas é de uma utilidade falsa. Isso pode ser notado ao percebermos que será realizado quer tenha ou não um sentido prático. Homens enfermos e homens sobrecarregados com pacotes irão abrir portas para mulheres sem deficiências que estão livres de encargos físicos. Homens irão se impor desajeitadamente e empurrarão todos pra chegar até a porta primeiro. O ato não é determinado por conveniência ou graça. Além disso, estes muitos numerosos atos de desnecessária ou mesma perniciosa “ajuda” ocorrem em contra-ponto a um padrão: de homens não serem úteis de muitas outras formas que poderiam ajudar verdadeiramente as mulheres.
O que as mulheres experimentam é um mundo no qual o príncipe encantado constantemente faz uma confusão sobre ser útil e prover pequenos serviços quando ajuda e serviços são de pouca ou nenhuma utilidade, mas no qual eles raramente são verdadeiros príncipes quando precisamos de assistência substancial, em tarefas difíceis ou situações de medo e terror. Não há ajuda quando há roupas (dele) para lavar; não há ajuda quando estamos digitando relatórios as quatro da manhã; não há ajuda quando estamos mediando brigas entre parentes ou entre as crianças. Não há nada mais que um aviso de que as mulheres devem ficar dentro de casa após o escurecer, acompanhadas por um homem, ou quando chega a essa situação, “deitar de bruços e aproveitar”.
Os gestos galanteadores não tem um significado prático. Seu significado é simbólico. O ritual de abertura de portas e outros serviços similares que eles nos prestam são serviços demandados apenas por pessoas que por uma razão ou outras estão incapacitadas – indispostas ou sobrecarregas. Então a mensagem é que as mulheres são incapazes.  O abismo entre o que os atos oferecem e a realidade concreta do que as mulheres precisam é um veiculo para a mensagem de que as reais necessidades e os reais interesses das mulheres são irrelevantes ou pouco importantes. Finalmente, esses gestos imitam o comportamento de funcionários em relação a mestres e, por tanto, as mulheres, que são em muitos aspectos as servas e guardas dos homens. A mensagem da falsa ajuda masculina é a dependência feminina, a invisibilidade ou insignificância das mulheres, o desprezo por nós.
É impossível ver o significado desses rituais se estamos focadas neles individualmente em suas particularidades, incluindo as particularidades dos indivíduos envolvidos naquele especifico ritual, mais precisamente o homem e suas intenções e motivações conscientes, ou a mulher e sua percepção consciente do evento naquele momento. Parece, algumas vezes, que pessoas pegam deliberadamente a visão míope e preenchem seus olhos com ela e seus elementos microscópicos, só para não serem obrigadas a ver o macroscópico. De qualquer maneira, seja deliberadamente ou não, as pessoas podem e falham em ver a opressão das mulheres porque elas falham em ver macroscopicamente e por isso falham em enxergar os vários elementos da situação como são: sistematicamente relacionados em um esquema mais amplo.
Como a gaiola do passarinho é um fenômeno macroscópico, a opressão das situações nas quais as mulheres vivem suas várias e diferentes vidas é também um fenômeno macroscópico. Nenhum dos dois pode ser enxergado a partir de uma perspectiva microscópica. Mas quando você vê a partir da perspectiva macroscópica você enxerga – uma rede de forças e barreiras que estão sistematicamente ligadas e que conspiram para imobilização, redução e molde das mulheres e as vidas que vivemos.
II
A imagem da gaiola nos ajuda a reconhecer um aspecto da sistemática natureza da opressão. Outro aspecto é a seleção de quem vai ocupar a gaiola, e a analise desse aspecto também nos ajuda a entender a invisibilidade da opressão das mulheres.
É enquanto mulher (ou enquanto chicana, ou enquanto negra ou asiática ou lésbica) que essa pessoa está enjaulada.
“Porque eu não posso ir ao parque? Você deixou o Jimmy ir!”
“Porque não é seguro pra meninas.”
“Eu quero ser uma secretária, não uma costureira. Eu não quero aprender a fazer vestidos.”
“Não há espaço para negros nesse mercado. Aprenda algo que vá te sustentar.”
Quando você questiona porque está sendo bloqueada, porque essa barreira está no seu caminho, a resposta não tem a ver com seu talento individual ou mérito, desvantagens ou fracassos, tem a ver com o seu pertencimento a alguma categoria entendida como “natural” ou “física”. A “habitação” da jaula não é individual mas coletiva, todos aqueles de uma determinada categoria. Se um individuo é oprimido, é em virtude de ser membro de um grupo ou categoria de pessoas que são sistematicamente reduzidas, moldadas e imobilizadas. Por tanto, para reconhecer que uma pessoa é oprimida, essa pessoa tem que individualmente pertencer a um grupo de um certo tipo.
Há vários fatores que podem encorajar ou inibir a percepção de pertencimento de alguma pessoa ao grupo ou categoria em questão aqui. Em particular, parece razoável supor que se um dos dispositivos de restrição e definição de um grupo oprimido é o de confinamento físico e segregação, o confinamento e a separação iriam encorajar o reconhecimento daquele grupo enquanto um grupo. Isso iria, então, encorajar o foco macroscópico que nos permite reconhecer a opressão e encoraja a identidade dos indivíduos e, por tanto, a solidariedade com outros indivíduos daquele mesmo grupo ou categoria. Mas o confinamento físico e a segregação do grupo enquanto um grupo não é comum a todas as estruturas de opressão, e quando um grupo oprimido é geograficamente e demograficamente disperso a percepção desse grupo enquanto um grupo é inibida. Talvez haja pouco ou nenhum fator nas situações dos indivíduos que encoraje a visão macroscópica que poderia revelar a unidade da estrutura pressionando para baixo todos os membros daquele grupo.*
(* Assimilação forçada é, na realidade, uma das políticas disponíveis para um grupo opressor para reduzir ou aniquilar outro grupo. Essa tática é usada pelo governo dos Estados Unidos com os americanos indianos.)
Um grande número de pessoas, mulheres e homens de todas as etnias e classes, simplesmente não acreditam que mulher é uma categoria de pessoas oprimidas, e eu acho que isso se deve em parte porque eles vem sendo enganados pela dispersão e assimilação das mulheres em todo e para todos os sistemas de classe e raça que organizam os homens. Ou simplesmente ser dispersa torna mais difícil para as mulheres ter conhecimento umas sobre as outras e por tanto dificulta o reconhecimento de que estamos presas em gaiolas com formatos muito similares. A dispersão e a assimilação das mulheres através das classes econômicas e raças também nos divide umas contra as outras de forma prática e econômica e, por tanto, atribui interesses para a incapacidade de ver: para algumas, a inveja de seus benefícios, e para outras, o ressentimento das vantagens de outros.
Para superar isso, ajuda perceber que, de fato, mulheres de todas as raças e classes estão juntas em um gueto de classificações. Não há um lugar das mulheres, um setor, que é habitado por mulheres de todas as classes e raças, isso não é definido pelos limites geográficos mas pela função. A função está a serviço ao homem e aos interesses dos homens. São os homens que as definem, e isso inclui a criação e a educação dos filhos. Os detalhes do serviço e da condição de trabalho variam de acordo com raça e classe, porque homens de diferentes raças e classes tem interesses diferentes, percebem seus interesses de formas diferentes e expressam suas necessidades e demandas em diferentes retóricas, dialetos e linguagens. Mas também existem algumas constantes.
Seja na baixa, média ou alta classe, na esfera doméstica ou de trabalho remunerado fora de casa, o serviço da mulher sempre inclui o serviço pessoal (o trabalho de baba, cozinheira, secretária)*, serviço sexual (incluindo provisões para as necessidades sexuais do genital do homem e a criação de seus filhos, mas também incluindo “ser legal”, “ser atraente”, etc) e o serviço de ego (encorajamento, suporte, dedicação, atenção). O serviço da mulher também é caracterizado em todos os lugares pela fatal combinação de responsabilidade e falta de poder/autoridade: nós somos responsáveis pelo bons resultados e rumos de nossos homens e crianças em quase todos os aspectos, mas ainda assim nós não temos nenhum poder para realizar esses projetos. Os detalhes das subjetividades dessas experiências de servitude são locais. Eles variam de acordo com a classe econômica, raça, e tradições étnicas bem como as personalidades dos homens em questão. Assim são também os detalhes das forças que forçam nossa tolerância a essa servidão em particular, para as diferentes situações nas quais as mulheres vivem e trabalham.
(*Em classes mais altas mulheres talvez não façam todos esses tipos de trabalhos, mas geralmente ainda sim são responsáveis por contratar e supervisionar aquelas que o fazem. Esses serviços então ainda são, nesses casos, responsabilidade da mulher).
Tudo isso não quer dizer que as mulheres não tem que, afirmam e gerenciam, por vezes, para satisfazer nossos próprios interesses, nem negar que em alguns casos e, em alguns aspectos, interesses independentes das mulheres se sobrepõem aos dos homens. Mas em todos os níveis de raça/classe e até mesmo através das linhas de raça/classe, homens não servem as mulheres como mulheres servem aos homens. “Esfera feminina” talvez seja entendido como “setor de serviços”, levando essa expressão a um nível muito mais amplo e profundo em relação ao que geralmente é habitual nas discussões sobre economia.
III
Parece ser da condição humana que em um grau ou outro nós todos sofremos de frustrações e limitações, nós todos encontramos barreiras indesejáveis, e nós todos somos prejudicados e machucados de diferentes formas. Tendo em vista que somos uma espécie social, quase todos os nossos comportamentos e atividades são estruturados por muito mais que uma tendência pessoal ou condições do nosso planeta e sua atmosfera. Nenhum ser humano está livre das estruturas sociais, e nem mesmo, talvez, felicidade esteja nessa liberdade. Estruturas consistem em limites e barreiras; em um conjunto de estruturas algumas mudanças e alterações são possíveis, outras não. Se alguém está procurando por uma desculpa para diluir a palavra opressão, pode se utilizar do fato de que uma estrutura social atinge a todos para dizer que todos somos oprimidos. Mas se essa pessoa prefere esclarecer o que a opressão é o que não é, então precisa resolver os sofrimentos, danos e limitações e descobrir quais são os elementos de opressão e quais não são.
 A partir do que eu já disse, está claro que se uma pessoa quer determinar se um sofrimento, dor ou limitação particular é parte de uma opressão, essa pessoa precisa olhar para todo o contexto a fim de dizer se se trata de um elemento dentro de uma estrutura opressiva; essa pessoa precisa ver se esse elemento é parte de uma estrutura sólida de forças e barreiras que tendem a imobilizar e reduzir um grupo ou categoria de pessoa; essa pessoa tem que observar como essa barreira ou força se encaixa com outras; e a quem essa barreira ou força beneficia, em detrimento de quem ela funciona. Assim que essa pessoa olhar para essas mostras, se torna obvio que nem tudo que frustra ou limita alguém é opressivo, e nem todo mal ou dano se deve ou contribui para uma opressão.
Se um playboy branco e rico que vive da renda de seus investimentos em minas de diamantes na África do Sul quebra sua perna em um acidente de esqui em Aspen e tem que esperar, com dor, numa nevasca de horas antes de ser resgatado, nós assumimos que, naquele período, ele sofreu. Mas seu sofrimento tem um fim; sua perna é reparada pelo melhor cirurgião que o dinheiro consegue comprar e ele logo vai estar se recuperando em uma suíte bebericando Chivas Regal. Nada nessa cena sugere que há uma estrutura de barreiras e forças. Ele é parte de vários grupos opressores e não se torna de repente oprimido porque está em situação de injuria e sentindo dor. Mesmo se o acidente tivesse sido causado pela negligencia maliciosa de alguém, e por tanto alguém pudesse levar a culpa por isso e ser moralmente responsabilizado, essa pessoa ainda sim não seria um agente de opressão.
Outro exemplo: as fronteiras dos guetos raciais em uma cidade americana servem até certo ponto para impedir pessoas brancas de entrarem bem como para evitar que os moradores do gueto saiam. Um cidadão branco talvez se sinta frustrado ou privado porque ele ou ela não pode passear e curtir a aura “exótica” de uma cultura “estrangeira”, ou fazer compras a baixos custos nos shoppings do gueto. Na verdade, a própria existência do gueto, da segregação racial, priva a pessoa branca de conhecimento e fere o personagem dela ou dele ao consolidar injustificavel sentimentos de superioridade. Mas isso não faz com que a pessoa branca dessa situação seja pertencente a uma raça oprimida ou seja uma pessoa oprimida por sua raça. Você deve olhar para a barreira. Ela limita as atividades e o acesso daqueles que estão nos dois lados dela (embora em diferentes níveis). Mas ela é produto da intenção, planejamento a ação de pessoas brancas pelo beneficio de pessoas brancas, para assegurar e manter privilégios que estão disponíveis apenas para pessoas brancas num geral, e membros desse grupo dominante e privilegiado. Ainda que a existência da barreira resulte em algumas conseqüências ruins para as pessoas brancas, a barreira não existe em uma sistemática relação com outras barreiras e forças formando uma estrutura opressiva para os brancos; na verdade, é exatamente ao contrário. É parte da estrutura que oprime moradores do gueto e por então protege e garante interesses das pessoas brancas e sua cultura branca enquanto dominante. Essa barreira não é opressiva aos brancos, ainda que seja uma barreira para os brancos.
Barreiras tem significados diferentes para aqueles que estão em lados opostos delas, ainda que sejam barreiras para ambos. As paredes físicas de uma prisão são tão eficazes para impedir alguém de fora de entrar quanto para deixar alguém de dentro sair, mas para aqueles que estão dentro elas significam confinamento e limitação, enquanto para aqueles que estão de fora elas significam proteção daquilo que essas pessoas consideram ameaças, que se materializam na idéia da liberdade das pessoas de dentro de todo o mal ou ansiedade. Uma série de barreiras e forças sociais e econômicas que separam esses grupos talvez sejam sentidas, de forma dolorosa, pelos membros de ambos os grupos, e ainda assim eles significam confinamento para uns e liberdade e alargamento de oportunidade para outros.
O setor de serviço das esposas/mães/assistentes/meninas é quase que exclusivamente um setor de mulheres; seus limites não só enclausuram as mulheres, mas mantém os homens fora. Alguns homens ás vezes encontram essa barreira e experimentam-na como uma restrição aos seus movimentos, suas atividades, ao controle que tem sobre suas próprias escolhas e “estilo de vida”. Se pensarmos que eles talvez gostem daquele estilo de vida (que eles provavelmente imaginam ser livre de estresses, alienações e trabalho duro), e se sentem privados já que lhes parece tão restrito a homens, eles então anunciam que descobriram ser oprimidos, também, pelos papeis de gênero. Mas essa barreira foi erguida e é mantida pelos homens, em beneficio dos homens. Consiste em forças e pressões culturais e econômicas em uma cultura e economia controlada pelos homens para que, em todos os níveis econômicos e em todas as subculturas raciais e étnicas, tradições e mesmo nas ideologias de liberação do trabalho, ao menos a cultura e economia local estejam sob controle dos homens.*
(*É claro que isso é complicado por fatores de raça e classe. Machismo e políticas “fraternidade negra” parecem ajudar a manter homens negros e latinos no controle de mais dinheiro que mulheres negras e latinas; mas, ainda assim, a economia mais ampla continua sob o controle do homem branco.)
Os limites que os mantém separados da esfera feminina são mantidos e promovidos por homens em beneficio dos homens, e os homens se beneficiam de sua existência, até mesmo homens que esbarram nessa barreira e reclamam de tal inconveniência. Essa barreira está protegendo a sua classificação e seu status enquanto homem, de superior, de ter garantido seu direito a acessar sexualmente uma mulher ou a mulheres num geral. Essa barreira protege um tipo de cidadania que é superior à das mulheres de sua classe e raça, protege o seu acesso a um patamar extenso de trabalhos com melhor remuneração e não só isso como status mais altos dentro do mercado, e seu direito a preferir ficar desempregado a se submeter à degradação de desempenhar trabalhos de status mais baixo ou trabalhos tidos como “femininos”.
Se a vida ou atividade de uma pessoa é afetada por alguma força ou barreira que essa pessoa encontra, não se deve concluir que aquela pessoa é oprimida simplesmente porque ela encontra essa força ou barreira; nem só porque o encontro é desagradável, frustrante ou doloroso àquela pessoa naquele momento; nem só porque a existência da barreira ou força, ou o processo que mantém ou aplica ele, serve a privação daquela pessoa a algo de valor. Deve-se olhar para a força ou barreira e responder algumas questões sobre ela. Quem a constrói e quem a mantém? Aos interesses de quem a existência dela serve? Ela é parte de uma estrutura que tende a confinar, reduzir e imobilizar algum grupo? É esse individuo um membro do tal grupo? Uma pessoa pode encontrar ou viver com várias forças, barreiras e limitações sem que elas necessariamente pertençam a uma estrutura opressiva, e se elas pertencem, essa pessoa pode estar ou do lado do opressor ou do lado do oprimido, e isso não pode ser determinado pelo quão alto ou quão baixo essa pessoa reclama.
IV
Muitas das retenções e limitações que vivenciamos são internalizadas (em níveis diferentes) e monitoradas por nós mesmas. São parte de nossa adaptação aos requerimentos e expectativas impostas pelas necessidades, gostos e tiranias dos outros. Eu tenho em minha mente tais coisas como: as posturas restritas das mulheres e seus avanços atenuados, e a restrição emocional dos homens (exceto quando se trata de raiva). Quem ganha o que da prática dessas disciplinas, e quem impõe as penas quando relaxamos e quebramos as regras? Quais são as recompensas por bom comportamento?
Os homens podem chorar? Sim, em companhia de mulheres. Se um homem não pode chorar, certamente é na companhia de outros homens. São os homens, não as mulheres, que requerem tal característica uns dos outros. Um homem que mantém-se resistente ou descontraído (todas são formas que sugerem invulnerabilidade) passa a ser tido como um membro da comunidade masculina e passa a ser estimado pelos outros homens. Isso é bom, e esse homem poderá se sentir bem consigo mesmo. Consequentemente, a manutenção daquele comportamento pode contribuir para a auto-estima desse homem. A forma como essas restrições se encaixam nas estruturas das vidas desses homens é que os comportamentos sociais requeridos são tais que, se cumpridos, contribuem para o aceitamente e respeito perante outros significativos e contribuem também para sua própria auto-estima. É em seu próprio beneficio que eles praticam essa disciplina.
Considere, só para efeito de comparação, a disciplina das rigorosas posturas físicas de uma mulher. Essa disciplina pode ser deixada um pouco de lado na companhia de outras mulheres, geralmente é mais vigorosa na companhia dos homens. * Mas assim como as retenções emocionais dos homens, as retenções físicas das mulheres são requeridas pelos homens. Mas ao contrário das retenções emocionais dos homens, as retenções físicas das mulheres não dão recompensas. O que ganhamos com isso? Respeito, estima e aceitação? Não. Eles zombam de nós e fazem paródias das nossas falhas. Nós parecemos fracas, incompetentes, bobas e geralmente desprezíveis. Nosso exercício dessa disciplina tende a abaixar nossa estima e nossa auto-estima. Não nos beneficia. Se encaixa numa rede de comportamento através das quais nós constantemente anunciamos aos outros nosso pertencimento a uma suposta casta mais alta e nossa falta de vontade e/ou inabilidade de defender nossa integridade física e moral. É degradante e parte do padrão de degradação.
Os comportamentos aceitáveis para ambos os grupos, homens e mulheres, envolvem retenções que parecem em si mesmo bobas e talvez um tanto quanto danosas. Mas os efeitos sociais são drasticamente diferentes. As retenções das mulheres são parte de uma estrutura opressiva às mulheres, as restrições dos homens são parte de uma estrutura opressiva às mulheres.
(*C.F., “Let’s take back OUT space: “Female” and “Male” body language as a Result of Patriarchal Structures, por Marianne Wex (Frauenliteratureeverlag Hermine Fees, West Germany, 1979), especialmente pg. 173. Esse notável livro apresenta literalmente centanas de fotos de homens e mulheres, em publico, sentados, de pé e deitados. Ele vivamente demonstra as várias sistemáticas diferenças entre as posturas e gestos dos homens e mulheres.)
V
Alguém é marcado para sofrer as pressões opressivas por causa de seu pertencimento a um grupo ou categoria. A maior parte do sofrimento e frustração daquela pessoa se deve ao fato de que aquela pessoa pertence àquela categoria. Nesse caso em especifico, é essa a categoria que tratamos, mulher. Ser uma mulher é um fator de peso quando falamos sobre não termos trabalhos melhores que os nossos; ser uma mulher me faz uma provável vitima de assédio ou abuso sexual; é eu ser mulher que reduz o poder da minha raiva a uma mera prova da minha insanidade. Se uma mulher tem pouco ou nenhum poder econômico ou político, ou alcança apenas uma pequena parte daquilo que ela quer alcançar, um grande e significante fator nisso é que ela é uma mulher. Para qualquer mulher de qualquer raça ou classe econômica, ser uma mulher está significantemente ligado a qualquer desvantagens ou privações que ela sofra, sejam elas grandes ou pequenas.
Não é o caso quando estamos falando de um homem. Simplesmente ser um homem não é o que se coloca entre ele e um emprego melhor; seja lá quais sejam os assédios ou abusos que ele esteja sujeito a, ser um homem não é o que o faz a vitima perfeita; ser um homem não transforma sua raiva em impotência – bem ao contrário, na verdade. Se um homem tem pouco ou nenhum poder material ou político, ou alcança apenas parte daquilo que ele quer alcançar, ser um homem não faz parte da explicação. Ser um homem é algo que ele tem a seu favor, ainda que talvez raça, classe, idade ou deficiência esteja contra ele.
Mulheres são oprimidas enquanto mulheres. Membros de um certo grupo ou classe racial e/ou econômica, ambos homens e mulheres, são oprimidos enquanto membros daqueles grupos ou classes raciais e/ou econômicas. Mas homens não são oprimidos enquanto homens.
… e não é estranho pensarmos que já estivemos confusas e mistificadas em relação a algo tão simples?
NOTAS
  1. Esse exemplo foi tirado de “Daddy Was A Number Runner”, de Louise Meriwether (Prentice-Hall, Englewood Cliffs, New Jersey, 1970), p.l44.
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Texto original: http://feminsttheoryreadinggroup.wordpress.com/2010/11/23/marilyn-frye-the-politics-of-reality-oppression/

11 janeiro 2015

Quem ri por último?

2015 estourou feito tiro de AK-47 - e seus estilhaços ricochetearam a partir do 11º arrondissement parisiense, na manhã de 7 de janeiro, quando três terroristas abriram fogo contra a redação do Charlie Hebdo. Entre 11 feridos e 12 mortos - incluindo Stéphane Charbonnier (o Charb, diretor do semanário satírico desde 2009), Georges Wolinski (“o” Wolinski), Jean Cabut (Cabu) e Bernard Velhac (Tignous) -, manifestações de solidariedade marcaram as páginas internacionais nos últimos dias. Além de vigílias Paris afora, tributos proliferaram internet adentro: primeiro, je suis Charlie, em homenagem aos cartunistas assassinados; no paralelo, not in my name, vindo de jovens muçulmanos, criticando as motivações dos autores do atentado - que teriam ligações com a Al-Qaeda no Iêmen. 

Difícil dizer quem riu por último. Lembrada como uma revista provocativa, satírica, “subversiva”, anticlerical e às vezes antirreligiosa, Charlie Hebdo ironicamente foi quase “sacralizada” como símbolo da liberdade de imprensa. Ironicamente, a última charge rabiscada por Charb trazia um jihadista e a provocação: “França segue sem atentados. Atenção, esperemos até o fim de janeiro para desejar feliz ano-novo”. Ironicamente, Ahmed Merabet, o policial executado por terroristas na Rue Nicolas Appert, era muçulmano, detalhe que evocou nas mídias digitais as palavras atribuídas a Voltaire: “Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-la”. Ironicamente, saiu pela culatra a tentativa de silenciar um semanário polêmico, que se tornou alvo da fúria religiosa por publicar charges de Maomé: dos 60 mil habituais, a próxima edição saltou para 1 milhão de exemplares, graças a uma vaquinha milionária feita por Le Monde, Radio France, The Guardian, entre outros. Ironicamente, no dia 7 era lançado Soumission, controverso romance do escritor francês Michel Houellebecq, que retrata uma França transformada num Estado islâmico após a vitória de um novo partido em 2022 - muitos críticos consideraram o livro islamofóbico. 
Entre tantas ironias, Michael Löwy destaca outra: o atentado contra um semanário de esquerda (lembrado por traços satíricos, mas progressistas, libertários e democráticos, herdeiros da esquerda francesa, hostis a extremismos) “instrumentalizado” a ponto de favorecer a extrema direita, acirrando ainda mais campanhas discriminatórias e islamofóbicas. “São dois males. Por um lado, um crime contra a liberdade de imprensa, de fundo fundamentalista religioso. Por outro, uma ultradireita a manipulá-lo. Muito foi dito a respeito do atentado, mas acredito que o importante a destacar é que se trata de uma revista de esquerda, num contexto de direitização europeia muito forte”, critica. 
Diretor do Centre d’Études Interdisciplinaires des Faits Religieux (CEIFR) na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), o sociólogo franco-brasileiro conversou com o Aliás na quinta-feira. Instalado no 13º arrondissement, Löwy lamentou profundamente as mortes. O intelectual lia episodicamente o semanário, mas não raro encontrava suas caricaturas reimpressas noutras publicações, folheando livros e folhetins trotskistas - e conhecia pessoalmente Charb, que ilustrou o livro Marx, Manual de Instruções (Boitempo, 2013), de seu amigo Daniel Bensaïd, com quem assinou Marxismo, Modernidade e Utopia (2000). 
Autor ainda de Walter Benjamin: Aviso de Incêndio (2005) e Lucien Goldmann ou a Dialética da Totalidade (2009), Löwy considera o momento perigoso, polarizado por extremos, ideológicos e religiosos: “É uma armadilha”. Sua impressão pessoal: “Um clima de tristeza profunda e de indignação”. Sua palavra final? “Infâmia”. 
Prof. Löwy, pela primeira vez um atentado à redação de Charlie Hebdo foi levado às últimas consequências, provocando 12 mortes. Como interpretar o que aconteceu? 
Neste momento, só uma palavra me vem à mente para descrever o que aconteceu: infâmia. Foi um crime odioso, contra a liberdade artística, a liberdade de imprensa, a liberdade de pensamento. Para mim foi tanto mais odioso, pois as vítimas eram artistas e jornalistas conhecidos na esquerda francesa, extremamente antirracistas, antifascistas, anticolonialistas. Minha última lembrança, que agora me volta à memória, é a recente participação desses cartunistas num álbum em homenagem aos argelinos anticolonialistas assassinados pela polícia francesa na década de 1960 (no dia 17 de outubro de 1961, uma manifestação pacífica se tornou palco de um massacre brutal de mais de 200 argelinos na capital francesa). Por isso, considero especialmente “infame” e revoltante que eles tenham se tornado alvo desse atentado, que levou a intolerância religiosa às últimas consequências, absurda e irracionalmente. O crime é absurdo, mas é igualmente absurdo atribuir a responsabilidade a milhões de muçulmanos, que vivem sua religião pacífica e tranquilamente. É uma armadilha - e precisamos lutar para que o mundo não caia nela. Se o presente nos indigna, o futuro nos preocupa.

A mídia internacional focou a questão a partir de duas perspectivas principais: a liberdade de expressão e o fundamentalismo religioso. Muito se lembrou o caráter satírico de Charlie Hebdo, famoso por críticas a diversas religiões - não só a islâmica. Entretanto, eu queria abordar o caráter político da revista. O que marcava a linha da publicação?
Era um periódico muito lido, principalmente por jovens. É um paradoxo, uma ironia essa agressão acontecer justamente contra personalidades reconhecidamente da esquerda francesa, contrárias ao conservadorismo clerical, ao imperialismo, ao fascismo, ao neocolonialismo. Aliás, o último número da revista trazia uma caricatura do escritor Michel Houellebecq, que lançou um livro por muitos considerado islamofóbico. Noutra página, interna, diversas caricaturas contra a religião católica. Enfim, não era algo contra o islamismo. Eles eram anticlericais, ateístas e às vezes antirreligiosos. Conheci pessoalmente alguns desses artistas. Charb, por exemplo, ilustrou um livro de Daniel Bensaïd sobre Marx. Sim, Charb tinha proximidade com a esquerda francesa radical. Agora, a esquerda também foi muito presente, mobilizando diversas manifestações (Marine Le Pen não foi convidada para a marcha in memoriam marcada para este domingo). 
O atentado não favorece o discurso de ódio da extrema direita, que era tão criticada pela revista?
Sim, mas é preciso considerar o momento francês, em que uma onda islamofóbica está amalgamando os muçulmanos, misturando os muçulmanos pacíficos e os fanáticos integristas (uma minoria) e os jihadistas (uma minoria ainda menor). Nesse amálgama, “os” muçulmanos todos se tornam acusados da autoria de crimes cometidos por terroristas. É uma campanha antimuçulmana e extremamente racista, com alta repercussão na mídia, com impulso de certos intelectuais, jornalistas e políticos - a Frente Nacional de Marine Le Pen é o maior exemplo. Isso tem estimulado atitudes xenófobas, atitudes negativas contra imigrantes africanos, asiáticos, islâmicos, enfim, os “não europeus”. Quer dizer, vale para alguns europeus: há seculos na Europa, os ciganos também são alvo de discriminação. Manifestações islamofóbicas também marcaram os últimos tempos, com atividades politicamente racistas. No fim, o atentado ao Charlie Hebdo favorece a campanha dessa ala fascista. O crime está sendo instrumentalizado para tal. São duas catástrofes. Por um lado, um crime contra a liberdade de imprensa, de fundo fundamentalista religioso. Por outro, uma ultradireita a manipulá-lo. Muito foi dito a respeito do atentado, mas acredito que o importante a destacar é que se trata de uma revista de esquerda, num contexto de direitização europeia muito forte. 
Diversas vozes lamentaram que a liberdade de expressão, um dos valores máximos da civilização ocidental, foi ferida ‘barbaramente’. Volta o discurso d'O Choque de Civilizações, tão martelado após o 11 de Setembro?
Justamente. Há quem se interesse por defender a tese do “choque de civilizações” (do teórico americano Samuel P. Huntington, para quem, pós-Guerra Fria, a cultura, as identidades culturais e religiosas seriam o principal gatilho para conflitos no mundo contemporâneo - e não a política ou a economia). Dois polos tentam promover a ideia do choque. Por um lado, radicais e fundamentalistas do Oriente. Por outro, conservadores e reacionários do Ocidente. Os dois têm interesse em acirrar uma guerra de “civilizações”, não só porque corresponde à sua ideologia fascista, mas porque o ódio entre etnias e religiões é o terreno que lhes permite se desenvolver. Há uma espécie de cumplicidade entre eles, o reforço de um conduz ao reforço do outro, numa espiral infernal de intolerância e guerra. Só uma aliança internacionalista de todas as cores, etnias e religiões contra um inimigo comum - o sistema capitalista - pode neutralizar esse processo monstruoso. É importante que as forças progressistas, libertárias e democráticas se oponham a isso, lembrando que o grande confronto de nosso tempo não é entre Islã e Ocidente. O real conflito de nossa época é entre progresso e reação, exploradores e explorados, capital e trabalho. 
Religiões têm tabus, às vezes muito fortes. Não respeitar esses tabus pode enfurecer quem neles insiste. Respeitar pode conflitar com outros valores, como a liberdade de expressão. Como navegar entre essas pressões contraditórias?
Realmente é uma contradição muito complicada, muito complexa. Em última análise, acredito que a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão devam ser considerados princípios fundamentais. Entretanto, há formas de expressão que realmente resvalam na incitação ao ódio e deve haver leis contra elas. Na França, há. Quer dizer, é crime estimular o ódio contra um grupo religioso ou étnico ou o que seja. Não era o que fazia Charlie Hebdo - uma coisa é incitar o ódio contra religiões, outra coisa é ironizá-las satiricamente. Além disso, as religiões são diferentes. Dentro do judaísmo, do islamismo, do cristianismo há correntes regressivas, reacionárias e intolerantes, que inclusive culminam em crimes. Mas há, sim, correntes progressistas e democráticas - em certos casos, mesmo revolucionárias. 
Salman Rushdie, também ameaçado pelos islamitas, disse: ‘As religiões, como todas as outras ideias, merecem críticas, sátiras e, sim, nossa falta de respeito e de medo’.

 Concorda com o autor d'Os Versos Satânicos?
A sátira faz parte da natureza de uma imprensa livre, irreverente, independente. E isso deve valer para qualquer tema. Qualquer um deve poder ser satirizado - o rei, a presidente, o profeta. Charlie Hebdo é herdeiro de uma velha tradição da esquerda francesa anticlerical, antirreligiosa, ateísta. Pessoalmente, confesso que eu não me inquieto nesse combate às religiões. Talvez por minha experiência como brasileiro, vejo a religião com olhos um pouco diferentes dos franceses. De qualquer maneira, é preciso dizer: não é essa a questão.

link:aqui

BARBÁRIE GLOBALIZADA


Uma tentativa de entender o fenómeno do "Estado Islâmico".
 
 
Mais uma. Mais uma vez, o presidente dos Estados Unidos mobiliza a coligação dos dispostos a entrar em campo contra “o mal" (Spiegel Online). Desta vez é o grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI) que deve ser derrotado numa campanha de três anos, em cuja sua primeira fase a Força Aérea dos EUA vai estender os ataques aéreos à Síria. Ao mesmo tempo, a Casa Branca exige ao Congresso a bagatela de 500 milhões de dólares, a fim de "treinar e armar rebeldes sírios moderados", como informou a Reuters.
 
Esta abordagem faz lembrar uma fase anterior da guerra civil síria, quando os serviços secretos ocidentais, em comunhão íntima com com os despotismos fundamentalistas do golfo, como a Arábia Saudita, apoiaram a oposição síria, apoio a partir do qual surgiu o Estado Islâmico, além de uma variedade de outras milícias islamistas. E naturalmente que dentro do movimento de oposição síria dominam justamente facções fundamentalistas que estão em concorrência com o Estado Islâmico e lutam contra ele.
 
Um dos principais grupos rebeldes sírios, por exemplo, é a aliança fundamentalista Frente Islâmica, cujo líder Hassan Abboud foi morto recentemente num atentado supostamente realizado pelo EI. A Frente Islâmica representa o maior contingente dentro dos rebeldes sírios – e tem contactos estreitos com o grupo jihadista al-Nusra.
 
É esta mesma filial síria da Al-Qaeda, o Jabhat al-Nusra, que vem tentando, depois de uma pesada derrota contra o EI, distanciar-se do Estado Islâmico através da libertação de reféns norte-americanos. Consequentemente, esses rebeldes "moderados" de futuro vão completar a sua formação militar no território da democracia de referência que é a Arábia Saudita.
 
Falando claramente: O Ocidente está mais uma vez em vias de armar islamistas para combater islamistas – e, ao mesmo tempo, prosseguir os seus interesses geopolíticos, que no caso da Síria visam o derrube do regime de Assad. Coloca-se apenas a questão de saber que grupo jihadista, que agora ainda faz parte da "oposição moderada", ficará mais uma vez fora de controlo dentro de alguns anos e terá de ser eliminado por meio duma intervenção militar. O Ocidente, na sua luta de moinhos de vento contra o fundamentalismo islâmico, é como o célebre aprendiz de feiticeiro, que já não se consegue livrar dos espíritos por ele convocados para fins de instrumentalização nesta região abalada pela falência estatal.
 
Não é só a geopolítica do Ocidente que dá força aos jihadistas. Países ocidentais também servem como um importante campo de recrutamento para o EI. Cerca de 3.000 jihadistas da Europa Ocidental, EUA, Canadá e Austrália combatem nas fileiras do Estado Islâmico segundo a imprensa americana. Dos cerca de 31.500 combatentes que se terão juntado a esta estrutura terrorista, cerca de um terço terá sido recrutado no exterior – principalmente por meio de uma campanha de recrutamento sofisticada.
 
Um bombista suicida do EI aprisionado nas regiões autónomas curdas da Síria relatou perante representantes dos média um fluxo constante de turistas jihadistas de todo o mundo que desejam juntar-se aos grupos de combate deste exército terrorista:
 
"Há nacionalidades de todo o mundo. Entre eles há muitos britânicos. Vêm de países asiáticos, da Europa e da América. Vêm para aqui de toda a parte."
 
O EI, portanto, representa uma espécie de subproduto da globalização capitalista em crise. Não se trata aqui de uma insurgência nativa, tradicionalista e surgida das associações de clãs e "tribos" regionais, mas de um exército de ocupação, globalizado ao mais alto grau, que se constituíu nas regiões em colapso sócio-económico e político da Mesopotâmia. Portanto, o Estado Islâmico massacra não só os "infiéis", mas também os sunitas que se atrevem a opor-se ao domínio estrangeiro. Quase 700 membros de uma associação de clãs sunita no leste da Síria foram literalmente abatidos pelo EI em meados de Agosto, depois de os seus líderes tribais terem recusado fidelidade aos jihadistas.
 
Mas qual é a natureza do "domínio estrangeiro" que – pelo menos em sua liderança – a tropa jihadista, em grande parte recém-chegada, procura construir nesta região em colapso? O que se materializou na Mesopotâmia na forma do EI, é uma caricatura furiosa, um negativo da forma mais eficiente de organização gerada pelo capitalismo tardio: as grandes empresas transnacionais. O Estado Islâmico é uma altamente eficiente "máquina de fazer dinheiro" (Bloomberg), que conseguiu produzir um "fluxo de entradas de caixa" permanente pela receita de contrabando de petróleo e de outros ramos de negócio do crime organizado. "O Estado Islâmico é, provavelmente, o grupo terrorista mais rico que já conheci", disse um analista americano à Bloomberg.
 
Esta empresa terrorista, que publica regularmente "Relatórios e Contas", tem uma estrutura de comando interno altamente eficiente e uma máquina militar muito eficaz, dispõe de um departamento de relações públicas profissional, que se dedica com muito sucesso a recrutar novos membros – e pratica o Lean Management dos territórios conquistados, cuja administração é deixada aos dignitários locais, desde que jurem fidelidade e prestem vassalagem ao “Califado”. As ramificações internacionais desta "máquina de fazer dinheiro" jihadista não se limitam à sua estrutura de associação, o financiamento inicial do EI foi realizado com o apoio financeiro internacional dos patrocinadores ricos dos Estados do Golfo.
 
A principal diferença entre a grande empresa global e o Estado Islâmico é que a acumulação de capital é o fim em si mesmo de todas as actividades das grandes empresas transnacionais. E todas as devastações e destruições que o capitalismo tardio faz às pessoas e ao meio ambiente são apenas subprodutos da busca cega e sem limites da valorização do capital, em que consiste afinal o núcleo irracional do modo de produção capitalista. Para o Estado Islâmico, no entanto, a acumulação de capital representa apenas um meio para outro fim irracional, que consiste num trabalho de destruição e aniquilação o mais eficiente possível. Não é senão isso que apresentam os "Relatórios e Contas" do EI, que são listagens das operações terroristas de sucesso desta "empresa". Portanto, a tendência implícita para a auto-destruição inerente ao capitalismo no caso do EI vem abertamente à luz do dia, é tornada explícita.
 
Assim, o Estado Islâmico usa as formas mais eficazes e os métodos de organização mais racionais, produzidos pelo capitalismo tardio atormentado pela crise, para buscar um objetivo louco e alucinado: a aniquilação literal de todos os infiéis. Aqui já se torna claro um paralelo com o até agora maior colapso da civilização da história mundial, o trabalho de aniquilação do nacional-socialismo alemão. Também os nazis fizeram uso das formas e métodos de organização então mais modernos para criar como que uma fábrica fordista de morte em Auschwitz, cujo "produto", produzido como numa linha de montagem, era o fumo de corpos humanos queimados que subia dos crematórios. Assim como os nazis, em delírio racista, construíram uma eficiente fábrica negativa de destruição humana, para "limpar" o mundo de judeus, ciganos, sub-humanos eslavos ou bolcheviques, também o EI se constitui sob a forma de organização de uma grande empresa negativa, para prosseguir o seu objetivo louco de um Califado mundial religiosamente puro. A racionalidade instrumental e a racionalidade economicista do capitalismo ocidental, que é continuamente melhorada com o propósito de uma acumulação mais eficiente de capital, viram assim em barbárie nua e crua nas mãos do EI.
 
Na grande empresa terrorista estabelecida pelo Estado Islâmico reflecte-se, assim, a irracionalidade em crise da socialização capitalista. Entretanto parecem estar a chegar os primeiros franchisings ao mercado do terror globalizado, tentando copiar a receita de sucesso dos massacres do EI. Está em curso uma segunda onda de globalização da barbárie jihadista. A "crescente popularidade" do EI no Sudeste Asiático poderia arrastar consigo ameaças de segurança a longo prazo, alertou a AlJazira em meados de Julho. Na verdade, o grupo terrorista das Filipinas Abu Sayyaf entrou recentemente para o Estado Islâmico. Os jihadistas da África Ocidental de Boko Haram, que segundo a Neewsweek controlam um "território do tamanho da Irlanda", também tentam imitar o procedimento do EI com a declaração do seu "Califado" africano.
 
Pelo que concorrem os grupos terroristas no mercado global do terror? Além das contribuições financeiras dos patrocinadores ricos dos despotismos da Península Arábica, é sobretudo pela mercadoria que o capitalismo tardio deita fora como supérflua: seres humanos. Muitos dos ataques e acções espetaculares do EI – como por exemplo a recente ocupação da barragem perto de Mosul – visavam precisamente um efeito propagandístico, com o qual se pretende acelerar o recrutamento de novo material humano. Com sucesso, como mostra um estudo nos EUA. Assim, em particular os talibãs afegãos, que estão sob enorme pressão militar, sofreram um êxodo amargo de combatentes estrangeiros que agora rompem em direcção à Síria e ao Iraque para se juntarem aos jihadistas locais:
 
"Lutadores do Uzbequistão, da China e da Chechénia têm poucas chances de voltar aos seus países de origem, mas sabem que são bem-vindos na Síria e no Iraque, onde Jabhat al-Nusra e o Estado Islâmico lutam contra o presidente sírio Assad, um contra o outro, e no caso do Estado Islâmico, contra os curdos, os iraquianos e até contra o Irão".
 
É a admissão do fracasso completo da brutal "guerra contra o terror" ocidental, que acabou por ser realizada utilizando métodos terroristas. Após cerca de 13 anos, surgiu uma camada global de dezenas de milhares de guerreiros religiosos sem pátria, cuja pátria é a "Guerra Santa". Em contraste com a rede global da Al-Qaeda, esta nova geração de jihadistas está tentando conquistar e manter territórios nas áreas em colapso do mercado mundial, para realizar os seus delírios de um Califado global.
 
O Estado Islâmico, a nadar em dinheiro, pode recorrer à multidão de jovens economicamente "supérfluos" que na periferia do sistema capitalista mundial – e, cada vez mais, nos centros – levam uma vida marginal e miserável. Um soldo de poucas centenas de dólares por mês e a esperança de um paraíso no Além são suficientes em muitos casos para motivar essa gente sem perspectivas, que vegeta no inferno de Estados e sociedades falidos, para se juntarem às fileiras do EI.
 
Mas o que levou milhares de muçulmanos do Ocidente a juntarem-se às redes terroristas jihadistas? Um estudo do Instituto de Defesa da Constituição, analisou os currículos de cerca de 400 islamistas que se deslocaram da Alemanha para a "Guerra Santa", chega à conclusão de que os muçulmanos que se juntaram aos jihadistas eram em grande parte marginalizados. Apenas 12 por cento destes guerreiros religiosos tinham um emprego regular, a esmagadora maioria dos quais no sector de baixos salários. Apenas seis por cento tinham terminado um curso profissional e dois por cento uma licenciatura. Cerca de um terço desses islamistas já antes tinha entrado em conflito com a lei, principalmente em conexão com a pequena criminalidade típica de gueto. Na sua maioria os que deixaram o país eram membros da camada mais baixa, que levavam uma vida em condições precárias nas margens da legalidade nos guetos informais de estrangeiros na RFA – até cairem no meio salafista. É significativo que apenas em 23 por cento dos casos os pais desses guerreiros religiosos eram praticantes de um Islão fundamentalista. Um bom exemplo de uma carreira, da pequena criminalidade de miúdo de gueto a guerreiro religioso, é o caso do rapper Denis Cuspert, que entretanto terá ascendido ao círculo restrito da liderança do EI.
 
Assim não são de modo nenhum os muçulmanos agarrados à tradição que se juntam à guerra terrorista, como disse também Tarfa Baghajati, presidente da Iniciativa dos Austríacos/as Muçulmanos/as, em entrevista à Rádio Free Europe. Há uma série de factores a que se deve o sucesso do recrutamento do EI na Europa, diz Baghajati:
 
"De destacar, em primeiro lugar, que os jovens que se juntam a estes grupos não tinham anteriormente laços fortes com o Islão nem com outros muçulmanos. Nunca tinham visitado mesquitas e alguns deles nem sequer sabiam rezar. É por isso que a sua experiência religiosa tem uma carga emocional muito forte... O segundo factor é que esses jovens não se vêem como parte da sociedade ocidental. Eles não foram capazes se envolver positivamente nela. Além disso há também a discriminação e indirectamente a perseguição contra o Islão e contra os muçulmanos, subsumidas no conceito de islamofobia".
 
Os muçulmanos recrutados pelo EI nos países do Ocidente não se vêem como parte dessas sociedades, porque não o são, porque eles são excluídos pela sociedade do trabalho capitalista em crise através da marginalização económica e do racismo crescente. O aumento do racismo e da extrema-direita causados pela crise por toda a Europa, que se manifesta nos sucessos eleitorais da AfD alemã, do UKIP britânico ou da Frente Nacional francesa, de facto visa em última análise a exclusão económica dos grupos que não são considerados parte da "comunidade nacional" ("empregos primeiro para quem é alemão"). A extrema-direita, que promove a exclusão de determinados grupos da população, representa, portanto, uma arma ideológica na luta da concorrência em crescimento devido à crise. Sem surpresa, portanto, a nível europeu o EI conseguiu recrutar o maior contingente de combatentes em França, o país dos banlieues e da Frente Nacional atormentado pela crise.
 
A viragem para o extremismo islâmico entre os muçulmanos europeus representa, assim, um desenvolvimento paralelo ao aumento provocado pela crise da extrema-direita na Europa. Jihadismo militante e terrorista é, em última análise, uma modificação religiosamente dissimulada da extrema-direita, uma espécie de fascismo clerical pós-moderno e globalizado. Enquanto no Ocidente a identidade nacional serve de terreno fértil para o crescimento das ideologias fascistas e de extrema-direita, no círculo cultural árabe a religião funciona como esse mesmo terreno que produz fantasias de aniquilamento. A categoria da raça, que incendiou a fúria destrutiva fascista na Europa, foi substituída pela categoria dos "infiéis" no jihadismo clerical-fascista.
 
Tanto o islamismo como a extrema-direita europeia representam, além disso, um extremismo do “centro”, que leva ao extremo de uma visão do mundo fechada as ideias e opiniões ideológicas dominantes na sociedade. No caso do Islão é a religião que ocupa uma posição hegemónica no "centro" das sociedades árabes; no caso da extrema-direita, o que é levado ao extremo é a identidade nacional, há muito transmutada na ideia da localização do investimento económico. Ambas as ideologias também podem ser descritas como pós-modernas, porque representam um escape ideal da crise e do fracasso da modernidade capitalista.
 
O "extremismo do centro" islamista em última instância também pode ser visto como uma variação do fascismo clerical. O fascismo – seja o nacional-socialismo alemão, o fascismo católico de Franco em Espanha, ou a ditadura fascista de Pinochet no Chile – representa uma forma de crise da dominação capitalista abertamente terrorista. As tendências de extrema-direita e fascistas ganham sempre impulso quando a sociedade capitalista burguesa-liberal entra numa crise económica ou política que ameaça a continuação de todo o sistema, ou até mesmo se apenas parece ameaçar (a crise económica mundial em 1929, a vitória da Frente Popular em 1936 na Espanha ou a vitória eleitoral de Allende em 1970 no Chile).
 
Seja nas grandes cidades da Europa ou nas regiões em colapso da Mesopotâmia – o processo de constituição da extrema-direita, tanto racista como clerical, desenvolve-se em trajectórias muito semelhantes. Em reacção aos choques da crise, à dissolução da ordem social existente, começa muitas vezes uma produção reforçada de identidade nas sociedades em causa. Se tudo se dissolve e entra em desordem, os indivíduos predispostos à autoridade procuram um apoio – e só o conseguem encontrar na identidade, no que aparentam ser: alemão, francês, sunita, xiita. O medo do futuro e as rupturas incompreendidas levam à saudade de anteriores estados da sociedade idilicamente imaginados; seja o Estado-nação racialmente puro ou o Califado medieval.
 
A grande auto-ilusão nesta devoção à política de identidade, é claro, está em que essas identidades já são constituídas apenas em interação com a sociedade capitalista em crise e, portanto, são apenas expressão identitária do processo de crise do capitalismo tardio. O que é comumente entendido por "identidade alemã", na Alemanha S.A. contemporânea, tem muito pouco a ver com a Alemanha do princípio do Império e muito menos com a da Assembleia de Paulskirche [1848/1849, N.T.]. O mesmo se aplica ao Islão, que muitas vezes era muito mais tolerante, especialmente no início da Idade Média, do que gostariam de admitir os actuais combatentes religiosos e os construtores pós-modernos do Califado. Basta lembrar aqui, a título de exemplo, que os judeus da Espanha, especialmente na fase inicial do domínio dos mouros (de 711 até à queda do Califado de Córdoba em 1031) gozavam de ampla liberdade religiosa e segurança jurídica; só foram expulsos pelos Reis Católicos após a reconquista definitiva en 1492.
 
A presente viragem induzida pela crise para a identidade nacional ou religiosa, que é vista alucinadamente como um continuum histórico e imutável, está quase sempre associada com a personalidade autoritariamente estruturada das pessoas em causa. O islamista pós-moderno submete-se à interpretação rígida do Alcorão de modo tão cego como os partidos de direita pós-modernos aplicam as sagradas leis do mercado e do culto do capital (na forma de uma nação reduzida à localização do investimento económico). Em ambos os casos, a submissão leva ao ódio a todos aqueles que parecem não aplicar isto do mesmo modo (infiéis, "parasitas sociais", desempregados etc).
 
Da consonância que caracteriza tanto o facismo europeu como o islâmico, de submissão e de ódio, resulta que esta submissão é comprada com a renúncia à pulsão. Os portadores destas ideologias sofrem secretamente, sob as diretrizes e mandamentos aberrantes ditados pelo serviço do fetiche, no Corão e no capital, situação em que a personalidade autoritariamente estruturada exclui uma rebelião contra as fontes do sofrimento. É por isso que a raiva assim reprimida é dirigida contra inimigos externos imaginários. Também é inerente a ambas as ideologias uma ilusão de pureza típica da fixação anal, que no caso da extrema-direita se aplica à defesa contra os "parasitas" da pureza do povo, da nação, ou da localização do investimento económico, enquanto no islamismo é distorcida pela mania da preservação do culto religioso.
 
As disposições autoritárias que impulsionam a extrema-direita, tanto árabe como europeia, são adquiridas logo na primeira infância na família patriarcal ou de classe média, designada pelo psicanalista Wilhelm Reich. no seu estudo Psicologia de massas do fascismo, publicado em 1933, como a "célula embrionária do Estado autoritário". O Estado e a igreja continuam a estruturação autoritária do indivíduo iniciada na familia patriarcal-autoritária. Central aqui é a repressão sexual, como diz Reich:
 
"A estruturação autoritária do ser humano... é feita centralmente pela ancoragem de inibição sexual e de medo perante o material vivo das pulsões sexuais. Ou seja... a sexualidade é excluída das trajetórias naturalmente dadas de satisfação pelo processo de repressão sexual, assim trilhando caminhos de satisfação substitutiva de vários tipos. Por exemplo, a agressão natural aumenta para o sadismo brutal".
 
Estas observações, tendo em vista o nacional-socialismo alemão, também se aplicam, obviamente, à realidade da vida de muitas pessoas nos países árabes em crise. Não é só no tratamento brutal das mulheres “raptadas” por combatentes do Estado Islâmico que se expressa o "sadismo brutal" constituído pela repressão sexual, também os brutais ataques contra as mulheres durante o levantamento no Egipto foram alimentados por essa frustração sexual.
 
Em parte, o aumento nas últimas décadas da pressão para o uso do véu em muitas sociedades islâmicas pode ser atribuído à interação da dinâmica de crise económica e da islamização relacionada com a crise. O Islão proíbe estritamente o sexo antes do casamento, mas simultaneamente a crise da sociedade do trabalho capitalista produz no mundo árabe um exército de jovens economicamente supérfluos, que simplesmente não podem pagar a fundação de uma família. A repressão sexual ideologicamente compelida pelo islamismo, portanto, perante o agravamento da crise resulta no ódio exuberante às mulheres, cuja visão o islamista apenas consegue suportar, sem ser dominado por sua pulsão sexual degenerada em mero sadismo, sob o véu de rosto inteiro.
 
O banimento das mulheres do espaço público visado pelo islamismo, no entanto, é impulsionado principalmente por um outro factor, que resulta do falhanço da modernização capitalista desta região periférica do mercado mundial. A imposição histórica do capitalismo foi acompanhada pela "dissociação" de todos os domínios da reprodução social que não podem ser absorvidos no processo de valorização do capital, como a lida da casa e o trabalho com a família, que foram então atribuídos à esfera do "feminino". O trabalho com a família e doméstico é até hoje considerado sem valor, uma vez que não cria valor, não é directamente parte do processo de valorização do capital. A esfera do trabalho criador de valor, pelo contrário, foi até bem dentro do século XIX determinada como exclusivamente masculina; o homem "duro" e actuando racionalmente teve de afirmar-se como ganha-pão no mercado, enquanto à mulher era atribuída a esfera do privado, do sensual-irracional e do cuidar e tratar. Esta cisão entre a esfera pública masculina do trabalho criador de valor (assim como da política, da arte e da ciência) e a esfera privada feminina do trabalho "sem valor" constituíu a base da discriminação das mulheres nos países capitalistas, que apenas na primeira metade do século XX conseguiria ser superada, pelo menos formalmente (o sufrágio feminino).
 
Na família patriarcal medieval – que em mais de 90 por cento era de facto uma família de camponeses – também havia uma divisão de trabalho entre marido e mulher, mas as suas actividades estavam de igual modo viradas para a satisfação directa das necessidades e não para a acumulação de capital. As categorias de valor e trabalho abstracto pura e simplesmente não existiam, pelo que as actividades femininas também não tinham de ser menorizadas. A demonização da mulher, do feminino sensual, começou na Europa apenas no início da era moderna, na esteira do colapso da ordem social feudal medieval e do surgimento dos primeiros começos da economia capitalista; só esta trouxe consigo a dissociação, monstruosa e incompreendida para as pessoas daquele tempo, da esfera do privado feminino relativamente ao regime emergente da valorização do capital. A demonização das mulheres expressou-se na caça às bruxas, que dominou com mão de ferro a Europa e a América do Norte do século XVI ao século XVIII e de que foram vítimas dezenas de milhares de mulheres e meninas. Central em quase todos os processos, que na maioria corriam em tribunais seculares, era a acusação de que as supostas bruxas teriam praticado relações sexuais com o diabo, ou com os demónios, a fim de ganharem os seus "poderes sobrenaturais". E foi justamente a alucinada aplicação destas forças demoníacas femininas que foi culpada pelo caos em que se encontravam as sociedades proto-modernas em vias de transformação sistémica.
 
Não há acusação que coloque hoje em maior perigo de vida uma mulher no Afeganistão, na Líbia ou na Arábia Saudita do que a de relações sexuais extraconjugais. A transformação sistémica para o capitalismo e para o mercado mundial, que levou séculos sangrentos a completar na Europa, desabou na periferia com a intensidade de um desastre natural, completou-se em muito menos tempo (algumas décadas), com a concomitante dissociação dos domínios da vida conotados com o feminino e sem acesso à valorização do capital – e teve consequentemente uma pressão ideológica para a legitimidade muito mais elevada, presssão perante a qual as estruturas patriarcais tradicionais tiveram de ser postas em concordância com as "novas" formas capitalistas de socialização.
 
A grande diferença histórica entre a Europa e a Arábia é que a modernização capitalista falhou entre o Hindu Kush e as Montanhas do Atlas. Nestes países atingidos pela crise, que muitas vezes já estão afectados pelo dsmoronamento do Estado, já não se vai estabelecer qualquer sociedade capitalista do trabalho funcional, capaz de promover a secularização dessas sociedades. O fracasso da modernização e a dinâmica de crise que com ele se espalha levam assim a um endurecimento da ideologia de crise islamista e do autêntico tabu do feminino: Como se a ocultação total e o banimento total da mulher da vida pública permitissem aos homens, apesar da crise global do capital, continuarem a operar como sujeitos autocráticos do mercado.
 
No presente bárbaro da ideologia e da prática islamistas, o ocidente liberal capitalista encontra, portanto, os ecos do seu passado sangrento. Mais ainda: o núcleo bárbaro de socialização capitalista vem à tona no islamismo extremista tal como na extrema-direita. Reflectida nos horrores do Estado Islâmico, a comunidade ocidental do valor vê-se ao espelho. Nada poderia ser mais equivocado do que acreditar piamente no "choque de civilizações" proclamado por ambos os lados extremistas. A cultura ocidental não é o pólo positivo oposto à loucura jihadista. Na actual crise sistémica, tanto a extrema-direita como o islamismo são destilados pelos centros ocidentais liberais do sistema capitalista mundial.
 
Obviamente, como exposto no início, no plano geopolítico o apoio político, financeiro e militar ao jihadismo desde os anos 80 do século XX – quando os fundamentalistas islamistas entraram na Guerra Santa contra o comunismo ateu no Afeganistão, com o apoio do Ocidente – faz parte da geopolítica do Ocidente. Um certo Osama Bin Laden pôde fazer a sua primeira experiência militar sob tutela da CIA no Afeganistão. A Arábia Saudita, o regime fundamentalista mais brutal do mundo, é um aliado próximo do Ocidente, armado ao mais alto nível com fornecimentos de armas de milhares de milhões de dólares.
 
Mas é sobretudo a crise económica que emana dos centros e devasta a periferia que em primeiro lugar cria as hostes de jovens economicamente supérfluos que, na falta de perspectivas, estão prontos a juntar-se ao culto da morte dos jihadistas. A sobrevivência árdua no inferno das economias em colapso do Iraque, da Síria ou do Afeganistão é tão insuportável que eles estão dispostos a trocá-la pela perspectiva ilusória de um paraíso no outro mundo.
 
Finalmente, os reflexos ideológicos e identitários deste processo de crise são muito semelhantes tanto no Ocidente como no Oriente. Há um retorno autoritário à identidade religiosa ou nacional, que impulsiona até um extremo ideológico as ideias nacionais ou religiosas existentes e leva a uma mobilização militante contra inimigos externos ou dissidentes internos. O islamismo é assim – tal como a extrema-direita – um produto da crise mundial do capital.

 Tomasz Konicz
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