Mick Jagger diz que tentou imitar no palco a dança de James Brown. Mas
seu movimento que mais me chama a atenção são as caminhadas altivas e
longas, peito erguido, cabeça levantada, em que ele, lindo como
cavaleiro da Coroa e orgulho da raça, lembra um Ricardo III que seja
homem-e-cavalo de uma só vez. E lá vai o carteiro, atávico
cavalo-estafeta, indo e vindo por toda a extensão do palco, sem pausa,
levando e trazendo notícias de toda e para toda a parte. O rock foi uma
grande notícia sobre a Terra. Imprimiu transformações na vida e nos
costumes. Notícias como as que destruíram os cinemas americanos na
estreia do inesquecível No Balanço das Horas, em que Bill Halley tocou o
estonteante Rock around the clock (Deus tenha piedade de nós).
Apesar de guerreiro destruidor, o rock não é tão
pessimista quanto a obra Angelus, de Paul Klee, porque, gostem ou não os
conservadores, ele, mesmo avassalador, contém em seu ventre a semente
para substituir o que foi.
Mickavalo Jagger é, mais que a enfraquecida Rainha
Elizabeth e que o opaco príncipe herdeiro, o Cavaleiro que mantém um
pouco do prestígio mundial que envolvia o Império Britânico, hoje
contraído e despojado de Jagger. E assim segue o Cavaleiro em diversas
frentes: 1) Recompõe, pela canção, parte da presença do Império e
abarrota os cofres da Coroa com direitos autorais, pondo na boca e no
coração do Planeta trovas e canções de fonte de inspiração britânica. 2)
Empenha-se na tarefa de espalhar o seu sêmen imperial, mantendo um
harém descontínuo nos cinco continentes, gerando filhos que se tornam
conhecidos ou não – a depender das conveniências sociais de cada uma das
régias concubinas eleitas.
Estas, numa função tão importante para a Coroa,
são criaturas escolhidas com esmero. Sir Jagger não sairia por aí
espalhando o régio sêmen a não ser na cavidade adequada das moças mais
geneticamente promissoras, transformando o prazer pessoal numa
experiência geradora que venha apurar a descendência do Rei Artur e de
sua Távola Redonda. O harém imperial merece mais considerações técnicas.
É criado com feições e estratégias de uma guerra de guerrilha. Não há
quartel estabelecido, não há soldados fardados que possam de antemão ser
reconhecidos, não se sabe dia, país ou hora em que o harém vai se
instalar. Os detalhes ficam a cargo do feeling do cavaleiro Jagger.
Ele tem de possuir no olho um verdadeiro
laboratório de avaliação genética que, com o ‘glimpse’ de um raio,
identifique entre as moças que tiveram a astúcia e habilidade de passar
pela segurança e chegar ao seu camarim qual seria uma parceira adequada
para a procriação que, ali mesmo, num canto de banheiro, atrás de alguma
porta, ou num fortuito corredor, possa ser a depositária do régio
sêmen, passando a ter a responsabilidade de gerar um descendente digno
de Galahad, Lancelote, Palamedes, Percival e de todas as Távolas e
possessões.
No passado, os poderosos do governo britânico
diziam que seu império era tão extenso que, com sua imensidão, “o sol
nunca se punha”. Nos dias atuais do império enfraquecido, só o harém de
Mick Jagger tem cacife para repetir o provérbio.
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