1. Que diferenças você enxerga no trabalho de luto relativo
aos anos de ditadura no Chile e Argentina quando comparados com o
Brasil? Como essas diferenças podem ser evidenciadas na produção
literária pós-ditatorial desses países?
A diferença mais notável, sem dúvida, é que no Brasil o processo de
denegação e ocultamento do passado não tem paralelo entre os vizinhos. A
transição brasileira se parece mais com a chilena, na medida em que, em
ambos os países, os militares mantiveram um controle sobre o processo
que não se verifica na queda abrupta dos generais argentinos. Na
Argentina, claro, inicia-se já com o governo Alfonsín, em 1983, um amplo
acerto de contas com o passado, temporariamente suspenso em nível
judicial com as leis de obediência devida e de ponto final e
restabelecido depois, com Néstor Kirchner. Esse acerto de contas
político e jurídico cria condições para uma abordagem clara do problema
na própria sociedade, literatura incluída. Nenhum país da região possui
um acervo de reflexão e representação da barbárie do passado recente
comparável ao que possuem os argentinos, especialmente no cinema e na
literatura. Mesmo no Chile, onde a lei de anistia de 1978 funcionou mais
ou menos como a lei de anistia brasileira de 1979, o acerto de contas
com o regime militar avançou incomparavelmente mais que no Brasil. Desde
2004, 700 agentes do Estado chileno foram investigados e acusados de
crimes em tribunais. Por volta de 30% deles cumpriram penas. Parte da
razão para isso, segundo a hipótese de meu amigo Anthony Pereira,
pesquisador do tema, é que a repressão ditatorial brasileira foi
judicializada num grau muito maior que em nossos vizinhos. Ou seja, no
Brasil o próprio Judiciário – STF incluído – condenou prisioneiros
políticos com base em “provas” arrancadas sob tortura. Nossa tradição
amnésica e apaziguadora não tem paralelo entre os vizinhos, que
tematizaram os horrores das suas ditaduras muito mais frequente e
intensamente, mesmo na literatura.
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