28 novembro 2014
"O que #ferguson
tem em comum com o Brasil, especialmente considerando recentes
massacres como o que ocorreu em Belém e os assassinatos cotidianos no
Rio de Janeiro militarizado? Simples: sociedades duais que tiveram
desde o início que articular em termos teóricos e políticos uma divisão
entre um discurso normativo liberal e uma prática materialmente
escravista. Sociedades que não apenas conviviam com a contradição, mas
fizeram dela seu próprio ethos. Essa separação mostra
que o racismo é a matriz fundamental da divisão social na América e
cinde a ordem jurídica biopoliticamente. Assim, quem quer entender o que
significa a ideia de "estado de exceção permanente" (como vi esses dias
alguém ironizando), precisa compreender essa programação dual como um
perverso experimento biopolítico específico da nossa realidade que se
confirma diariamente (de Ferguson a Rafael Braga Vieira, passando pelos
milhares de Amarildos que formam pilhas e pilhas de Autos de
Resistência), sem querer apenas traduzi-lo em termos de "insuficiência"
ou "falta" em relação às configurações europeias e com isso silenciar
sua configuração positiva." - Moyses Pinto - Facebook
26 novembro 2014
"esse desejo de fazer justiça ao outro é o que faz com que Derrida
afirme que a Desconstrução é o que acontece, ela está no mundo, e, nesse
sentido, cabe então ao filósofo a tarefa de pensar tais acontecimentos,
configurando um engajamento radical com a realidade (tal como entendida
por Derrida). É nesse sentido que, mais do que um desconstrutor, ou
seja, o sujeito que desconstrói, o filósofo deve ser aquele que pensa as
desconstruções, pois as estruturas, os
textos, os discursos já se apresentam a nós carregando no íntimo a
própria desconstrução. Como disse certa vez Derrida, a Desconstrução
consiste em enxergar a partição no coração dos conceitos, pois estes já
são desde sempre partidos – e só conseguirá ver tal partição o filósofo
que também tiver seu coração partido, ou seja, que carregar nele mesmo a
marca da interdição e conseguir suportá-la. O filósofo, em seu amor
pelo mundo, deve suportar estar diante do trauma que é a desconstrução
do próprio mundo, da precariedade de sentidos e da espectralidade do
real, e estar sempre disposto a denunciar toda e qualquer postura
autoritária que tente apresentar o mundo em sua plenitude, o real em sua
totalidade, espantando assim o assombro originário que é o que inaugura
a própria filosofia".
Daniela Lima - Facebook
25 novembro 2014
O feminismo não é um humanismo
POR BEATRIZ PRECIADO
Durante uma de suas
“conversações infinitas”, Hans-Ulrich Obrist me pede para fazer uma
pergunta urgente, que artistas e movimentos políticos deveriam responder
em conjunto. Eu digo: “Como viver com os animais? Como viver com os
mortos?”. Outra pessoa pergunta: “E o humanismo? E o feminismo?”
Senhoras, senhores e outros, de uma vez por todas, o feminismo não é um
humanismo. O feminismo é um animalismo. Dito de outro modo, o animalismo
é um feminismo dilatado e não antropocêntrico.
Não foram o
motor a vapor, a imprensa ou a guilhotina as primeiras máquinas da
Revolução Industrial, mas sim o escravo trabalhador da lavoura, a
trabalhadora do sexo e reprodutora, e os animais. As primeiras máquinas
da Revolução Industrial foram máquinas vivas. Assim, o humanismo
inventou um outro corpo que chamou humano: um corpo soberano, branco,
heterossexual, saudável, seminal. Um corpo estratificado, pleno de
órgãos e de capital, cujas ações são cronometradas e cujos desejos são
os efeitos de uma tecnologia necropolítica do prazer. Liberdade,
igualdade, fraternidade. O animalismo revela as raízes coloniais e
patriarcais dos princípios universais do humanismo europeu. O regime de
escravidão, e depois o regime de trabalho assalariado, aparece como o
fundamento da liberdade dos “homens modernos”; a expropriação e a
segmentação da vida e do conhecimento como o reverso da igualdade; a
guerra, a concorrência e a rivalidade como operadores da fraternidade.
O
Renascimento, o Iluminismo, o milagre da revolução industrial repousam,
portanto, sobre a redução de escravos e mulheres à condição de animais e
sobre a redução dos três (escravos, mulheres e animais) à condição de
máquinas (re-) produtivas. Se o animal foi um dia concebido e tratado
como máquina, a máquina se torna pouco a pouco um tecnoanimal vivo entre
os animais tecnovivos. A máquina e o animal (migrantes, corpos
farmacopornográficos, filhos da ovelha Dolly, cérebros eletrodigitais)
se constituem como novos sujeitos políticos do animalismo por vir. A
máquina e o animal são nossos homônimos quânticos.
Já que toda
a modernidade humanista soube apenas fazer proliferar tecnologias da
morte, o animalismo deverá convidar a uma nova maneira de viver com os
mortos. Com o planeta como cadáver e como fantasma. Transformar a
necropolítica em necroestética. O animalismo torna-se portanto uma festa
fúnebre. Uma celebração do luto. O animalismo é rito funerário,
nascimento. Uma reunião solene de plantas e de flores em torno das
vítimas da história do humanismo. O animalismo é uma separação e um
acolhimento. O indigenismo queer, a pansexualidade planetária que
transcende as espécies e os sexos, e o tecnoxamanismo, sistema de
comunicação interespécies, são dispositivos de luto.
O
animalismo não é um naturalismo. É um sistema ritual total. Uma
contratecnologia de produção da consciência. A conversão para uma forma
de vida, sem qualquer soberania. Sem qualquer hierarquia. O animalismo
institui seu próprio direito. Sua própria economia. O animalismo não é
um moralismo contratual. Ele recusa a estética do capitalismo e sua
captura do desejo pelo consumo (de bens, ideias, informações, corpos).
Ele não repousa nem sobre a troca nem sobre o interesse individual. O
animalismo não é a revanche de um clã contra outro clã. O animalismo não
é um heterosexualismo, nem um homossexualismo, nem um transssexualismo.
O animalismo não é nem moderno nem pós-moderno. Posso afirmar, sem
brincadeira alguma, que o animalismo não é um hollandisme. Não é um
sarkozysme ou bleumarinisme [NT: Referências a François Hollande,
Nicolas Sarkozy et Marine Le Pen]. O animalismo não é um patriotismo.
Nem um matrionismo. O animalismo não é um nacionalismo. Nem um
europeísmo. O animalismo não é nem um capitalismo, nem um comunismo. A
economia do animalismo é um benefício total de tipo não agonístico. Uma
cooperação fotossintética. Um gozo molecular. O animalismo é o vento que
sopra. É o caminho através do qual o espírito da floresta de átomos
ainda alcança os seres que voam. Os humanos, encarnações mascaradas da
floresta, deverão se desmascarar do humano e se mascarar novamente do
saber das abelhas.
A mudança necessária é tão profunda que se
costuma dizer que ela é impossível. Tão profunda que se costuma dizer
que ela é inimaginável. Mas o impossível está por vir. E o inimaginável
nos é devido. O que era o mais impossível e inimaginável, a escravidão
ou o fim da escravidão? O tempo de animalismo é o do impossível e o do
inimaginável. Este é o nosso tempo: o único que nos resta.
* Traduzido do francês por Charles Feitosa. Revisão Técnica: Alessandro Sales e Paulo Oneto.
Beatriz Preciado
(Burgos/Espanha, 1970) é filósofa, autora de numerosos ensaios e dos
livros Manifiesto Contrasexual (Barcelona:Opera Prima, 2002) e mais
recentemente de Testo Yonqui: sexo, drogas y biopolítica (Madrid,
Espasa-Calpe, 2008). Atualmente ensina Teoria de Gênero na Universidade
de Paris VIII, na École des Beaux Arts de Bourges e no Programa de
Estudos Independentes do Museu d’Art Contemporani de Barcelona.
link: aqui
23 novembro 2014
O sêmen de Jagger e a perpetuação da raça rock and roll - Tom Zé
Mick Jagger diz que tentou imitar no palco a dança de James Brown. Mas
seu movimento que mais me chama a atenção são as caminhadas altivas e
longas, peito erguido, cabeça levantada, em que ele, lindo como
cavaleiro da Coroa e orgulho da raça, lembra um Ricardo III que seja
homem-e-cavalo de uma só vez. E lá vai o carteiro, atávico
cavalo-estafeta, indo e vindo por toda a extensão do palco, sem pausa,
levando e trazendo notícias de toda e para toda a parte. O rock foi uma
grande notícia sobre a Terra. Imprimiu transformações na vida e nos
costumes. Notícias como as que destruíram os cinemas americanos na
estreia do inesquecível No Balanço das Horas, em que Bill Halley tocou o
estonteante Rock around the clock (Deus tenha piedade de nós).
Apesar de guerreiro destruidor, o rock não é tão
pessimista quanto a obra Angelus, de Paul Klee, porque, gostem ou não os
conservadores, ele, mesmo avassalador, contém em seu ventre a semente
para substituir o que foi.
Mickavalo Jagger é, mais que a enfraquecida Rainha
Elizabeth e que o opaco príncipe herdeiro, o Cavaleiro que mantém um
pouco do prestígio mundial que envolvia o Império Britânico, hoje
contraído e despojado de Jagger. E assim segue o Cavaleiro em diversas
frentes: 1) Recompõe, pela canção, parte da presença do Império e
abarrota os cofres da Coroa com direitos autorais, pondo na boca e no
coração do Planeta trovas e canções de fonte de inspiração britânica. 2)
Empenha-se na tarefa de espalhar o seu sêmen imperial, mantendo um
harém descontínuo nos cinco continentes, gerando filhos que se tornam
conhecidos ou não – a depender das conveniências sociais de cada uma das
régias concubinas eleitas.
Estas, numa função tão importante para a Coroa,
são criaturas escolhidas com esmero. Sir Jagger não sairia por aí
espalhando o régio sêmen a não ser na cavidade adequada das moças mais
geneticamente promissoras, transformando o prazer pessoal numa
experiência geradora que venha apurar a descendência do Rei Artur e de
sua Távola Redonda. O harém imperial merece mais considerações técnicas.
É criado com feições e estratégias de uma guerra de guerrilha. Não há
quartel estabelecido, não há soldados fardados que possam de antemão ser
reconhecidos, não se sabe dia, país ou hora em que o harém vai se
instalar. Os detalhes ficam a cargo do feeling do cavaleiro Jagger.
Ele tem de possuir no olho um verdadeiro
laboratório de avaliação genética que, com o ‘glimpse’ de um raio,
identifique entre as moças que tiveram a astúcia e habilidade de passar
pela segurança e chegar ao seu camarim qual seria uma parceira adequada
para a procriação que, ali mesmo, num canto de banheiro, atrás de alguma
porta, ou num fortuito corredor, possa ser a depositária do régio
sêmen, passando a ter a responsabilidade de gerar um descendente digno
de Galahad, Lancelote, Palamedes, Percival e de todas as Távolas e
possessões.
No passado, os poderosos do governo britânico
diziam que seu império era tão extenso que, com sua imensidão, “o sol
nunca se punha”. Nos dias atuais do império enfraquecido, só o harém de
Mick Jagger tem cacife para repetir o provérbio.
link: aqui
19 novembro 2014
Desarquivando o Brasil: entrevista sobre literatura e luto nas pós-ditaduras com Idelber Avelar
1. Que diferenças você enxerga no trabalho de luto relativo
aos anos de ditadura no Chile e Argentina quando comparados com o
Brasil? Como essas diferenças podem ser evidenciadas na produção
literária pós-ditatorial desses países?
A diferença mais notável, sem dúvida, é que no Brasil o processo de
denegação e ocultamento do passado não tem paralelo entre os vizinhos. A
transição brasileira se parece mais com a chilena, na medida em que, em
ambos os países, os militares mantiveram um controle sobre o processo
que não se verifica na queda abrupta dos generais argentinos. Na
Argentina, claro, inicia-se já com o governo Alfonsín, em 1983, um amplo
acerto de contas com o passado, temporariamente suspenso em nível
judicial com as leis de obediência devida e de ponto final e
restabelecido depois, com Néstor Kirchner. Esse acerto de contas
político e jurídico cria condições para uma abordagem clara do problema
na própria sociedade, literatura incluída. Nenhum país da região possui
um acervo de reflexão e representação da barbárie do passado recente
comparável ao que possuem os argentinos, especialmente no cinema e na
literatura. Mesmo no Chile, onde a lei de anistia de 1978 funcionou mais
ou menos como a lei de anistia brasileira de 1979, o acerto de contas
com o regime militar avançou incomparavelmente mais que no Brasil. Desde
2004, 700 agentes do Estado chileno foram investigados e acusados de
crimes em tribunais. Por volta de 30% deles cumpriram penas. Parte da
razão para isso, segundo a hipótese de meu amigo Anthony Pereira,
pesquisador do tema, é que a repressão ditatorial brasileira foi
judicializada num grau muito maior que em nossos vizinhos. Ou seja, no
Brasil o próprio Judiciário – STF incluído – condenou prisioneiros
políticos com base em “provas” arrancadas sob tortura. Nossa tradição
amnésica e apaziguadora não tem paralelo entre os vizinhos, que
tematizaram os horrores das suas ditaduras muito mais frequente e
intensamente, mesmo na literatura.
link: aqui
"Há uma dimensão da perspectiva que só se dá quando há a passagem de um
discurso entre diferentes meios. Essa propriedade, empregada de uma
maneira bastante especial tanto por Bolaño como por Tarkóvski, é o que
torna possível pensar um ritmo para o saber de cor lá que leva em
consideração um colapso do material e do tempo, no qual um se converte
no outro, ao exercerem forças imensas sobre si mesmos." - Link: aqui
"Desde
que comecei a escrever na internet, mantenho um arquivo word chamado
"Observatório da morte das palavras", em que vou apontando as mudanças
na pragmática de certos termos. Por pragmática aqui me refiro ao ramo da
Linguística que estuda os usos das palavras; não o seu sentido -- isso
seria tarefa da Semântica --, nem nenhum de seus atributos formais
(Morfologia, Fonologia etc.), mas a evolução do seu uso.
É
impressionante revisitar esse arquivo e ver quanta coisa mudou em 10
anos. Palavras morrem por sobreuso e também pelo abandono. Podem se
transformar em mortas vivas, caso em que elas continuam sendo usadas,
mas vão perdendo sua força. Para um ativista, isso é matéria essencial: a
mesma posição política, informada pelo mesmo grau de pesquisa e
vivência, o mesmo respeito pelo interlocutor, a mesma polidez, pode
produzir dois efeitos totalmente diferentes se enunciada com dois grupos
de palavras, um que ainda mantém sua força e outro composto por
palavras-zumbis. No momento, ando notando a curiosa zumbificação que
acomete duas palavras, "protagonismo" e "objetificação".
Mas
nada se compara ao aconteceu, nestes 10 anos, com as palavras
"latifúndio" e "latifundiário". Elas desapareceram dos dialetos da
língua portuguesa falados no Brasil. Até as décadas de 1980 e 1990, eram
termos comuns e correntes para designar uma determinada realidade. Essa
realidade ainda existe, mas as palavras sumiram. O latifúndio continua
lá? Sim. A Reforma Agrária foi feita? Não. Mas já não falamos de
latifundiários, e sim de "produtores" ou, um pouco menos ruim,
"ruralistas".
Esta foi uma vitória considerável do latifúndio.
"Produtor" é um escárnio porque, como sabemos, o latifundiário não
produz nada (mesmo nos casos em que o latifúndio é produtivo); quem
produz são os trabalhadores que ele emprega. "Ruralista" apaga
completamente a origem de classe do latifundiário, de tal maneira que
mesmo pessoas de camadas médias ou pobres que vivem no campo passam a
sentir-se atacadas quando os "ruralistas" são criticados. Observo isso
em pessoas próximas a mim, que não são, de forma nenhuma, grandes
proprietários de terra, mas que se identificam com o termo "ruralista",
com a cultura que ele designa e passam, portanto, a fazer parte de um
bloco político que defende interesses que não são necessariamente os
delas.
Nesta última década, não só desapareceu a possibilidade
da Reforma Agrária. Desapareceu a palavra que designava a horrenda
realidade que ela deveria corrigir. Embora a realidade continue lá, do
mesmo jeito."
15 novembro 2014
ESSE MUNDO JÁ ERA!
Como viver no Antropoceno
Numa sexta-feira de agosto, foram abertas as inscrições para Os Mil Nomes de Gaia, colóquio que reuniria no Rio de Janeiro pensadores de vários países que vêm refletindo sobre a mudança do clima e a crise ambiental global. Atraído pelas estrelas acadêmicas de primeira grandeza, o público esgotou em cerca de uma hora e meia os ingressos para cada um dos cinco dias de programação.
Realizado na terceira semana de setembro, na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, o evento também teve transmissão pela web. Foi concebido pelo antropólogoEduardo Viveiros De Castro, do Museu Nacional da UFRJ, pela filósofa Déborah Danowski, da PUC do Rio, e pelo antropólogo francês Bruno Latour, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, ou Sciences-Po.
Na semana do colóquio, a NOAA, agência federal americana que monitora os oceanos e a atmosfera, anunciou que a temperatura média da superfície do planeta registrada em agosto foi a mais alta para esse mês desde 1880, quando as medições começaram a ser feitas de modo sistemático. A continuar nesse ritmo, 2014 pode se tornar o ano mais quente já documentado, na contramão da suposta estagnação do aquecimento global alardeada pelos céticos do clima.
O aquecimento da Terra, a faceta mais falada da crise ambiental, integra um quadro de ameaças não menos perturbadoras, como a acidificação dos oceanos ou a perda acelerada da biodiversidade e da cobertura vegetal, todos eles processos interligados. A riqueza de detalhes com que a catástrofe vem sendo descrita contrasta com a inércia de governos, empresas e sociedades civis – um relatório divulgado em setembro mostrou que em 2013 as emissões de gases do efeito estufa aumentaram 2,3% em relação ao ano anterior.
No ano 2000, o biólogo americano Eugene Stoermer e o químico holandês Paul Crutzen, prêmio Nobel em 1995, propuseram que se alterasse a linha do tempo com que os cientistas medem os éons, épocas e períodos geológicos, de modo a refletir as transformações no planeta causadas pelas atividades do homem. Segundo eles, as marcas da ação humana continuarão visíveis por milênios, gravadas nas camadas geológicas da Terra. Paleontólogos de um futuro longínquo – ou mesmo de outra civilização, caso a nossa venha a ser dizimada – provavelmente saberão identificar a alteração brusca na composição da atmosfera e as demais mudanças ambientais que provocamos, por meio dos fósseis de incontáveis espécies extintas, rejeitos radioativos, toneladas de plástico e outros rastros da nossa passagem devastadora pelo globo.
A essa época em que nossa espécie se tornou uma força geológica, Stoermer e Crutzen sugeriram dar o nome Antropoceno. Numa aula recente, Viveiros de Castro explicou que o conceito marca um colapso de escalas – a história do planeta e a da espécie humana, antes nas mãos de disciplinas distintas, agora se confundem. “O capitalismo passa a ser um episódio da paleontologia.”
Desde que foi proposto, o termo Antropoceno vem sendo apropriado por especialistas de várias disciplinas. No entanto, a União Internacional de Ciências Geológicas, guardiã da escala do tempo, ainda não o adotou oficialmente. A ideia esteve na pauta do último congresso da entidade, em 2012, quando uma comissão discutiu se o sinal da presença humana nas camadas geológicas é forte e distinto o bastante para justificar a formalização de uma nova época. Discussão inconclusiva, decisão adiada para o congresso de 2016: até lá, continuamos vivendo no Holoceno, iniciado há 12 mil anos, ao final da última glaciação.
Não há consenso sobre quando teria começado o Antropoceno. Crutzen vê sua origem na invenção da máquina a vapor em 1784, marco da Revolução Industrial, mas há quem prefira situá-la no início da agricultura, na era dos grandes descobrimentos ou no início da era nuclear – cada recorte com suas implicações políticas. O nome da nova época também é motivo de discórdia. Ao atribuir a transformação planetária ao anthropos, o termo Antropoceno joga a culpa sobre toda a espécie, embora uns sejam mais responsáveis do que outros. O sociólogo Jason Moore propôs o nome Capitaloceno, enfatizando o modo de produção responsável pelas mudanças globais. “Essa opção focaliza as causas mais que as consequências, mas perde de vista o fato de que é possível sair do capitalismo, mas não do Antropoceno”, ponderou Viveiros de Castro. “Quando o capitalismo acabar, o planeta vai continuar registrando, por muito tempo, os efeitos da Revolução Industrial e da emissão de gás carbônico.”
O dia da palestra de Bruno Latour – o nome de maior projeção dentre os convidados do colóquio – foi o primeiro a ter as entradas esgotadas. Nascido na Borgonha há 67 anos, Latour se formou em filosofia e atuou como sociólogo e antropólogo das ciências. Nas últimas quatro décadas, tem proposto uma nova forma de enxergar a produção do conhecimento científico, rejeitando noções como o excepcionalismo humano ou o dualismo entre natureza e sociedade, e entre sujeito e objeto. Conquistou uma legião de seguidores em várias disciplinas, mas também alguns críticos. No ano passado, recebeu o prêmio Holberg, citado em seu currículo como “o equivalente mais próximo do Nobel para as humanidades e ciências sociais”. Criado em 2003 pelo governo norueguês, o prêmio já foi concedido a nomes como Jürgen Habermas e Manuel Castells.
Latour usa óculos de armação grossa e tem os cabelos pretos repartidos de lado, contrastando com o grisalho das fartas sobrancelhas e do cavanhaque. Durante um almoço na semana do evento, ele contou que seu interesse pela crise ecológica começou nos anos 90, quando orientou doutorados sobre controvérsias ambientais, fez um estudo para o Ministério do Meio Ambiente e escreveu Políticas da Natureza. “Mas foi por volta de 2005 que passei a me interessar por Gaia, incorporando o termo como figura da atualidade.”
O químico James Lovelock se inspirou em Gaia – deusa mãe da mitologia grega que personifica a Terra – para batizar a hipótese que descreve o planeta como um sistema complexo autorregulável, com comportamento semelhante ao de um organismo vivo. Sua proposta, formulada nos anos 70, projetou a imagem de Gaia, que fez sucesso na cultura pop e entre alguns cientistas, mas nem todos compraram a ideia. Junto com outros colegas, Latour vem redefinindo o conceito em livros, artigos e conferências. Na abertura do colóquio, o francês alertou para o risco de um pensamento holístico que despreze a multiplicidade de Gaia. “Se a tratarmos como uma totalidade, ela será apenas uma possibilidade de recarregar as formas de modernismo que se esgotaram justamente por causa da crise ecológica.”
Em suas últimas publicações e conferências, Latour tem mostrado como a crise ambiental é marcada por um novo tipo de controvérsia, cuja resolução já não pode ser arbitrada pela ciência. “É fácil entender por que as pessoas não correm para depositar confiança nos resultados dos cientistas”, considerou o francês. “Eles anunciam fatos que estão tão bem estabelecidos quanto os fatos mais bem estabelecidos da história das ciências, mas pedem que você mude sua vida.”
Para Latour, a crise põe em xeque as distinções tradicionais entre fatos e valores, forjadas num mundo em que a ciência cuida dos objetos, e a política, dos sujeitos. Mas não há como fazer ciência desinteressada no mundo de Gaia. Latour notou que afirmar que a água ferve a 100 graus centígrados é uma coisa; constatar que a concentração atmosférica de gás carbônico chegou a 400 partes por milhão, como aconteceu em 2013, é outra bem distinta. “Nenhum climatologista pode ouvir essa frase e passar a outro tópico”, ele lembrou. “A constatação soa como uma sirene ensurdecedora.”
E, no caso dele próprio, a gravidade de suas reflexões não o impele à ação? “Sempre desconfiei dos intelectuais engajados”, respondeu Latour, que acredita ser mais útil fazendo o que faz – dando aula, mobilizando estudantes e propondo a discussão pública do tema. E, desde 2010, fazendo teatro, que lhe oferece um meio mais flexível para intervir no debate sobre a mudança climática. Seu projeto Gaïa Global Circus já deu origem a duas peças, uma das quais coescrita por ele próprio. Do Rio, o francês embarcou para Nova York, onde armaria o Circo de Gaia na semana em que a cidade recebeu a Cúpula do Clima da onu e a Marcha do Povo pelo Clima, a maior manifestação já feita em torno da causa, com 300 mil pessoas.
Latour condenou o desdém de alguns colegas pelo tema ambiental. “Na França e no Brasil, a questão continua a despertar um sorriso nos intelectuais que, uma vez que leram Foucault e Deleuze e foram vagamente de esquerda, pensam já ter feito seu trabalho para o resto da existência”, disse o francês. “Chamo a isso de quietismo ambiental. No fundo, creio que eles estejam mais próximos dos céticos.”
A ideia de reunir pensadores que refletem sobre a crise ambiental surgiu em 2012, na casa de Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski em Teresópolis, numa conversa com Bruno Latour e sua mulher, Chloé. O antropólogo brasileiro pretendia estimular um debate que ainda é tímido entre seus colegas. “No Brasil, é muito pequena a reflexão das ciências humanas e sociais sobre as mudanças climáticas”, disse. “Essa discussão está pegando fogo no mundo todo, mas a ficha não caiu aqui.”
Ao lado de Déborah, Viveiros de Castro tem tratado do tema em suas intervenções públicas, seja em conferências, seja nas redes sociais. Na semana do colóquio, lançaram Há Mundo por Vir? Ensaio Sobre os Medos e os Fins – um livro que Latour recomenda ler “como se toma uma ducha gelada”, para nos prepararmos para o pior.
Na abertura do colóquio, o antropólogo brasileiro lamentou que o tema do aquecimento global estivesse ausente da imprensa e da agenda eleitoral. Assinalou também uma coincidência irônica: na mesma semana, o Rio de Janeiro sediava outro evento internacional, a Rio Oil & Gas 2014, uma feira da indústria petrolífera que tinha entre os patrocinadores Petrobras, Shell, Total, Statoil, ExxonMobil e outros gigantes do setor que mais emite gases-estufa. O evento recebeu dezenas de milhares de participantes em seus quatro dias, inclusive o vice-presidente Michel Temer, em campanha para a reeleição. “É eloquente o fato de estarmos dividindo o espaço do Rio de Janeiro com os grandes responsáveis por boa parte da crise climática mundial”, disse Viveiros de Castro.
Em sua conferência, sublinhou a importância de o aquecimento global ser discutido pelas humanidades. “Sabemos muito bem o que está acontecendo e quem é o responsável, o que não sabemos é o que fazer e como, e isso está inteiramente fora das competências dos cientistas do clima”, disse. Viveiros de Castro ironizou a proposta que o biólogo americano Edward Wilson fizera semanas antes, de reservar metade do planeta para os organismos não humanos. “Ele não diz exatamente onde vai ficar essa metade, e nem em qual metade ficarão os Estados Unidos”, disse, arrancando risos. “É a típica ideia de jerico de um cientista natural americano. Por isso nós, cientistas antinaturais, precisamos entrar no jogo.”
O time escalado para o colóquio contou sobretudo com filósofos, historiadores e cientistas sociais, mas também incluiu pesquisadores das ciências naturais, como o físico Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará e editor do blog O que Você Faria Se Soubesse o que Eu Sei? Costa disse que não estava ali para dar boas notícias. Projetou slides que ilustravam o ritmo inaudito do aquecimento do sistema climático, o crescimento da forçante radiativa e o risco da emissão na atmosfera de uma quantidade assombrosa de metano estocada no permafrost ártico. “A besta climática está acordando”, resumiu.
Quando o microfone foi aberto ao público, uma senhora se disse bouleversée, em sintonia com o espírito algo francófilo que permeava o encontro. Sua ficha acabara de cair. “Estou extremamente chocada. Queria fazer uma pergunta ao Alexandre e a todos que detêm esse tipo de conhecimento: Você tem filhos? Como consegue dormir e ser feliz todos os dias?” Costa sacou da mala duas caixas de remédio e agitou-as no ar: “Como eu consigo levar adiante?”, perguntou à plateia. “Jogando dopado!”
Numa conversa no dia seguinte, o físico afirmou que gostaria de provocar reações como aquela em todo mundo. Mas, além da preocupação, ele deseja mobilização. “Uma década atrás precisávamos da esperança das pessoas; hoje queremos o desespero.”
Outro nome estrelado do colóquio foi a belga Isabelle Stengers, uma química convertida em filósofa da ciência que é autora ou coautora de mais de vinte livros e professora da Universidade Livre de Bruxelas desde 1997. Em 2009, lançou No Tempo das Catástrofes: Resistir à Barbárie que Vem Aí, uma reflexão sobre a crise ecológica sem edição em português. Propôs ali a imagem da “intrusão de Gaia” para caracterizar a irrupção irreversível do planeta no primeiro plano de nossas vidas, chamando a atenção dos colegas para o conceito de Lovelock.
Nascida em 1949, Stengers é uma senhora de olhar vivo e fala envolvente. Numa entrevista no último dia do colóquio, ela falou sobre a situação inédita com que se deparam as ciências naturais. “Os cientistas do clima precisam de apoio. Eles devem desconfiar de seus aliados tradicionais – as empresas e o Estado –, que podem se apropriar completamente do problema com consequências catastróficas.” Para a pensadora belga, o momento é de cooperação. “As ciências humanas podem lhes dar a imaginação que a sua formação não lhes deu sobre as consequências que não lhes são familiares”, afirmou. “Se eles puderem povoar sua imaginação, talvez fiquem menos vulneráveis.”
Escalada para a conferência de encerramento, Stengers fez um balanço das discussões travadas durante a semana. Em tom grave, observou que no futuro talvez sejamos confrontados por questionamentos similares aos dos jovens alemães nascidos no pós-guerra, quando descobriram os horrores do Holocausto: “Vocês sabiam, e o que fizeram?” Ela se disse hesitante entre o pesadelo e a vergonha. “Daqui a trinta ou quarenta anos seremos a geração mais odiada.”
por BERNARDO ESTEVEST, Revista Piaui
A candidata do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República, Dilma Rousseff, publicou em seu site oficial um documento em que apresenta suas propostas de políticas públicas para a população lgbt em seu segundo mandato, “13 compromissos para garantir os direitos LGBT” [http://bit.ly/124Qnp2] .
Como afirmei, em mais de uma ocasião, não votarei nem em Dilma nem em Aécio Neves, porque não me filio nem ao projeto político petista nem ao tucano. Não consigo votar criticamente em Dilma, como estratégia para vetar Aécio. Anularei meu voto. Não obstante, compreendo quem votará criticamente na candidata petista.
Após a observação do parágrafo anterior, destinada a evitar interpretações equivocadas, abordo a questão que me interessa. Desde que Dilma apresentou os “13 compromissos para garantir os direitos LGBT”, tenho visto homens e mulheres transgêneros e homens e mulheres cisgêneros homossexuais ou bissexuais divulgando o documento, otimisticamente.
Antes de tudo, observo que, nesta eleição, entre os três principais candidatos à Presidência da República, quem apresentou o melhor conjunto de propostas visando ao bem-estar da população lgbt foi justamente a candidata “fundamentalista religiosa” derrotada no primeiro turno. Entre as propostas do documento apresentado por Dilma, não há uma única menção à legalização, ao menos, da união estável.
Durante os quatro anos do governo Dilma, a população lgbt permaneceu desamparada, tendo a Presidenta negligenciado deliberadamente nossas necessidades, demandas e direitos, em troca do apoio dos políticos fascistas – sim, fascistas! – representantes do conservadorismo religioso, devido às sacrossantas e inexoráveis necessidades de um governismo em nome do qual todas as barbáries são justificáveis – barbáries as quais não foram cometidas apenas contra a população lgbt, a propósito.
Como afirmei, compreendo o voto crítico em Dilma como estratégia para vetar Aécio. Contudo, está além, muito além, muitíssimo além da minha capacidade cognitiva compreender homens e mulheres transgêneros e homens e mulheres cisgêneros homossexuais ou bissexuais, sobretudo se ativistas políticos da causa lgbt, demonstrando adesão entusiástica aos compromissos anódinos assumidos pela candidata do PT, tanto devido a seu deplorável histórico de realizações em prol dos direitos lgbt’s, como devido ao fato de que se com uma mão acena, bem de longe, para a população lgbt, com a outra mão continua apertando firmemente as mãos de fascistas políticos conservadores religiosos.
Fabiano Camilo - Facebook
Sobre a possível entrada do Julien Blanc no Brasil acabo de ver no blog da Lola a seguinte afirmação (feita, segundo ela, por uma diplomata que entrou em contato por e-mail): "A segunda coisa é a PF entender que a mera palestra já constitui um crime e impedir a entrada dele no Brasil, caso ele venha. Mesmo com visto válido, a entrada no Brasil é mera expectativa de direito. Ele pode ser proibido de entrar pela PF caso se entenda que a presença dele é prejudicial à imagem do Brasil no exterior."
Polícia Federal pertence ao poder executivo e em uma democracia não tem poder pra definir que uma mera palestra é crime, nem julgar conteúdo de palestra nenhuma, especialmente quando a palestra sequer foi proferida. Ou seja, Polícia Federal julgar conteúdo de palestra é CENSURA, sim.
E se Polícia Federal vai julgar esse suposto conteúdo (pois a palestra sequer foi proferida!), nada impede que a PF julgue também outros conteúdos e impeça a entrada de quem vier ao Brasil palestrar sobre uso de células tronco, direito ao aborto, descriminalização de drogas, direitos de crianças transsexuais, ou qualquer tema considerado polêmico.
Para ficar num exemplo simples, nada impede que ativistas religiosos (que são em muito maior número e bem mais organizados que feministas) consigam criar petições online e pressionar para barrar a entrada no Brasil de quem venha palestrar defendendo ideias divergentes de sua doutrina. Já sabemos muito bem o quanto o governo atual é refém de posicionamentos religiosos, e não é nada inteligente que movimentos sociais permitam a abertura de mais esse flanco.
E sobre imagem do Brasil no exterior: o Brasil pode escolher a imagem de censor ou de um Estado que não faz censura prévia e que pune quem faz palestra misógina. A julgar pelo auê em torno de uma petição que muda de destinatário com frequência, a opção é pela censura. Depois não venham olhar torto pra quem pede intervenção militar: achar ok que a polícia federal decida se uma palestra não proferida é crime também é uma forma de endossar censura e truculência estatal.
"Não existem partidos políticos susceptíveis de chegar ao poder que duvidem do dogma do mercado. E são estes partidos que com a cumplicidade mediática monopoliza as aparências. Discutem por pequenos detalhes esperando que tudo fique onde está. Brigam por saber quem ocupará os lugares oferecidos pelo parlamentarismo mercantil. Estas estúpidas briguinhas são difundidas pelos meios na intenção de ocultar um verdadeiro debate sobre a escolha da sociedade na qual desejamos viver. A aparência e a futilidade dominam profundamente o afronto e as idéias. Tudo isto não se parece nem de perto nem de longe a uma democracia."
Camila Jourdan
AINDA SOBRE O DISCURSO DO MEDO
Eu vou dizer, pela última vez, o que eu acho deste discurso politicamente vazio pelo qual devemos votar na Dilma para evitar determinadas medidas (ameaças) que seriam bandeiras, pautas, do programa de governo do Aécio. O que realmente pode fazer alguma diferença é a pressão, não é quem ocupa o lugar institucional. Esta pressão pode ser do grande capital ou do povo. Esta é a oposição importante que barra a implicação: 'Se Dilma, então P' e 'Se Aécio, então Q'. Quem decide P ou Q não é quem ganha as eleições, é o conflito de poder na guerra de classes. A Dilma pode ganhar e ocorrer Q, bem como o Aécio pode ganhar e ocorrer P. Quantas vezes vimos isso ocorrer!? Nossa falsa democracia não tem meios para evitar isso. Se a Dilma ganhar e o povo não estiver organizado para exercer pressão, porque foi desviado da sua auto-organização pela falsa via eleitoral que canaliza toda a participação política da sociedade, ela pode inclusive mudar todo o programa político dela e fazer exatamente o programa do PSDB que o povo não terá nenhum meio para cobrar isso, não há nenhuma garantia de que ela não fará isso, como inclusive o PT já fez em relação a vários pontos da sua política e propostas iniciais após ganhar as eleições: o grande capital pressionou e ele acatou. Por outro lado, o Aécio pode ganhar e o povo estar organizado, e, com isso, por isso, ele não conseguir implementar as medidas (horríveis, eu concordo com isso, que fique claro) que propagandeia. A pressão do capital é mais forte que a pressão popular na nossa sociedade não apenas porque (embora isso seja fundamental) o capital detém os meios materiais de produção e reprodução da vida, mas também porque as pessoas têm sua participação política restrita ao voto, por isso é na organização popular que temos que nos focar, só ela pode impedir de fato a adoção das medidas que mais interessam aos donos do capital, só ela pode mudar algo.
Não é a pressão popular em função do voto, como se o povo tivesse poder porque pode “chantagear” seu voto de dois em dois anos. Não, o povo tem poder de pressão porque pode se auto-organizar, porque são as pessoas que fazem as sociedades, é este poder que o governante deve temer como mais forte do que o poder do capital. Enquanto o poder popular ficar restrito ao voto, o população jamais terá poder de barganha, porque o voto é um processo institucional controlável estruturalmente.
NÃO VOTE, SE ORGANIZE!
Camila Jourdan - Facebook
14 novembro 2014
"Este trabalho objetiva repensar a dependência cultural através da leitura de significativos
ensaios da crítica literária brasileira que constroem um diálogo sobre esta temática. De início,
analisamos o Prefácio e a Introdução de Formação da Literatura Brasileira (1959), de
Antonio Candido, procurando reler o posicionamento crítico da voz da tradição aí
representada, especificamente no que se refere ao tema da dependência cultural. Através da
revisão da referência à literatura brasileira como um "galho secundário", na qual Candido
demonstra uma noção de dependência equivalente à noção de subordinação, as repercussões
críticas de Formação, com os trabalhos de Haroldo de Campos, Roberto Schwarz e Luiz
Costa Lima possibilitam uma vasta discussão sobre a historiografia literária elaborada por
Antonio Candido e os recursos teóricos e metodológicos empregados pelo crítico a fim de
expor sua visão sobre a produção e a formação da literatura brasileira. A discussão nos
conduz necessariamente ao questionamento da identidade cultural brasileira, destacando-se a
noção de "nacional por subtração", de Roberto Schwarz, e o diálogo estabelecido por esta
com outros textos, escritos por Haroldo de Campos e Silviano Santiago. Roberto Schwarz
representa a voz da continuidade da tradição da crítica literária inaugurada por Antonio
Candido, o qual repreende a inconstância intelectual brasileira com relação à importação de
idéias estrangeiras. Schwarz critica Haroldo de Campos e Silviano Santiago por revisitarem a
antropofagia oswaldiana proposta, assim como por buscarem influências na teoria do
desconstrucionismo francês e destacar o diálogo entre culturas, a diferença e o entre-lugar
como traços característicos da nossa produção cultural. Em "Literatura e
Subdesenvolvimento", Antonio Candido retorna à questão da dependência cultural, resultante
da condição econômica de países subdesenvolvidos. Como privilegia o regionalismo do
romance latino-americano, Candido aponta para que este seja uma forma de superação da
dependência, desta maneira possibilitando a descontinuidade em relação à influência da
cultura européia. Silviano Santiago representa um novo interesse no estudo da tradição
literária. Fortemente influenciado pelos Estudos Culturais e pela nova visão sobre a questão
do "valor literário", Santiago discorre em direção ao "repensar" da literatura brasileira para
além da noção de "superioridade cultural", propondo alternativas para seu cosmopolitismo e
assim reafirmando a noção de diferença como seu mais evidente traço." - aqui
"Primeiro. Transferir o combate ao analfabetismo do Ministério da Educação para o Ministério da Cultura. Entre todas as políticas sociais, o combate ao analfabetismo talvez tenha sido aquela em que os governos brasileiros mais fracassaram. Não é possível admitir que, na segunda década do século XXI, o Brasil continue com 14 milhões de pessoas adultas sem condições de ler, escrever ou interpretar um texto, o que equivale a 8,7% da população com mais de 15 anos. Exceto o Paraguai, este é o maior índice de analfabetismo na América do Sul. O analfabetismo tem que ser encarado como fato cultural e sua redução expressiva só vai acontecer se for através da Cultura, retomando os princípios norteadores da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, desenvolvido exatamente a partir da Cultura, com o Movimento de Cultura Popular (MCP) e os Círculos de Cultura (uma das Inspirações para os Pontos de Cultura). Para além de beneficiar milhões de pessoas com a alfabetização, uma ampla política pública em torno desta questão, trará benefícios para toda a sociedade ao colocar a Educação e a Cultura como os principais valores de nosso país, a serem defendidos em um grande movimento social. Esta é a questão. Se tratarmos o combate ao analfabetismo a partir da Cultura será possível reduzir o índice de 8,7% para 2% em 4 anos de governo (talvez menos tempo) e com o mesmo aporte orçamentário. Para os próximos quatro anos esta deveria ser a meta mais nobre: transformar o Brasil em território livre do analfabetismo." - aqui
"A descoberta de um mundo (continente, planeta, imaginário) não torna existente um mundo inexistente; torna existente uma relação antes inexistente (mas subsistente, que sempre foi possível) entre dois mundos. Trocando as palavras, é.esse o argumento de Oswald em A marcha das utopias."
"Em toda descoberta, o que se descobre não é a coisa, mas a relação com ela"
"Há uma dimensão da perspectiva que só se dá quando há a passagem de um discurso entre diferentes meios. Essa propriedade, empregada de uma maneira bastante especial tanto por Bolaño como por Tarkóvski, é o que torna possível pensar um ritmo para o saber de cor lá que leva em consideração um colapso do material e do tempo, no qual um se converte no outro, ao exercerem forças imensas sobre si mesmos." - aqui
"A gente costuma pensar a poesia como um pequeno nicho da literatura, afinal, é o que vemos nas livrarias: algumas poucas prateleiras dedicadas ao gênero. No entanto, das milhares de línguas da humanidade, apenas um grupo muito reduzido produziu literatura. E na trajetória humana, o período em que há literatura propriamente dita representa somente alguns minutos, preciosos sem dúvida, mas ínfimos, se comparados com aquilo que a humanidade produziu e ainda produz de poesia. Aprendemos a ler com poemas e, ainda hoje, a maior parte do tempo estamos consumindo poesia, como na forma de canções por exemplo. Por isso, faço sempre questão de frisar que a poesia me representa, não a literatura, embora tenha uma profunda ligação com esta." aqui
"Se você quer entender a crítica que os poetas modernos portugueses fazem a ideia de poesia como expressão espontânea dos sentimentos e o motivos deles advogarem uma espécie de analítica das sensações que serviria de matéria à formalização poética, basta você ver a diferença entre um bêbado chato enchendo seu saco no bar pelo amor perdido e a música garçom do Reginaldo Rossi: o primeiro não te comove apesar de toda espontaneidade, já com a segunda você canta e sofre junto graças ao trabalho formal do compositor com os sentimentos de um bêbado chato aporrinhando um garçom." - Kigenes Simas
"Em toda descoberta, o que se descobre não é a coisa, mas a relação com ela"
"Há uma dimensão da perspectiva que só se dá quando há a passagem de um discurso entre diferentes meios. Essa propriedade, empregada de uma maneira bastante especial tanto por Bolaño como por Tarkóvski, é o que torna possível pensar um ritmo para o saber de cor lá que leva em consideração um colapso do material e do tempo, no qual um se converte no outro, ao exercerem forças imensas sobre si mesmos." - aqui
"A gente costuma pensar a poesia como um pequeno nicho da literatura, afinal, é o que vemos nas livrarias: algumas poucas prateleiras dedicadas ao gênero. No entanto, das milhares de línguas da humanidade, apenas um grupo muito reduzido produziu literatura. E na trajetória humana, o período em que há literatura propriamente dita representa somente alguns minutos, preciosos sem dúvida, mas ínfimos, se comparados com aquilo que a humanidade produziu e ainda produz de poesia. Aprendemos a ler com poemas e, ainda hoje, a maior parte do tempo estamos consumindo poesia, como na forma de canções por exemplo. Por isso, faço sempre questão de frisar que a poesia me representa, não a literatura, embora tenha uma profunda ligação com esta." aqui
"Se você quer entender a crítica que os poetas modernos portugueses fazem a ideia de poesia como expressão espontânea dos sentimentos e o motivos deles advogarem uma espécie de analítica das sensações que serviria de matéria à formalização poética, basta você ver a diferença entre um bêbado chato enchendo seu saco no bar pelo amor perdido e a música garçom do Reginaldo Rossi: o primeiro não te comove apesar de toda espontaneidade, já com a segunda você canta e sofre junto graças ao trabalho formal do compositor com os sentimentos de um bêbado chato aporrinhando um garçom." - Kigenes Simas
O carro e o trânsito segundo os situacionistas (trechos da época da construção de Brasília, vale notar, essa instanciação simbólica e material do auto(i)mobilismo):
“O desenvolvimento do meio urbano é a educação capitalista do espaço Ele representa a escolha de certa materialização do possível, com a exclusão de outras (...) O trânsito é a organização do isolamento de todos. Constitui o problema preponderante das cidades modernas. É o avesso do encontro: um sugador de energias disponíveis para eventuais encontros ou para qualquer espécie de participação”.
“O erro de todos os urbanistas é considerar o automóvel individual essencialmente como um meio de transporte. A rigor, ele é a principal materialização de um conceito de felicidade que o capitalismo desenvolvido tende a divulgar para toda a sociedade. (...) O tempo gasto nos transportes, como bem observou Le Corbusier, é um sobretrabalho que reduz a jornada de vida chamada livre. Precisamos passar do trânsito como suplemento do trabalho ao trânsito como prazer”. (Guy Debord)
“Os urbanistas revolucionários não se preocuparão apenas com a circulação de coisas, nem apenas com homens paralisados num mundo de coisas. Tentarão romper essas cadeias topológicas por meio da experimentação de terrenos, para que os homens transitem pela vida autêntica” (Guy Debord)
Alexandre Nodari - Facebook
03 novembro 2014
Não existe “onda conservadora” no Brasil, nem em SP
"Os marxistas têm claro que o que move a sociedade é a luta de classes, e que esta se expressa apenas de maneira deformada através das eleições burguesas. Não necessariamente quem vence as eleições burguesas é quem tem o apoio da maioria real da sociedade. Isso se dá porque as eleições burguesas não são nada democráticas. Suas regras privilegiam aqueles que têm mais recursos financeiros e boa parte, senão a maioria dos que votam em um determinado candidato, o faz não por concordar com seu programa, mas porque este esteve mais exposto, se tornou mais conhecido, porque tinha mais recursos – e apoio da grande mídia burguesa.
O fato de não haver tempo igual para os partidos e coligações na TV e de os candidatos a presidente e governador de partidos menores como PSTU, PCB, PCO não poderem participar dos debates televisivos, por si só já distorce bastante a expressão das classes em luta no processo eleitoral."
Fonte: aqui
"A tudo isso podemos também somar o esgotamento do lulismo que, no fundo, promoveu de certa forma o conservadorismo ao apostar no consumismo como forma única de ascensão social sem garantir educação no meio (não posso considerar UniEsquinas como educação, muito menos educação emancipadora, a necessária).
O lulismo aliado à conservadores evangélicos, avesso à regulação da mídia e a frear discursos de ódio, acabou criando um campo propício para que o ódio e o conservadorismo se espalhasse. Dilma e seus discursos contrários à criminalização da homofobia e seus recuos em programas de direitos humanos para minorias ou seu recuo na regulamentação do aborto contribuíram para reforçar o discurso conservador. Não inibir tal discurso ao mesmo tempo em que incentiva apenas o consumo inconsequente e enquanto, ainda, obedece às ordens dos conservadores contribui para fortalecê-los (o que é óbvio, menos para o eleitor petista fanatizado e para o próprio PT)."
fonte: aqui
"A Constituição Federal (artigo 6) estabelece que o lazer é um direito social. Não encontrei em qualquer candidatura propostas sobre a garantia do lazer como umdireito dos brasileiros e nem qualquer reflexão sobre as brincadeiras como elementos de políticas responsáveis de saúde pública para crianças e adultos; como me parece que deveria ser. Todas as candidaturas mostram preocupações (entre legítimas e oportunistas, é claro) com a necessidade de se garantir empregos. Não vi qualquer reflexão sobre a importância de imaginarmos uma sociedade em que o direito ao lazer, a brincadeira e as folganças seja considerado ao menos tão fundamental quanto as garantias do trabalho. Precisamos de políticas públicas que nos estimulem a consumir menos, trabalhar menos e viver de forma mais digna. Discutir a jornada de trabalho máxima de quatro horas diárias poderia ser um bom começo.
Há os militantes da causa do trabalho. Sou um militonto/militantã da causa dos folguedos e acho que elas não foram contempladas pela política em tempos de desencantamento do mundo. Falo sério, combato o imaginário da inclusão pelo desejo do consumo e faço o registro."
Luis Antônio Simas
Eliana Brum: O longo dia seguinte
"Uma hipótese possível seria a mesma pela qual a candidatura de Marina Silva erodiu. Marina cometeu vários erros nessa campanha, alguns deles primários. Mas há um deles, que para muitos soa como erro, mas que não me parece que seja. Seu discurso era menos afirmativo do que os eleitores estão acostumados. Ela propunha a construção de soluções, mais do que propostas acabadas (ainda que tenha sido a única entre os três candidatos com chances no primeiro turno a apresentar um programa de governo). Propunha escuta.
Seu discurso foi classificado como “difuso” e “vago”. Às vezes, ser difuso e ser vago são as únicas verdades possíveis em determinado momento histórico, como mostraram as manifestações de junho de 2013."
fonte: aqui
“O capitalismo está fundado no princípio da produção de riqueza, mas a questão num planeta finito é redistribuir a riqueza” - aqui
"Recado para a polícia política do Facebook: não sou procurador de Marina Silva e por isso não preciso responder a todas as marcações e provocações em torno das decisões dela, especialmente quando se trata de mera especulação de uma mídia interessada em determinados fatos. Expliquei insistentemente quais foram as razões para a apoiar no primeiro turno e contesto, especialmente no ambiente teórico, a lógica das "razões ocultas" (para quem quiser provas, leia minha tese -- que não tem nada a ver com eleições). Sinceramente, acredito e espero que Marina decidirá ficar neutra no segundo turno. Se não ficar, embora humanamente eu compreenda seu ressentimento, terá errado politicamente e perdido meu apoio para sempre.
Mas não posso encerrar isso sem dar duas dicas para vocês:
a) não se ganha um apoio o esculachando. Aos petistas que querem votos dos marineiros, essenciais para vencer as eleições, dou uma dica: não sejam burros. Alfinetar, destratar, acusar a pessoa de estupidez não é uma boa estratégia para ganhar votos. Sejam no mínimo espertos e se curem da síndrome de propriedade da Verdade;
b) a defesa de que a vitória de Aécio é o fim do mundo é ruim para vocês, já que ela reforça a imagem de que o PT é mais uma crença fanática que um projeto político. Com isso, abastece a infantilização da política do antipetismo. Decidam-se: ou o PT é um partido como qualquer outro da democracia que tem um projeto político melhor ou é um projeto totalmente alheio aos demais que encarna os fantasmas da direita. Defender as duas coisas ao mesmo tempo é impossível. Sem argumentos consistentes e demonstração de que o projeto é melhor com base em provas racionais, em vez da retórica apocalíptica, quem ganha são os antipetistas.
São duas dicas bastante simples de quem não irá apoiar Dilma nem Aécio, mas quer dar uma força para os amigos que estão excessivamente agressivos por aqui e não vão conseguir atingir seus objetivos com isso.
PS: Os que consideraram esse post agressivo percebam que é justamente para a atitude inversa a que estou os convidando. O diálogo não-inquisitorial, a gentileza do argumento."
Moyses Pinto - Facebook
"Não acredito no Estado. Não acredito na representação centralizada, vertical e salvadora. No limite, ela é apenas uma secularização da figura ditatorial/bondosa divina e do monarquismo ontológico, o ultra-Pai dos ocidentais. Nada virá dessa imagem desgastada e batida que já não tem parentesco com o que opera nas ruas, nas redes nômades e ingovernáveis que fraturam as unidades e cortam as continuidades insuportáveis com o mundo que está aí. Essa multiplicidade é que realmente provoca a mudança, contra o poder, e não o tomando. A hipótese anarquista não é a do melhor governo, mas dos corpos que manifestam indiferença ao poder. Descentralizar, multiplicar, desconstruir, variar. É disso que pode nascer o novo, do húmus desses movimentos que enfrentam os escudos policiais, que vota com os pés. A política contra a polícia.
Voto, no entanto. Voto porque não podemos abrir mão da estratégia, das táticas e isso significa que vamos precisar de agentes infiltrados, espiões, alianças inconsistentes e outras dessas medidas, como disse Donna Haraway recentemente. Vamos não apenas precisar conviver com contradições, mas nos livrar da lógica dialética da contradição. Não desprezo o voto nulo, obviamente (dependendo das circunstâncias que virão, será inevitável), mas ele também tem que ser estratégico. Votar pode ser abrir frestas como pequenos Cavalos de Troia no poder instituído. É sempre isso que calculo quando voto."
Moyses Pinto - Facebook
"Vamos tentar fazer isso sem raiva e ressentimento e conversar racionalmente sobre o tema:
Não voto em Dilma porque o projeto nacional-desenvolvimentista que ela vem implementando é para mim tão repulsivo quanto o neoliberalismo. Meu problema não são as contradições, mas o projeto mesmo. Ao contrário da maior parte da esquerda, coloco a questão ecológica como dimensão inerente, não externa, ao desenvolvimento. Acredito que estamos às vésperas do colapso ambiental e não há mais tempo para o pensamento "primeiro vamos crescer, depois pensamos nisso". Apesar disso, votei muitas vezes no PT, me sinto identificado com boa parte das suas lutas e reconheço seus méritos. Defendi os 8 anos de Lula sempre que pude. O que parece estar faltando para a campanha de Dilma é um compromisso do próprio partido que ajude a militância por aqui. A alegação do fim do mundo não colabora para convencer quase ninguém e o que o PT precisa para atrair votos à esquerda é estabelecer compromissos que possam gerar motivos para a esquerda votar no PT. Eu citaria alguns possíveis compromissos como a) desmilitarização da polícia, b) volta das demarcações das terras indígenas, c) avanço na pauta LGBT, d) mudança na política de drogas, e) fim da repressão e vigilância dos movimentos sociais, f) reforma política, etc. Assumindo uns 3 desses compromissos (ou outros próximos desses), tenho certeza que a militância conseguiria mais votos para o PT que ofendendo e chamando os outros de omissos ou irresponsáveis. O que se precisa são gestos de mudança efetivos, não retórica apocalíptica. Vejam o caso da Rede: se o PT fizesse algum gesto afirmando que não irá bloquear o avanço da Rede, por exemplo, já convenceria muitos militantes ao mal menor. Mas nada. Só cobranças, inquisitorialismo, a retórica do "se você não vota no PT está entregando o país para a direita". Isso já foi dito em 2013 e foi recusado: acabou a quarentena. Há momentos em que não se trata mais de apoiar irrestritamente, mas em que quem é apoiado deve conseguir se reciclar para que possa receber novos apoios ou não perder os antigos. Sabemos pela experiência do século XX que toda vez que há ruptura dentro da esquerda a direita pode se fortalecer, mas também que sem essas rupturas a esquerda pode se tornar um monstro centralizador, autoritário e burocrático. A decisão é difícil, mas o problema é velho."
Moyses Pinto - Facebook
02 novembro 2014
"A população brasileira tem quase 200 milhões de pessoas, aí 1.200 delas resolvem dar chilique e todo o restante fica nervosa? Francamente, viu. No show do Nando Reis vai muito mais gente e ninguém reclama. Se aquele pessoal perdeu umas aulas de história, tem um outro que matou as de matemática." Vitor Rosa - Facebook
"Oferecer argumentos é uma coisa, mas um dos problemas políticos cruciais para mim é como lidar com um discurso que não está organizado logicamente. A estrutura de uma conversa como a que acabo de ter na rodoviária de Taubaté (don't ask) não é premissa > conclusão, mas enunciado - questão que supostamente exemplifica o enunciado - outro enunciado. Não há consequência, nada segue de nada; os enunciados são pensamentos pré-fabricados, que podem ser encadeados em qualquer ordem, o conjunto dos quais forma uma atitude difusa e não uma perspectiva coerente sobre o mundo.
Oferecer contra-argumentos lógicos parece inútil, por motivos perfeitamente lógicos: as regras não se aplicam. O que se vê aí é a fatura do abandono do trabalho de base que se fazia no passado. O trabalho de base não apenas desenvolve a capacidade de pensar lógica e autonomamente, mas antes de tudo põe outros enunciados para circular. A internet é ótima e tal, mas, como o mundo em geral, é governada pela homofilia, ie, acabemos falando principalmente com quem já está de acordo conosco. O que o trabalho de base faz é justamente quebrar o círculo vicioso da homofilia; para isso, infelizmente, não acho que exista substituto ou technological fix.
- E agora São Paulo está sem água. Lá no Tucuruvi, onde eu moro, acabou.
- Há quanto tempo?
- Já tem uns três meses.
- E o governo negando que esta faltando água.
- É verdade. E isso vai piorar, viu? Uma cidade que nem São Paulo sem água... (PRIMEIRO SALTO:) E agora o povo reelegeu essa Dilma aí.
- Mas a água é de responsabilidade do estado. A culpa é toda do Alckmin, que negou o problema da água até ganhar as eleições.
(SEGUNDO SALTO:) - A culpa é de todo mundo, não é? Todo mundo que chega lá só quer saber de resolver o seu problema, da sua família, e não se preocupa com o todo.
PS: A fatura do abandono do trabalho de base, mas também da falta de ousadia para pensar uma política para os meios de comunicação, e para pensar a comunicação politicamente."
Rodrigo Nunes - Facebook
"Amanhã votarei Dilma Vana. Não sei se ela estará lá. Não sei se ela vai me escutar. É verdade : votar em uma mulher que foi guerrilheira é sem dúvidas um elemento de esperança. Algo mora dentro de Dilma que se pareça com a Vana. É nessa esperança que eu voto. Voto também junto com os 70% que recebe até 1 salário mínimo (a grande maioria del@s, mulheres). Voto um voto anti-vanguarda iluminada. Nada contra as vanguardas das rupturas, da esquerda, dos parangolés. Mas o que está em jogo nessas eleições é um projeto popular contra outros que são da elite ou que fazem muitas concessões. Voto por uma nova vanguarda popular, das periferias, do novo brasil que agora já não tem a fome como um elemento estético estrutural de um povo miserável. Somos pós-tropicalistas. Um Brasil selvagem que quer comprar geladeiras, entrar nas universidades e produzir subver-sões estéticas, desconcertando aqueles que se pensam a vanguarda dos caminhos seguros.
Tudo ao mesmo tempo. Um brasil que não precisa mais de tutela dos iluminados. Vamos por esse caminho torto e vamos carnavalizando, sem o pessimismo sentimental da burguesia catastrófica, com um charme anárquico da nossa confusão tropical, meio operário migrante nordestino, meio guerrilheira divosa, inteiramente confiantes de que o poder se distribuíu, se despedaçou, a casa caíu e agora estamos nesse mutirão pra fazer coisas novas. Voto na Vana contra o Estado. Ou que desconfia dele, no fundo, no fundo. Voto com outr@s porque votar é sempre votar-com, e me reconheço naquel@s que seguem ao meu lado, ao lado desse projeto-em-construção e em desconstrução."
Alana Moraes - Facebook
Por Alexandre Nodari - Facebook
"Há momentos - cada vez mais frequentes - em que o saque transforma o desvio da mercadoria pelo qual se caracteriza (o roubo) em desvio na (essência da) mercado àquilo que Debord chamou de vida cotidiana (ou vida autêntica) - o único sentido positivo da reintegração de posse, uma reintegração da vida"
Motorista 'foge' com caminhão-pipa para ajudar bairro sem água em SP: aqui
"A direita saiu do armário. A primeira tentativa de por o nariz para fora ocorreu nas grandes manifestações de junho de 2013. Mas não funcionou, ainda que alguns tenham tentado, em suas interpretações capciosas, desqualificar as manifestações ao constatar a presença ultra-minoritária desses grupos golpistas de ultra-direita, como se eles contaminassem o conjunto. Esses grupos eram peixe-fora-d'água ali e a interpretação generalizante não se sustentou. Era absurda. Agora, voltam às ruas. A linguagem das ruas, como temos aprendido,pode ser criativa e agregadora, inspiradora e democraticamente transformadora, ou violenta e destrutiva, espelhando o vocabulário, a coreografia e a dramaturgia do Estado, em sua face mais brutal. Por tudo isso, é preciso, em minha opinião, nesse momento, repelir a performance grotesca e golpista, que dramatiza nas ruas a violência discursiva das redes sociais. Mas é preciso também pesquisar, empiricamente, assumindo a própria ignorância, quem esteve ali, quais grupos, com que projetos, etc..., para evitar generalizações. Não o afirmo com o propósito de salvar algum segmento que se pudesse supor bem intencionado, do ponto de vista democrático. Mas há heterogeneidades, diferenças e, eventualmente, conflitos internos em qualquer aglomeração. Distinguir os filamentos, as linhagens, as formas de produzir identidades, será importante para saber exatamente qual a natureza do processo e, desse modo, melhor confrontá-lo. Por outro lado, essa manifestação golpista da ultra-direita recoloca para os democratas questões sobre o tensionamento ruas-institucionalidade e sobre os limites da representação. Questões análogas às que discutimos a propósito dos desdobramentos de junho de 2013, agora com sinal invertido, mas nos interpelando quanto aos mesmos elos: movimentos-instituições, limites e contradições, mútua fecundação, choques, etc... A análise crítica do avesso de junho (o avesso de junho talvez não tenha sido a repressão policial, posto que foi parte -negativa- do processo, nem o anticlímax eleitoral, mas, é uma hipótese, a ocupação das ruas pela ultra-direita) pode nos ajudar a compreender mais algumas dimensões de junho e dos limites e potenciais da democracia institucionalizada no Brasil. Seria bom pesquisar e refletir, debater e comparar, ouvir e analisar bastante, antes de concluir. Quando, nas ruas, decretamos o colapso da representação, em nosso legítimo e justo discurso crítico e em nossas performances coletivas, abrimos o canal para outras insurgências, inclusive as mais regressivas, obscurantistas e assustadoras. Não estou criticando junho, por favor. Estou afirmando que o poro pelo qual passa o sopro de vida, passa o veneno. Novo momento, novos desafios, novos conceitos, incorporando os anteriores e os requalificando."
Luis Eduardo Soares - Facebook
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