03 novembro 2016

"Foucault fala que com o crescimento da população e a sofisticação do sistema capitalista o poder disciplinar deixa de dar conta de todas as transgressões, tornando difícil o controle da população. Entra em cena uma nova organização do poder, que mantém o status quo, mas fagocita discursos transgressores, normatiza e neutraliza. Uma vez que ele é parte do sistema, deixa de ser uma ameaça e passa a funcionar como ferramenta de manutenção do poder. Ao mesmo tempo se mantém espaços de disciplina. As escolas para disciplinar mentes e corpos, por exemplo. As prisões para excluir aqueles que não seguem a norma e que a lógica do poder considera que deva permanecer marginalizado, um lembrete para a população sobre o que acontece quando você se recusa a dançar conforme a música. E uma vez preso, você entra num ciclo de marginalização e exclusão difícil de quebrar. Seguindo essa lógica, seus direitos são sempre alienaveis, e você só os tem se estiver incluso dentro do sistema. 
Ele usa uma analogia de luz e sombra, o que tá fora do alcance do poder está na sombra, não pode ser visto nem controlado. É transgressor. Mas a estrutura se encarrega de impedir que qualquer coisa que esteja na sombra, também esteja desprovido de qualquer garantia de direitos. Buscamos então adentrar a luz, para ter direitos, mas, no momento que somos incluídos, também passamos a fazer parte do sistema. 
Susan Faludi fala sobre Backlash, mostrando com exemplos, a trajetória do movimento feminista (e um pouco dos Direitos Civis) a partir dos anos oitenta. Como as ideias foram ganhando espaço dentro da mídia, das instituições acadêmicas, no espaço público, para depois ser atacada paulatinamente até chegar num discurso de que o feminismo já não era mais necessário, e depois de que o feminismo era perigoso. Praticamente diziam: as mulheres já conquistaram seus direitos e continuam infelizes, o feminismo é o culpado, precisamos retomar a feminilidade tradicional. Uma geração cresceu ouvindo que a mulher moderna podia tudo e que feminismo era uma coisa de mulheres histéricas que só querem se fazer de vítimas e obter vantagens. Pra ela, uma onda de conquistas sociais sempre tem um contra ataque reacionário que busca primeiros neutralizar as lutas sociais e depois combatê-las. 
Agamben fala sobre o Homo Sacer. Diz que pra manter a ordem vigente depois do trauma do holocausto, foi necessário criar um dispositivo que garantisse o direito das pessoas à vida. Os direitos humanos garantia direitos inalienáveis a todos os seres humanos, então, para manter uma lógica de exclusão e marginalização indispensável para a manutenção do sistema, entra em cena o Homo Sacer, populações desumanizadas com base em discursos racistas, xenófobos, machistas, etc, ou simplesmente com base no discurso do medo e da necessidade da "segurança nacional". Esses discursos banalizam a violência contra essa população, as desumanizam e tornam as violações contra seus direitos socialmente aceitáveis. O famoso "direitos humanos para humanos direitos". Basicamente você categoriza quem é humano o suficiente para ter seus direitos garantidos.

Isso me faz pensar em quais são as reais possibilidades de mudança quando batalhamos para no inserir no sistema. Quais as garantias que temos mesmo depois de conquistar certos espaços. Que direitos temos hoje que são realmente inalienáveis. 
Entendo a necessidade de sobrevivência e de acesso à determinadas estruturas, mas esse acesso e essa sobrevivência são por si só, revolucionárias?
Mesmo considerando que estamos, historicamente, à margem da sociedade. Lutar para sermos incluídos e integrados nela é a melhor solução? Ou melhor, é uma solução possível? Porque eu acho que existe uma preocupação muito maior por parte do poder em "integrar" uma estética, uma linguagem, um discurso (e transformar isso em produtos que podem ser passivamente consumidos), do que pessoas. 
Quais são os limites dessa luta. Até onde podemos conquistar? E essas conquistas serão reais ou ferramentas de negociação para a manutenção do poder?"

Isabela Sena