16 julho 2016

O QUE É POSSÍVEL
Uma noite clara se a mente fosse clara
Se a mente fosse simples, se a mente fosse despida
de tudo menos das necessidades mais clássicas:
colher-de-pau faca espelho
taça candeeiro cinzel
um pente passado pelo cabelo ao pé de uma janela
um lençol
atirado para trás por quem dorme
Uma noite clara em que dois planetas
parecem abraçar-se em que as ervas da terra
deslizam como seda à luz das estrelas
Se a mente fosse clara
e se a mente fosse simples podia pegar-se nesta mente
neste estado particular e dizer
'É assim que viveria se pudesse escolher:
isto é o que é possível'
Uma noite clara. Mas a mente
da mulher que imagina tudo isto a mente
que deixa que tudo isto seja possível
não é clara como a noite
nunca é simples não pode abraçar
as suas verdades como os planetas em trânsito se abraçam
não funciona tão fácil
mente o milagre
que dá fama à mente
ou lhe dava fama
não se torna abstracta e pura a seu bel-prazer
a mente desta mulher
não tão-pouco quer esse milagre
já que tem uma missão diferente
no universo
Se a mente fosse simples se a mente fosse despida
poderia parecer um quarto um interior varrido
mas como poderia isto agora ser possível
dadas as vozes das cidades-fantasma
as suas configurações minúsculas e vastas
a precisarem de ser decifradas
a noite oracular
com os seus sons desta acção
Se tudo pudesse alguma vez resumir-se a algo como
um pente passando pelo cabelo ao pé da janela
não mais do que isso
um lençol
atirado para trás por quem dorme
mas a mente da mulher que pensa isto está envolvida em lutas
está noutra missão
uma haste de erva pena de joio ressequido enraizado na neve
no ar gelado agitando-se uma varinha feroz grafando
O dedo dela seguindo também
as páginas de um livro
sabendo melhor do que o poema que lê
sabendo através do poema
através das vidraças emplumadas de gelo
o inverno
flectindo as garras
o vento-falcão
posto para matar
Adrienne Rich, 1980.
(do livro 'Uma paciência selvagem trouxe-me até aqui' na bela tradução de Maria Irene Ramalho e Monica Varese Andrade, porém com terríveis deformações facebookianas na disposição dos versos e supressão de espaçamentos importantes...)

via Facebook: Laura Erber