“Renuncio a ver-te por muito tempo, meses, anos talvez. Parece-me que, por esse preço, e separada de ti pela imensa viagem empreendida, que nesta carta te posso dizer o que, se te falasse de viva voz, seria intolerável. Sou toda eu aquilo que tu viste. Quando te falei, preferia morrer do que deixar de ser a teus olhos, perante ti, aquilo que gosto de ser. Gosto dos prazeres que viste. Amo-os a tal ponto que tu deixarias de contar para mim se eu não soubesse que tu os amas tão desesperadamente como eu. Mas é bem pouco dizer como os amo. Sufocaria se me faltasse, mesmo por um instante, a clareza da verdade que me habita. O prazer é toda a minha vida. Nunca escolhi, e sei que nada sou sem o prazer em mim, e que tudo aquilo de que a minha vida é uma espera, não existiria sem o prazer. Seria o universo sem luz, o caule sem flor, o ser sem vida. O que digo é pretensioso, mas é sobretudo insignificante ao pé da perturbação que me invade, que me cega, ao ponto de, perdida nela, já não ver nem saber nada. Ao escrever-te apercebo-me da impotência das palavras, mas sei que a longo prazo, apesar da sua impotência, elas te atingirão. Quanto te atingirem, adivinharás aquilo que não pára de me extasiar, de me extasiar de olhos revirados. O que os insensatos dizem acerca de Deus não é nada comparado com o grito que uma tão louca verdade me faz lançar.
Agora, tudo o que no mundo está ligado nos separa. Não poderíamos doravante encontrar-mos sem desordem e, na desordem, não devemos encontrar-nos mais. O que te liga a mim, o que me liga a ti, é a partir de agora intolerável, e encontrarmo-nos separados pela profundidade daquilo que nos une. Que poderia eu fazer? Chocar-te, destruir-te. Não me resigno, porém, a calar-me. Destroçar-te-ei, mas vou falar. Porque te arranquei do meu coração e se a luz algum dia me atingiu, foi por te ter contado o delírio em que te concebi."
Georges Bataille, História do Olho e Minha Mãe