"Quando acontece um tsunami na política -- e acho que podemos todos concordar que à chegada de Marina às eleições presidenciais se aplica essa metáfora --, a pior coisa que você pode fazer é se apressar na análise e deixar que a sua posição no interior dos antagonismos determine imediatamente a sua leitura do fenômeno. Tenho visto muito disso. Tenho poucas convições sobre o que seria um governo Marina Silva, mas uma delas é a seguinte: as linhas de ataque petista e tucana contra ela só fazem-na crescer mais. Na minha opinião, quem não entendeu isso ainda não entendeu nada.
Dois exemplos rápidos, que nada tem a ver com Marina: Reagan e Lula. Reagan foi o maior pesadelo da história do Partido Democrata nos EUA. Lula foi o maior pesadelo de grande parte da imprensa e da oposição de direita no Brasil. O que essas duas figuras tão diferentes têm em comum? As linhas de ataque contra elas faziam-nas crescer mais.
Quanto mais os democratas diziam que Reagan era um sorriso vazio, mais os americanos se identificavam com aquele sorriso vazio. Quanto mais eles diziam que Reagan estava gagá e errava nomes, fatos e datas, menos os americanos se importavam com essas coisas tipo fatos e datas. Quanto mais eles diziam que Reagan ia isolar os EUA do mundo, mais os americanos optavam pelo isolamento. Depois de passar quatro anos rindo vazio e errando fatos e nomes na TV, Reagan impôs a Mondale, em 1984, a maior humilhação da história do Partido Democrata nos EUA. Ganhou 49 estados.
O caso de Lula todo mundo conhece: quanto mais a imprensa e a oposição diziam que ele "falava errado", mais o povo se identificava com a forma dele de falar. Quanto mais o ridicularizavam por aparecer no jornal, num feriado com Marisa, de bermudão, sem camisa, e carregando ele mesmo um isopor com cerveja, mais o povo se orgulhava de ter um presidente que carregava a própria cerveja. Mesma coisa com o ataque pela esquerda: o PSTU e o PSOL corretamente apontavam que Lula havia entregado a política monetária ao presidente do BankBoston, mas isso nem arranhava a popularidade de Lula com os pobres.
Ao atacar Marina como "melancia" (verde por fora, vermelha por dentro), ao dizer que ela saiu do PT mas o PT não saiu dela, os tucanos erram feio, pois se colocam à direita dela, e o eleitorado à direita os tucanos já têm. Precisam do outro. Ao atacar Marina como "fundamentalista", "criacionista" ou "pró-bancos", os petistas atacam-na pela esquerda, mas o problema é que a esquerda é exatamente o que petismo desprezou nestes anos. Se você passou quatro anos na cama com Crivella, Feliciano, Marisa Lobo e Kátia Abreu, fica difícil tentar pintar Marina como representante da direita. Depois de reprimir indígenas, quilombolas, LGBTs e manifestantes durante quatro anos, o petismo agora quer que estes setores o salvem de Marina Silva. Spoiler: não vai rolar, baby blue.
Marina deriva sua força do fato de que passou a representar, para milhões de pessoas, um antagonismo a TODO o sistema político. Deixo para outro texto a tentativa de explicação do porquê, mas adianto outro spoiler: você dizer que ela é parte desse sistema, que ela na verdade não é nada de novo, que o que ela diz é vago e inclui coisas contraditórias não vai ajudá-lo a entender o que está acontecendo.
Porque o que tanta gente está chamando de "vago" e "contraditório" (e é vago e contraditório mesmo) não é uma fraqueza dela. É aquilo do qual ela retira sua força. Ela, que foi alfabetizada aos 16 anos, já entendeu isso muito bem. Tantos militantes e funcionários doutos por aí, crentes de que possuem a verdade, não entenderam nem isso ainda."
Idelber Avelar - Facebook