JURANDIR FREIRE COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No último dia 8 de janeiro, um jornal brasileiro noticiava: "Quem acompanha os movimentos do bispo Macedo no mercado financeiro garante: com a ajuda de Deus e do 13º dos fiéis, o homem triplicou sua movimentação financeira no final do ano, apesar dos escândalos. Distribuindo religiosamente a dádiva em aplicações nos benditos mercados de futuros, de ouro e Bolsa de Valores".
Qual o encanto do bispo Macedo? Por que, malgrado vídeos, chutes em estátuas religiosas e a confessa ganância dos pastores, a Igreja Universal não pára de crescer? À primeira vista, a fórmula do sucesso é fácil. Hannah Arendt, entre outros, parece tê-la decifrado. O caldo de cultura do fanatismo faz-se do cinismo dos líderes e da credulidade das massas, em meio à miséria, falta de expectativas econômico-sociais e descrença em valores críticos. Não foi assim com o nazismo? O raciocínio, certamente, aplica-se bastante bem aos fanatismos leigos. Mas o que dizer do fenômeno religioso?
A meu ver, neste caso, algo se acrescenta. Falar de religião é falar de fé, mistério, sentido da vida e da morte etc. O homem religioso, fanático ou moderado não é um homem irracional. Simplesmente utiliza uma racionalidade, para lidar com o mundo, que não é a racionalidade científico-filosófica. Caso seguisse os princípios lógicos e argumentativos desta racionalidade, a religião não seria "religião".
Raramente pensamos, como Georges Bataille ou Denis de Rougemont, que a religião não é topo ou base irracional de outras práticas culturais, mas um modo particular de ordenação do sentido da existência e finalidades do sujeito. Fazendo da religião uma ignorância, uma ilusão, um artifício de evasão, uma alienação, uma sublimação, uma contrafação etc., postos no lugar de outras crenças ou realidades, podemos ser vítimas de nossos próprios preconceitos. O científico não é o avesso do religioso ou vice-versa. Há muito tempo, Wittgenstein observou isto, criticando os trabalhos antropológicos de Frazer.
Desse ângulo, podemos procurar entender como a religião articula-se com outras crenças culturais, em contextos específicos, sem pretender explicá-la a partir de suas supostas origens ou causas extra-religiosas.
No caso da Igreja Universal, penso que um tópico, em especial, chama a atenção: o uso do dinheiro e sua relação com a atração exercida pelo credo sobre os fiéis. Perguntamos como as pessoas não percebem que estão sendo manipuladas! Mas, se é verdade que para os chefões da igreja o dízimo dos crentes é um negócio, não estou certo de que para os praticantes o mesmo ato signifique a mesma coisa. Os pastores vendem a salvação no céu e o enriquecimento na Terra, mas os crentes não estão necessariamente "comprando" uma mercadoria, como a lógica do mercado nos leva a interpretar.
Estão "dando" qualquer coisa; estão participando com dinheiro para uma "causa". Isto é diferente e muda tudo. É bem possível e provável que os contribuintes também tenham um olho voltado para o conforto material terreno acenado pelo bispo e seus auxiliares. Mas isto não invalida a hipótese.
Entre os praticantes do catolicismo, do protestantismo, do kardecismo, das religiões afro-brasileiras etc., interesses do mesmo gênero não negam a primazia dos valores sagrados sobre os profanos. O fundamental, acredito, é que dar, em vez de comprar, é um gesto de "desperdício", um "luxo", um "dispêndio", numa cultura de acumulação em que só é permitido esbanjar, imaginando que se está "consumindo".
Ora, nesse caráter de excesso e imprevidência, frontalmente oposto à moral utilitarista, está talvez um dos mais fortes atrativos da Igreja Universal. Além do fascínio do maniqueísmo e do moralismo pequeno-burguês da seita, o fiel sente-se superior aos infiéis porque professa um estilo de vida no qual a dádiva e o desprendimento criam uma imagem narcísica de grandeza moral que o dinheiro não compra. O sujeito, com boas razões, quer manter essa imagem, mesmo que tenha de pagar ao bispo. Só ela parece estar à altura de pretensões espirituais maiores.
Enquanto nossa cultura pública e privada, sobretudo a das elites, dissolve-se em corrupção, cocaína, apatia política, consumo e filosofias de "boudoir", Edir Macedo fatura em cima do vazio moral. Afinal, o que se oferece em troca das promessas da Igreja Universal? Uma cervejinha no sábado à tarde, um grito de gol a cada dois anos, três dias de desfile nas avenidas? O culto ao próprio umbigo, às lágrimas e suspiros românticos, à obsessiva pergunta, "quem pode ter orgasmo com o quê e com quem", ou, finalmente, ao sonho da semana de compras em Miami?
Podemos ver o fenômeno da Igreja Universal como uma caricatura dos exércitos de salvação das peças de Brecht ou dos filmes de G.W. Pabst. Mas podemos vê-lo, talvez com mais proveito, como sinal de que nossa cultura não tem uma só regra do jogo; tem várias. E, numa delas, termos como honra, altivez, dignidade, lealdade, fidelidade, vergonha etc. ainda fazem sentido e dão sentido à vida e à morte.
Se na cultura dominante deste Brasil "fin-de-siècle", grande parte do pensamento criativo aceita espremer-se no apertado "tecnologês" econômico ou informático, desprezando a reflexão política ou moral, nem todos são obrigados a se converter a este credo. Existe uma "desrazão" que, mesmo fanática, prosaica e rude, pode querer dizer o que não podemos ouvir. Tomara que possamos escutá-la a tempo. A loucura, às vezes, tem método.
fonte: aqui