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30 agosto 2014

"A História colonialista dos povos europeus começa com o processo pavoroso da conquista que transforma todo o novo mundo conquistado numa câmera de tortura."

Walter Benjamin

29 agosto 2014

"Não há palavras para descrever a sensação amarga de desgosto em torno da constatação de que o racismo continua muito vivo entre nós. O que dá para suspeitar é dos que se "assombram" com isso, como se fosse um fato surpreendente ou isolado. A denegação é a principal forma que dá sobrevida à injustiça.
O racismo não é uma questão de tolerância. Já critiquei isso numa reportagem da ZH em que menciona o racismo como "intolerância" do gaúcho. Eu tolero o que do outro me incomoda. A cor da pele do outro não pode me incomodar. A diferença não é algo a ser "tolerado". Quem é racista tem que se tratar e tentar entender que fantasmas enxerga no outro.
Em suma, o racismo não é questão de intolerância, mas sim de violência.
PS: Está mais que na hora de nós, gremistas, assumirmos que existem células fascistas na Geral. Elas se alimentam do mesmo fanatismo sanguíneo que fomentou a violência dos regimes totalitários, sobretudo naquilo que tiveram de mais horrendo: o ódio à diferença. Quando alguém pensa que "acusar" o outro de colorado é justificativa e absolvição para tudo e não admite contestações de qualquer parte, está-se abrindo espaço para um vale-tudo cujos resultados podem ser os mais terríveis. Espero que a direção do Grêmio tome medidas drásticas contra isso."

Moyses Pinto - Facebook

28 agosto 2014

'1. A questão da autonomia da arte, teoricamente fundada pela Crítica da faculdade de julgar (1790), de Kant, significava, de um ponto de vista sócio-histórico, que o objeto artístico se tornava independente de qualquer instituição. Quando a instituição era de caráter religioso, a arte se tornava parte do serviço a lo divino; se era uma instituição política, a arte devia, em última análise, glorificar o príncipe. O processo de autonomização, que se esboçara no Renascimento italiano, não teria sido possível sem a prévia existência de uma clientela que, progressivamente, substituíra os ricos patronos. Assim a autonomia da arte implicou sua separação gradual da aristocracia, o surgimento de uma burguesia enriquecida e o desenvolvimento do mercado;'

fonte: aqui

23 agosto 2014

"Mas uma coisa é designar a máquina totalitária, outra coisa é lhe atribuir tão rapidamente uma vitória definitiva e sem partilha. Assujeitou-se o mundo, assim, totalmente como o sonharam - o projetam, o programam e querem no-lo impor - nossos atuais 'conselheiros pérfidos'? Postulá-lo é, justamente, dar crédito ao que sua máquina quer nos fazer crer. É ver somente a noite escura ou a ofuscante luz dos protetores. É agir como vencidos: é estarmos convencidos de que a máquina cumpre seu trabalho sem resto nem resistência. É não ver mais nada. É, portanto, não ver o espaço - seja ele intersticial, intermitente, nômade, situado no improvável - das aberturas, dos possíveis, dos lampejos, dos apesar de tudo.
A questão é crucial, sem dúvida inextricável. Não haverá, portanto, resposta dogmática para essa questão, quero dizer: nenhuma resposta geral, radical, toda. Haverá apenas sinais, singularidades, pedaços, brilhos passageiros, ainda que fracamente luminosos. Vaga-lumes, para dizê-los da presente maneira. Mas no que se tornaram hoje os sinais luminosos evocados por Pasolini, em 1941, e, em seguida, tristemente revogados em 1975? Quais são as chances de aparição ou zonas de apagamento, as potências ou as fragilidades? A que parte da realidade - o contrário de um todo - a imagem dos vaga-lumes pode hoje se dirigir?"
Georges Didi-Huberman, A sobrevivência dos vaga-lumes, 2011 [2009], pp. 42-43.

via: Silvio Pedrosa - Facebook

15 agosto 2014


"Hoje Estela de Carlotto, Abuela de Plaza de Mayo, encontrou seu neto Guido, roubado na prisão, filho de sua filha Laura, assassinada pela ditadura militar argentina em 1979.


Fico pensando nas diferenças entre Brasil e Argentina com relação à memória desse período. Lá, o número de mortos e desaparecidos é infinitamente maior do que aqui. Isso não quer dizer que tenha sido melhor ou pior, pois sabemos hoje que as ditaduras no continente eram ações coordenadas.

Mas é certo que essa disparidade faz com que a memória dessas pessoas seja muito mais viva lá do que aqui. Cada argentino conhece alguém que tem um parente morto ou desaparecido, conhece seus dramas, as buscas, as lutas que se originaram daí. Aqui, os familiares são menos numerosos e tidos como loucos por muita gente. Quando suas histórias aparecem na mídia ou no cinema, ganham ares de novela ruim. 

Verdade que a situação tem mudado nos últimos anos, mas nada parecido com o que a Argentina tem feito. Falta muito para que a sociedade acolha esse momento como parte de nossa história coletiva. Para que sobressaiam os traços que nos identificam àquela geração, tornando-nos menos parte daqueles grupos que preferiram calar e fingir que não estavam vendo o que se passava. Arrisco dizer, inclusive, que a repressão pesada aos movimentos de junho pode ter a ver com a disputa dessa memória."

Tatiana Roque

14 agosto 2014

Socialismo na URSS - José Paulo Netto

Guilherme Wisnik | Mundo, obsolescência programada

Conversa com Aracy Amaral (UFG - Banquete de Livros 2012)

 "Eu fiz a escola sobre a ditadura militar, a escola era uma espécie de instituição correcional que impunha valores comportamentais, patrióticos e uma disposição a  introjetar uma voz  de comando militar, a ser passivo, a aceitar ordens. Nesse sentido não tive uma educação, eu tive uma anti-educação. Meu processo de educação foi uma luta para me deseducar daquilo que me foi introjetado desde a  infância. Acho que, infelizmente, já estamos avançados no século XXI e de alguma forma, ainda, queda de muro ou não queda de muro, a gente ainda vive um clima que é um desdobramento dessa fonte profundamente nociva, anti-humanista, anti-social, anti-democrática do primeiro pós-guerra que foi sendo reiterado por sucessivas crises e tendo seus momentos de maior e menor compressão, mas basicamente essa é a atmosfera em que o mundo submergiu por conta da polarização ideológica."
O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,morre-o-historiador-nicolau-sevcenko,1543484
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fonte: aqui

11 agosto 2014

10 agosto 2014

Josimar Ferreira: Quais seriam as implicações demandadas pela montagem como operação de pensamento?
R. A.: A montagem é isto: intervir e cortar para que o ar circule, para que entre a diferença, para que se desmanche a hipótese e a ilusão de termos capturado uma essência, uma verdade atemporal. Para que, ao contrário, nós possamos fazer com que o ar circule, o ar e tudo que ele supõe: o som e a fúria, todas as perturbações, todas as vozes, todos os ecos e distorções. Isto me parece que é reinventar o objeto, que é o que Didi-Huberman realiza a seu modo. Mas é fundamental, creio eu, entender que seu projeto não se concretizaria sem essa colaboração de muitos escritores nem sempre ponderados por ele. Uma das minhas restrições, por exemplo, à exposição Atlas: ¿Cómo llevar el mundo a cuestas?, que Didi-Huberman realizou no Museu Reina Sofía, em 2011, passa justamente pelo papel muito secundário que atribui à América Latina, quando, a meu ver, é justamente aqui que começa essa discussão e da qual ele não se dá conta por inteiro. Parece-me que, como todo historiador da arte europeu, ele tem uma versão um pouco estereotipada, bastante parcial e muito fragmentária. E se você contempla os objetos latino-americanos que escolheu para Atlas, todos tem o timbre de Bataille, ou seja, foram todos previamente consagrados pela revista Documents; ou de Borges, isto é, do Borges filtrado por Foucault. Didi-Huberman escolhe o Atlas, um texto borgeano tardio e pouco interessante, como um emblema, um guia, uma orientação para o seu critério. No meu ponto de vista, são muito mais interessantes alguns textos dos anos de 1920, nos quais Borges já ensaiava essas listas heteróclitas de uma maneira muito mais aguda e muito mais questionadora do que o mais ameno Atlas dos anos 80, escrito no final de sua vida. Como toda categoria, o conceito de montagem tem que ser usado cum grano salis. Essa história de que tudo agora é montagem, tudo é anacronismo, dá vontade de apagar tudo o que a gente escreveu eda capo, começar tudo de novo. Porque não é por usar uma categoria, fetichizá-la e torná-la chave que abre todas as portas, que os passos serão dados com maior segurança. Eu acho que devemos ter um gesto dúplice: acompanhar o que está se fazendo, mas, ao mesmo tempo, ter a suficiente sutileza para entender quando um conceito se torna um clichê. Quando um conceito se torna um clichê está dominado, pois o clichê é uma forma de estereotipia verbal. E quando a linguagem se torna estereotipada é porque ela foi invadida por uma certa necrose e começou a morrer. Ao perceber que alguma coisa começa a morrer, um galho começa a morrer, eu prefiro arrancá-lo para devolver viço à planta e que continue crescendo com mais força. Isto também é corte. Assim, a questão da montagem implica ter uma sensibilidade muito aguçada para decidir onde cortar, como cortar e o que cortar. Não é sair por aí com as tesouras de qualquer jeito.
- See more at: http://interartive.org/2014/04/entrevista-raul_antelo/#sthash.FcP2WOZ5.dpuf
Fonte: aqui

26 julho 2014

VIVA ARIANO SUASSUNA!!!

"Há duas raças de gente com as quais simpatizo: mentiroso e doido, porque eles são primos legítimos dos escritores"


"Sempre me vêm com estatísticas, tentando provar que viajar de carro é mais perigoso, que as estradas são cheias de buracos. E eu respondo: 'Pior é no avião, que o buraco acompanha a gente o tempo inteiro”


"A alma humana divide-se no hemisfério rei e no hemisfério palhaço. O que há de trágico é ligado ao primeiro, e o que há de cômico, ao segundo. O hemisfério rei se complementa com o hemisfério profeta. O hemisfério poeta, com o palhaço. No meu entender o ser humano tem duas saídas para enfrentar o trágico da existência: o sonho e o riso"

"Eu tenho dentro de mim um cangaceiro manso, um palhaço frustrado, um frade sem burel, um mentiroso, um professor, um cantador sem repente e um profeta"

"Estendo meu horror ao terrorismo aos atos praticados pelos americanos. O pior terrorismo é o de Estado. As pessoas que derrubaram as torres de Nova York: é um ato reprovável, mas são corajosos. Enfrentaram e morreram. O terrorismo de Estado é ao abrigo de qualquer risco."

"Um marco de minha vida foi a leitura de uma frase d'Os Irmãos Karamazov': 'Se Deus não existe, tudo é permitido'. Sartre tirou essa dúvida, porque a frase é duvidosa. Ele disse: 'Deus não existe, portanto tudo é permitido'. Eu tirei a conclusão contrária, eu digo que nem tudo é permitido e portanto Deus existe. Ou a norma moral tem um fundamento absoluto, ou ficaria ao sabor da opinião individual de todo mundo, inclusive de estupradores e assassinos"

"Posso dizer que, como escritor, eu sou, de certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte através do que faço e do que escrevo (…)"

"A meu ver, o arraial de Canudos —antecedido pelo de Palmares e sucedido pelo do Contestado— é o episódio mais significativo da nossa história. Na verdade, foi ali que o Brasil real pela primeira vez expressou seu sonho religioso e político, formulando uma teoria do poder posta em prática sem imposições ou deformações que lhe viessem de cima ou de fora"
“O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”

"A massificação procura baixar a qualidade artística para a altura do gosto médio. Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto... Nunca vi um gênio com gosto médio.”

"Eu digo sempre que das três virtudes teologais chamadas, eu sou fraco na fé e fraco na qualidade, só me resta a esperança. Eu sou o homem da esperança.”

"Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.”

"… que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.”
"Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas.”

"Não troco o meu "oxente" pelo "ok" de ninguém!”

""Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte:
o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver."

“Venha sexta musa mensageira, do reino de Eloim, me traga a pena de Apolo e escreve aqui por mim: O Assassino da Honra ou A Louca do Jardim!”

"Quando eu morrer, não soltem meu cavalo
nas pedras do meu pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu dorso alardeado,
com a espora de ouro, até matá-lo.”

"Dizem que tudo passa e o tempo duro tudo esfarela.”

"Terceira idade é para fruta: verde, madura e podre." 

"Só o tempo determina se o que foi escrito fica."

"A humanidade se divide em dois grupos, os que concordam comigo e os equivocados."

"Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas."

"No Nordeste, a gente chama a morte de Caetana. Eu não gosto dela não. Eu me recuso a morrer. Toda morte tem um componente de suicídio, e eu não me rendo"

"Na minha visão, a literatura –e a arte de modo geral– é uma forma precária, mas ainda assim poderosa de afirmar a imortalidade. Também na minha visão, o homem não nasceu para a morte, nasceu para a vida e para a imortalidade"

"Tudo que é vivo, morre."

Enciclopédia Nordeste: Biografia de Ariano Suassuna - http://goo.gl/8jHQEF

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Gilles Deleuze sobre a Palestina (1978)


Como os palestinos poderiam ser “parceiros legítimos” em conversações de paz, se não têm país? Mas como teriam país, se seu país lhes foi roubado? Os palestinos jamais tiveram escolha, além da rendição incondicional. Só lhes ofereceram a morte.

No conflito Israel-Palestina, as ações dos israelenses são consideradas retaliação legítima (mesmo que seus ataques sejam desproporcionais); e as ações dos palestinos são, sem exceção, tratadas como crimes terroristas. Um palestino morto jamais interessa tanto, nem tem o mesmo impacto, que um israelense morto.

Desde 1969, Israel bombardeia sem descanso o sul do Líbano. Israel já disse, claramente, que a recente invasão do Líbano não foi ato de retaliação pelo ataque terrorista em Telavive (11 terroristas contra 30 mil soldados); de fato, a invasão do Líbano é o ponto culminante de um plano, mais uma, numa sequência de operações a serem iniciadas como e quanto Israel decida iniciá-las. Para uma “solução final” para a questão palestina, Israel conta com a cumplicidade quase irrestrita de outros Estados (com diferentes nuances e diferentes restrições).

Um povo sem terra e sem Estado, como o palestino, é como uma espécie de leme, que dá a direção em que andará a paz de todos que se envolvam em suas questões. Se tivessem recebido auxílio econômico e militar, ainda assim teria sido em vão. Os palestinos sabem o que dizem, quando dizem que estão sós.

Os militantes palestinos têm dito que teriam conseguido arrancar, no Líbano, alguma espécie de vitória. No sul Líbano, só havia grupos de resistência, que se comportaram muito bem sob ataque. A invasão israelense, por sua vez, atacou cegamente refugiados palestino e agricultores libaneses, população pobre, que vive da terra. Já se confirmou que cidades foram arrasadas e que civis inocentes foram massacrados. Várias fontes informam que se usaram bombas de fragmentação.

Essa população do sul do Líbano, em exílio perpétuo, indo e vindo sob ataque militar dos israelenses, não vê diferença alguma entre os ataques de Israel e atos de terrorismo. Os últimos ataques tiraram 200 mil pessoas de suas casas. Agora, esses refugiados vagam pelas estradas.

O Estado de Israel está usando, no sul do Líbano, o método que já se provou tão eficaz na Galileia e em outros lugares, em 1948: Israel está “palestinizando” o sul do Líbano.

A maioria dos militantes palestinos nasceram dessa população de refugiados. E Israel pensa que derrotará esses militantes criando mais refugiados e, portanto, com certeza, criando mais terroristas. Não é por termos um relacionamento com o Líbano que dizemos: Israel está massacrando um país frágil e complexo. E há mais.

O conflito Israel-Palestina é um modelo que determinará como o ocidente enfrentará, doravante, os problemas do terrorismo, também na Europa.

A cooperação internacional entre vários Estados e a organização planetária dos procedimentos da polícia e dos bandidos necessariamente levará a um tipo de classificação que cada vez mais incluirá pessoas que serão consideradas “terroristas”. Aconteceu já na Guerra Civil espanhola, quando a Espanha serviu como laboratório experimental para um futuro ainda mais terrível que o passado do qual nascera.

Israel inteira está envolvida num experimento. Inventaram um modelo de repressão que, devidamente adaptado, será usado em vários países.

Há marcada continuidade nas políticas de Israel. Israel crê que as resoluções da ONU, que condenam Israel verbalmente, são autorizações para invadir. Israel converteu a resolução que o mandava sair dos territórios ocupados em direito de construir colônias!

Achou que seria excelente idéia manter uma força de paz no sul do Líbano… desde que essa força, em vez do exército israelense, transformasse a região em área militar, sob controle policial, um deserto em matéria de segurança.

Esse conflito é uma estranha espécie de chantagem, da qual o mundo jamais escapará, a menos que todos lutemos para que os palestinos sejam reconhecidos pelo que são: “parceiros genuínos” para conversações de paz. De fato, estão em guerra. Numa guerra que não escolheram.

Publicado originalmente no Le Monde (7/4/1978) e, depois, em
Deux régimes de fous: Textes et entretiens, 1975-1995 (Minuit, 2003), org. de David Lapoujade.

"Do ponto de vista acadêmico, um dos piores legados da ditadura é também dos menos visíveis: um falso conceito de democracia. O que não falta é gente de boa-fé, bem-informada e inteligente que ainda assim não compreende a possibilidade de uma corrosão da ordem democrática que não repita ipsis litteris a ditadura militar."

Sergio Martins

18 julho 2014

O sionismo político moderno surgiu em fins do século XIX. O pai foi Theodor Herzl, judeu nascido na Hungria, que exercia em Viena, então capital do Império Austro-Húngaro (1867-1918), a função de jornalista e autor teatral. Integrado à sociedade local, não tinha interesse pelo judaísmo ou por questões correlatas (SHLAIM, 2004: 38). O ponto de virada foi, conforme relatado em sua obra Der Jundenstaat [O estado judeu][1], o “Caso”, como ficou conhecido na França o caso Dreyfus. Refere-se à acusação de traição que sofreu naquele país o oficial Alfred Dreyfus, em 1894, por ser de origem judaica. A partir desse acontecimento, Herzl teria concluído que não haveria qualquer esperança de assimilação. Assim, a única solução seria que os judeus vivessem em seu próprio estado. Essa alegação, contudo, é questionada por estudiosos israelenses (PAPPÉ, 2007: 64).
Para assegurar a imigração de judeus da Europa para a Palestina, era necessário convencê-los que a transferência[2] para aquelas terras seria o único caminho para livrarem-se do “antissemitismo” – termo que se refere à discriminação contra semitas. Herzl (1998: 47) vinculou, nesse sentido, ao publicar O estado judeu, em 1896, a chamada “questão judaica” – para ele, herança da Idade Média – não à religião ou ao aspecto social, mas a um problema nacional.
Ele não sugeriu na publicação exclusivamente a Palestina para sua criação. Em seu livro, coloca a questão: “Devemos preferir a Palestina ou Argentina?.” Sua resposta é de que a “Sociedade (dos Judeus) aceitará o que lhe derem, tendo em consideração as manifestações da opinião pública a este respeito” (1998: 66). Na sua análise, nos dois locais houve experiências bem-sucedidas de “colonização judaica”. Em 1897, ano seguinte à publicação, durante o I Congresso Sionista realizado na Basiléia, Suíça, que reuniu 200 delegados do Leste da Europa, a Palestina acabou por ser escolhida:
Esse nome por si só seria um toque de reunir poderosamente empolgante para o nosso povo. (…) Para a Europa, constituiríamos aí um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como Estado neutro, em relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir a nossa existência. (Ibidem: 66)
Herzl empreendeu esforços para obter o apoio das elites judaicas e governantes europeus ao projeto sionista. Segundo Shlaim (2004: 41), seu pressuposto “não declarado” e de seus sucessores era que o movimento alcançaria o seu objetivo “não através de um entendimento com os palestinos locais, mas por meio de uma aliança com a grande potência dominante
do momento”.

Esse parceiro seria a Grã-Bretanha, que vislumbrava a Palestina como sua “futura aquisição”. Como parte de sua estratégia de convencimento, Herzl explanou que os britânicos poderiam se beneficiar da criação em região de Gaza de um “oásis sionista”, ao que seria necessário levar água do Nilo através de um canal (PAPPÉ, 2007: 81). Num primeiro momento, esse plano foi frustrado, dada a objeção do lorde inglês Cromer, que comandava o Cairo. Herzl propôs, como alternativa, a instituição do estado judeu temporariamente em Uganda, então colônia inglesa, para depois passar à Palestina. O que foi visto como traição por outras lideranças sionistas, como Chaim Weizmann[3] (1874-1952), uma vez que o próprio idealizador do Estado de Israel havia nacionalizado o judaísmo, sinalizando o local definido no I Congresso Sionista. O plano de Uganda, consequentemente, não foi levado adiante. A Palestina voltou a ser central na proposta sionista (Idem).
Após o I Congresso Sionista, dois rabinos foram enviados à Palestina para reconhecimento do local. Em telegrama, eles descreveram o cenário com que o movimento que visava criar um estado judeu naquelas terras teria que lidar: “A noiva é bela, mas está casada com outro homem.” (SHLAIM, 2004: 40) Em outras palavras, os visitantes anunciavam que a Palestina não era um descampado, um lugar deserto e inabitado. Como conta Pappé,
Nas vésperas da Guerra da Criméia (1853-1856), cerca de meio milhão de pessoas viviam na terra da Palestina. Eram de língua árabe. A maioria era muçulmana, mas cerca de 60 mil eram cristãos de várias denominações e cerca de 20 mil eram judeus. Além disso, tinham que tolerar a presença de 50 mil soldados e funcionários otomanos, assim como de 10 mil europeus. (2007: 41)
Segundo Shlaim (2004: 54), independentemente da linha sionista, que incluía os denominados trabalhistas, os moderados e os revisionistas – cujo fundador foi o judeu russo Zeev Jabotinsky (1880-1940) –, a ideia de que era preciso o apoio de uma grande potência para consolidar o projeto sionista prevalecia. Assim como a necessidade de estimular a imigração judaica e transferir os palestinos nativos, usando a força militar para tanto. A diferença era que os revisionistas consideravam essa opção explicitamente.
Em seu livro Expulsions of the Palestinians – The Concept of “Transfer” in Zionist Political Thought, 1882-1948, Nur Masalha apresenta uma série de citações de lideranças sionistas que demonstram a predominância da ideia de transferência voluntária ou compulsória da população árabe local como base para a constituição de um estado exclusivamente judeu na Palestina. Segundo ele, essa ideia foi articulada desde cedo. “Theodor Herzl forneceu uma referência prévia à transferência mesmo antes de delinear sua teoria de renascimento sionista em seu Judenstaat.” (1993: 8; tradução nossa). Ainda conforme Masalha, em 12 de junho de 1895, visando a transição de uma “sociedade de judeus” a Estado, Herzl escreveu em seu diário:
Quando nós ocuparmos a terra, nos traremos imediatamente benefícios ao Estado que nos receberá. Nós precisamos expropriar com cuidado a propriedade privada nos estados alinhados conosco. Nós tentaremos, quando a população paupérrima cruzar a fronteira, procurar emprego a eles na mudança de países, enquanto vamos negar-lhes qualquer emprego em nosso próprio país. Os proprietários de terra virão para o nosso lado. Ambos, o processo de expropriação e a remoção dos pobres, precisam ser feitos discreta e circunspectamente. (Ibidem: 9) (tradução nossa)
Em um diálogo entre dois pioneiros do Hovevie Zion (Amantes de Sião), em 1891, também foi exposta a ideia de transferência. Um deles afirmou que a terra “na Judéia e Galiléia está ocupada por árabes”. Seu interlocutor respondeu: “É muito simples. Vamos assediá-los até que eles partam. Vamos deixa-los ir à Transjordânia.” (Ibidem: 9; tradução nossa) Ainda de acordo com Masalha, Israel Zangwill – criador do lema “Uma terra sem povo para um povo sem terra” – apresentou a remoção de árabes da Palestina como pré-condição para a realização do projeto sionista (Ibidem: 10). Como indica o autor, o criador do poder militar do Yishuv[4] e primeiro premiê de Israel em 1948, David Ben Gurion, indicou a importância da ideia de transferência em várias citações em seu diário (Ibidem: 13). Em uma delas, em 12 de julho de 1937, afirmou que
A transferência obrigatória dos árabes desde os vales do Estado judeu proposto pode oferecer-nos algo que nunca tivemos [uma Galiléia livre de árabes], inclusive quando formos donos do nosso destino nos dias do Primeiro e Segundo Templo. (Apud MASALHA, 1993: 13) (tradução nossa)
Também segundo Masalha, em carta a seu filho Amos, de 5 de outubro de 1937, Ben Gurion escreveu que
Devemos expulsar os árabes e tomar seu lugar [...] e se temos que usar a força, não para despojar de suas propriedades aos árabes do Negev e Transjordânia, mas para garantir nosso próprio direito de assentamentos em ditos lugares, a força estará a nossa disposição. (Idem) (tradução nossa)
Baseando-se em documentos oficiais israelenses, o historiador Benny Morris escreveu inicialmente que a transferência enquanto expulsão dos árabes para constituição do estado judeu era central no projeto sionista. Posteriormente, em versão revisitada de sua obra The Birth of the Palestinian Refugee Problem, afirmou que:
É certo, em algum grau, que a práxis do sionismo, de início, tem sido caracterizada por uma sucessão de microcósmicas transferências; a obtenção da terra e o estabelecimento de quase todo assentamento (moshava, literalmente colônia) tem sido acompanhada pelo (legal e usualmente compensado) deslocamento ou transferência de um beduíno original ou comunidade agrícola assentada. [...] Hess, Motzkin[5], Ruppin e Zangwill, certamente, não pensavam em minideslocamentos, mas em uma massiva, estratégica transferência. Todavia, na prática, a ideia era desbalanceada, na maioria das mentes sionistas, por uma medida de moral dúbia. É verdade que pelo menos até os anos 1920 e 1930, os árabes da Palestina não se viam e não foram considerados por qualquer um como um “povo” distinto. Eram vistos como os árabes ou, mais especificamente, como os “árabes sírios do sul”. Além disso, sua transferência de Nablus ou Hebron para a Transjordânia, Síria e mesmo Iraque – especialmente se adequadamente compensada – não deveria ser uma formulação ao exílio do lar; “Árabes” deveriam meramente ser deslocados de uma área árabe para outra. (2004: 42) (tradução nossa)
Segundo o autor (Idem), na primeira metade do século XX, esse tipo de transferência de “minorias étnicas para o coração de suas áreas nacionais” era “moralmente aceitável, talvez mesmo moralmente desejável” e seria solução para conflitos futuros. Para Morris (Ibidem: 44), se durante as últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX os sionistas que advogavam a transferência não eram predominantes, no início dos anos 1930, o apoio à ideia emergiu entre as lideranças do movimento e evoluiu, como resultado das ondas de revolta árabe. Com a oportunidade aberta em 1936, segundo ele, a cúpula sionista anunciou seu apoio à transferência (Ibidem: 46).
Não obstante reconheça que declarações dos “pais do sionismo” apontem o caminho da transferência, Morris refuta em sua obra a ideia de que o plano de expulsão da população palestina não judia integrasse a política sionista. Na sua concepção, a transferência, que ganhou apoio a partir das revoltas árabes, foi vista como caminho diante da recusa dos árabes em aceitar a partilha de suas terras. Assim, foi resultado da guerra “iniciada pelo lado árabe” em 1948. (Ibidem: 60)
Já Masalha aponta que foram formados comitês de transferência que apresentaram vários planos e propostas a lideranças árabes de países vizinhos com o objetivo de transferir os palestinos não judeus em geral para a Transjordânia, Síria e Iraque nos anos 1930 e 1940 (1993: 12).
Para Walid Khalidi, a ideia de transferência dos árabes seria um eufemismo para limpeza étnica (1988: 5). O conceito foi discutido em Comissão de Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992. Com base nas informações fornecidas por essa comissão, o secretário-geral apresentou ao presidente do Conselho de Segurança documento relativo à Guerra Civil Iugoslava (1991-2001), datado de 24 de maio de 1994[6]. Nesse, consta a seguinte definição para limpeza étnica, oriunda de um “nacionalismo equivocado”: “tornar uma área etnicamente homogênea pelo uso da força ou intimidação para remover pessoas de determinados grupos”. Ainda de acordo com o informe, tais atos abrangem a remoção forçada da população civil local, em violação à lei internacional, mediante o uso de métodos de coerção como
assassinato em massa, tortura, estupro e outras formas de agressão sexual; lesões corporais graves a civis; maus tratos a prisioneiros civis e prisioneiros de guerra, utilização de civis como escudos humanos; destruição de propriedade pessoal, pública e cultural; saques e roubos; expropriação forçada de propriedades; forte deslocamento da população civil (…).[7]
Ainda no informe consta que “represálias, retaliação ou vingança” não servem como justificativa à violação de leis internacionais e Convenções de Genebra. Na concepção de Pappé (2008: 19), a definição se enquadra no que aconteceu na Palestina em 1948, ano da criação do Estado de Israel. Segundo ele, foram traçados planos com o objetivo de preparar as forças paramilitares sionistas para as ofensivas nas áreas rurais e urbanas após a saída dos britânicos da Palestina, que ficaram com o mandato sobre aquelas terras como espólio da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) (Ibidem: 53). Os planos foram: A (esboçado por Elimelech Avnir, comandante da Haganah em Tel Aviv, a pedido de Ben Gurion em 1937); B (concebido em 1946); C (uma fusão de ambos); e, por fim, D (Dalet). Sobre os três primeiros, Pappé afirma que o propósito foi “dissuadir” a população palestina de atacar os assentamentos judeus e reprimir ofensivas (2008: 53).
Plano Dalet
O plano que selou o destino dos palestinos foi o Dalet. O nome foi dado pelo Alto Comando Sionista (KHALIDI, 1988: 8) Conforme Pappé (2008: 54), “independentemente de se esses palestinos decidiam colaborar ou opor-se a esse estado judeu, o Plano Dalet propunha sua expulsão de forma sistemática e total de sua pátria”. Derradeiro, e o mais agressivo, este foi finalizado em reunião das lideranças sionistas no local que se convertera no quartel-general da Haganah, a Casa Roxa em Tel Aviv – atual capital de Israel -, em 10 de março de 1948 (PAPPÉ, 2008: 11). Esse plano continha mapas indicando por onde os grupos paramilitares atacariam cada aldeia, como seriam essas incursões, a partir das informações de cada vila, mapeadas nos anos 1940:
Para elaborar o Plano Dalet, além de contarem com a hospitalidade dos seus habitantes, os sionistas criaram uma rede de colaboradores. Não obstante o desprezo que nutriam por essas pessoas, a ponto de um dos acadêmicos envolvidos na montagem desse plano – Moshe Pasternak – chegar a afirmar que seria difícil conseguir informantes entre elas, por seus modos primitivos, ao final, obtiveram algum resultado favorável aos seus intentos. (PAPPÉ, 2008: 43) (tradução nossa)
Segue mapa das operações que estariam ali previstas, por região.
Mapa publicado em All that Remains, KHALIDI Walid (2006: 325).
O Plano Dalet foi colocado em operação pelas organizações paramilitares Stern Gang, Irgun e Haganah. A tropa de elite dessa última, o Palmach, passou de 700 membros em 1941 para 7 mil em 1948. Mais tarde, as três se fundiram para constituir as Forças de Defesa de Israel (PAPPÉ, 2007: 143).
Cada brigada “recebeu uma lista das aldeias que deveria ocupar. A maioria das aldeias estava destinada à destruição, e somente em casos excepcionais os soldados receberam ordens para deixá-las intactas” (Ibidem: 164 e 166). A primeira operação, denominada Najsón, contou com a participação não apenas de todos os grupos paramilitares, mas incorporou veteranos judeus de guerra oriundos da Europa Oriental e outros recém-chegados. O objetivo foi a expulsão massiva da população das áreas rurais a oeste das montanhas de Jerusalém. A primeira aldeia a sucumbir nessa operação chamava-se Qastal (El Castillo) (PAPPÉ, 2008: 129).
Assim como Pappé, Walid Khalidi (1988: 8) afirma que o Plano Dalet foi executado com o objetivo deliberado de expulsar a população árabe da Palestina e destruir essa comunidade para colocar em prática o projeto sionista de constituição do estado judeu naquelas terras.
Já Meron Benvenisti (2002: 126) afirma que, embora os objetivos do Plano Dalet fossem militares, há controvérsias que visasse a limpeza étnica até maio de 1948:
Os comandantes das forças judaicas certamente realizaram alguns ataques cujos objetivos foram aterrorizar os árabes para que saíssem de suas casas, mas em outra mão há abundante evidência de que a liderança judaica foi surpreendida pelo escopo do êxodo e mesmo promoveu esforços para persuadir os árabes a permanecerem em suas casas (Ibidem: 126). (tradução nossa)
De acordo com Benvenisti, até a criação do Estado de Israel, a transferência da população árabe se deu ex-post facto [como resposta aos acontecimentos no terreno]. A “transferência premeditada” foi levada a cabo a partir do começo de junho de 1948 (Ibidem: 146)
Segundo Rashid Khalidi (2006: 4), o argumento de saída dos árabes antes de maio daquele ano como simples subproduto de uma guerra que esses perderam é “base para a negação da responsabilidade pelos refugiados”. Para ele, essa visão ignora o fato de que, em muitos casos, os palestinos não estavam em luta. Ignora também a desigualdade de forças – com o Yishuv melhor armado e organizado (Idem). Quando as lideranças árabes decidiram enviar suas forças à Palestina, após a criação do Estado de Israel, em 15 de maio de 1948, o contingente de pessoal era equivalente: no início, os governos árabes enviaram 25 mil soldados, mas esse número foi ampliado em quatro vezes ao longo da guerra – equiparando-se aos efetivos mobilizados pelos sionistas (PAPPÉ, 2007: 169). Naquele mês, contudo, os grupos paramilitares tiveram auxílios importantes para melhor se equiparem:
Durante a trégua nos combates, os exércitos árabes não se reabasteceram de armamentos porque a Grã-Bretanha estava decidida a observar o embargo de armas imposto pela ONU às facções em guerra. As forças judaicas, por seu lado, continuaram a eludir a proibição, importando quantidades consideráveis de armamento pesado dos países do bloco do Leste, que desobedeceram à medida da ONU. A paridade da primeira semana foi substituída por uma superioridade dos judeus quando os combates foram retomados em meados de junho de 1948. (PAPPÉ, 2007: 171).
O embargo britânico a que os árabes se armassem destinou-se aos exércitos da Jordânia, Iraque e Egito, que utilizavam munições inglesas. (Ibidem: 168). Segundo Pappé,
É de se admirar que os estados árabes tenham conseguido pôr quaisquer soldados no campo de batalha. Somente no final de abril de 1948, os políticos do mundo árabe prepararam um plano para salvar a Palestina, que na prática era um esquema para anexar a maior área possível do seu território aos países árabes intervenientes na guerra. A maior parte desses exércitos possuía uma experiência de guerra muito limitada e um treinamento muito sumário quando o mandato chegou ao fim. A coordenação entre eles era deficiente, bem como a moral e a motivação dos soldados, com exceção de um grande grupo de voluntários, cujo entusiasmo não bastava para compensar a sua falta de perícia militar. (…) O mundo árabe, os seus líderes e sociedades juraram salvar a Palestina. Os políticos não estavam propriamente a ser sinceros; é provável que os soldados e seus comandantes tivessem um empenho mais genuíno no salvamento da Palestina. (2007: 168)
No caso da Jordânia, houve inclusive um acordo tácito com Israel às vésperas da guerra, de partição do território (Ibidem: 178). Os líderes hachemitas de fato controlariam uma parte da Palestina (atual Cisjordânia) até 1967, quando essa passou a ser ocupada militarmente por Israel (TAMARI, 2002: 71). Juntamente com o futuro estado judeu, dividiriam ainda o domínio de Jerusalém. Outra parte do território (Faixa de Gaza) ficaria sob administração egípcia até aquele ano (HOURANI, 2007: 471).
Impulsionado pela recomendação feita pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1947 de partilha da Palestina em um estado árabe e um judeu, o deslocamento de palestinos se expandiu significativamente. Na narrativa oficial israelense, a saída dos palestinos se deu em consequência da guerra. Para Rashid Khalidi (2006: 4), essa argumentação ignora, sobretudo, a necessidade de “transferência” dos árabes, que constituíam a maioria da população, para garantir a instituição de um estado judeu. Ele refuta a ideia difundida pela historiografia israelense tradicional de que os palestinos deixaram suas casas sob ordens de sua própria liderança. Isso foi realidade em alguns poucos casos isolados, como medida de segurança aos habitantes; no geral, entretanto, esses líderes fizeram esforços – “infrutíferos” – a que a população permanecesse. (Idem)
Relatos e documentos dão conta das táticas utilizadas pelos grupos paramilitares sionistas. De posse das informações de cada local, enquanto em boa parte das aldeias há indicações de que a estratégia era atacar deixando-se uma única saída para os habitantes saírem rumo a países árabes vizinhos, em outras, cercava-se dos quatro lados, não havendo como escapar. Nessas, os massacres e atrocidades são descritos por historiadores como Ilan Pappé. Serviram de propaganda para expulsar os palestinos que viviam em aldeias vizinhas.
As operações dos grupos paramilitares privilegiaram no começo centros urbanos, como Haifa, então o principal porto do país, designada na partilha ao que viria a ser o estado judeu. A elite já havia abandonado a cidade, quando dos primeiros ataques em dezembro de 1947. Em abril do ano seguinte, os sionistas tomaram a cidade, o que culminou no êxodo dos habitantes palestinos – que somavam mais de 50 mil. Outras grandes cidades, como Acre e Safed, tiveram o mesmo destino. Jerusalém também não ficou impune. À sua captura, as forças sionistas conduziram 30 operações, sendo sete delas entre dezembro de 1947 e 15 de maio de 1948 – todas em áreas destinadas na partilha ao estado árabe (TAMARI, 2007: 75). Os bairros do lado oeste foram atacados e ocupados no período (Ibidem: 134-140). Segundo Tamari,
Os objetivos dessas operações eram dois: (1) limpar o caminho entre Tel Aviv, Jaffa e Jerusalém para livre movimentação das forças judaicas; (2) limpar as vilas árabes do flanco oeste de Jerusalém da população palestina para prover déficit demográfico e um vínculo entre a proposta do estado judeu e a cidade de Jerusalém, conforme o Plano Dalet. (Ibidem: 75) (tradução nossa)
Os britânicos permaneceram na Palestina até 15 de maio de 1948 – um dia depois da Declaração de Independência de Israel –, com o argumento de que as forças judaicas empreenderam uma guerra de libertação nacional contra o mandato e a hostilidade árabe (PAPPÉ, 2007: 178):
A perda de 1% de sua população [judaica] toldaria o jubilo da obtenção da independência, mas não a vontade e determinação de judaizar a Palestina e de transformá-la num futuro porto de abrigo para os judeus do mundo todo na sequência do Holocausto.
Assim que a Inglaterra partiu, os Estados Unidos reconheceram o Estado de Israel. Dois dias depois, foi a vez de a União Soviética fazê-lo. Na sequência, mais países deram o mesmo passo. As consequências para os palestinos não foram levadas em conta (PAPPÉ, 2007: 169). Naquele momento, dois terços da população árabe local foram deslocados. Embora houvesse dezenas de observadores da ONU, conforme Pappé (2007: 214), eles nada fizeram a respeito. Exceção ao emissário Conde Folke Bernadotte, que propôs a revisão da divisão do país em duas partes e o retorno incondicional dos refugiados palestinos. Tendo chegado à Palestina em 20 de maio de 1948, foi assassinado por “terroristas judeus” em setembro do mesmo ano, “quando repetiu sua recomendação no informe final que apresentou à ONU”. (PAPPÉ, 2007: 214)
Ao final, foram três fases da limpeza étnica. A primeira foi inaugurada em dezembro de 1947, dias após a partilha recomendada pela ONU, e se prolongou até maio de 1948. A segunda, entre esse mês e janeiro de 1949, incluiu bombardeios aéreos indiscriminados e disparo de canhões em bairros com populações mistas. Durante essa etapa, foram assinadas duas tréguas e, ao final, um armistício entre os exércitos árabes e Israel (PAPPÉ, 2007: 168). A terceira fase do Plano Dalet se prolongou até 1954. Antes, contudo, já haviam sido destruídas centenas de aldeias. Historiadores apresentam números que variam entre 290 e 472 no total (Apud W. KHALIDI, 2006: XVI). Pappé (2008: 11) apresenta um número superior: 531 aldeias, além do esvaziamento de 11 bairros urbanos, culminando com a expulsão de 800 mil palestinos, de um total aproximado de 1,2 milhão. Na parte designada pela ONU ao recém-criado Estado de Israel, de 818 mil palestinos, restaram apenas 160 mil. A despeito das diferenças, conforme a metodologia adotada, fato é que a paisagem foi totalmente transformada:
A Palestina tornara-se agora uma nova entidade geopolítica, ou antes, três entidades. Duas delas, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, encontravam-se mal definidas, a primeira totalmente anexada à Jordânia, mas sem o consentimento ou entusiasmo da população; a segunda num limbo, sob um regime militar, com os seus habitantes impedidos de entrar em território egípcio propriamente dito. A terceira entidade era Israel, decidida a judaizar todas as partes da Palestina e a construir um novo organismo vivo, a comunidade judaica de Israel. (PAPPÉ, 2007: 178)
Artigo baseado em dissertação de mestrado intitulada “Qaqun: história e exílio de um vilarejo palestino destruído em 1948”, defendida em dezembro de 2013 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), junto ao Departamento de Letras Orientais, sob orientação da professora-doutora Arlene Elizabeth Clemesha.

via:
Gleice Antonia de Oliveira