10 agosto 2014

Josimar Ferreira: Quais seriam as implicações demandadas pela montagem como operação de pensamento?
R. A.: A montagem é isto: intervir e cortar para que o ar circule, para que entre a diferença, para que se desmanche a hipótese e a ilusão de termos capturado uma essência, uma verdade atemporal. Para que, ao contrário, nós possamos fazer com que o ar circule, o ar e tudo que ele supõe: o som e a fúria, todas as perturbações, todas as vozes, todos os ecos e distorções. Isto me parece que é reinventar o objeto, que é o que Didi-Huberman realiza a seu modo. Mas é fundamental, creio eu, entender que seu projeto não se concretizaria sem essa colaboração de muitos escritores nem sempre ponderados por ele. Uma das minhas restrições, por exemplo, à exposição Atlas: ¿Cómo llevar el mundo a cuestas?, que Didi-Huberman realizou no Museu Reina Sofía, em 2011, passa justamente pelo papel muito secundário que atribui à América Latina, quando, a meu ver, é justamente aqui que começa essa discussão e da qual ele não se dá conta por inteiro. Parece-me que, como todo historiador da arte europeu, ele tem uma versão um pouco estereotipada, bastante parcial e muito fragmentária. E se você contempla os objetos latino-americanos que escolheu para Atlas, todos tem o timbre de Bataille, ou seja, foram todos previamente consagrados pela revista Documents; ou de Borges, isto é, do Borges filtrado por Foucault. Didi-Huberman escolhe o Atlas, um texto borgeano tardio e pouco interessante, como um emblema, um guia, uma orientação para o seu critério. No meu ponto de vista, são muito mais interessantes alguns textos dos anos de 1920, nos quais Borges já ensaiava essas listas heteróclitas de uma maneira muito mais aguda e muito mais questionadora do que o mais ameno Atlas dos anos 80, escrito no final de sua vida. Como toda categoria, o conceito de montagem tem que ser usado cum grano salis. Essa história de que tudo agora é montagem, tudo é anacronismo, dá vontade de apagar tudo o que a gente escreveu eda capo, começar tudo de novo. Porque não é por usar uma categoria, fetichizá-la e torná-la chave que abre todas as portas, que os passos serão dados com maior segurança. Eu acho que devemos ter um gesto dúplice: acompanhar o que está se fazendo, mas, ao mesmo tempo, ter a suficiente sutileza para entender quando um conceito se torna um clichê. Quando um conceito se torna um clichê está dominado, pois o clichê é uma forma de estereotipia verbal. E quando a linguagem se torna estereotipada é porque ela foi invadida por uma certa necrose e começou a morrer. Ao perceber que alguma coisa começa a morrer, um galho começa a morrer, eu prefiro arrancá-lo para devolver viço à planta e que continue crescendo com mais força. Isto também é corte. Assim, a questão da montagem implica ter uma sensibilidade muito aguçada para decidir onde cortar, como cortar e o que cortar. Não é sair por aí com as tesouras de qualquer jeito.
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Fonte: aqui