07 dezembro 2016

"É difícil decidir qual categoria está fazendo as melhores leituras do que acontece no Brasil, mas as mais ingênuas, sem dúvida, são as dos juristas. Desde que comecei a escrever sobre violência, justiça, castigo, lei (uma parte disso está publicada por aí: http://bit.ly/2gQGaHy), o Direito nunca foi uma área entre outras para mim. É um campo de interesse especial. Leio os amigos juristas com atenção.
Não cessa de me chamar a atenção a ingenuidade com que trabalham -- as exceções são pouquíssimas -- as categorias de "legal", "ilegal", "legítimo", "ilegítimo", "constitucional", "inconstitucional", assim, virgens, como se fossem conceitos com sentido positivo determinável fora da porradaria política. Chega a ser cômico ver a discussão na minha TL, sobre se o ato de Marco Aurélio foi constitucional ou não, sobre se a reação da Mesa do Senado foi legal ou não, tudo assim, sem nenhuma outra variável na mesa.
Amigos juristas, há que se partir, em primeiro lugar, da óbvia constatação: se algo é inconstitucional ou não, NÃO IMPORTA para a efetiva realização da coisa. Tudo o que importa na política é a porrada, a relação de forças. Depois, tendo entendido isso, aí sim, você pode fazer a análise de como o dado jurídico entra na equação da coisa.
O primeiro capítulo da Genealogia da Moral, do Bigodón, deveria ser requisito em todos os cursos de Direito: a lei nunca vem antes. Em primeiro lugar, existe porrada, sangue. Depois, os vencedores da porrada judicializam, tornando ilegal a porrada à qual recorreram para vencer. Não é difícil de entender. Isso, aliás, está no Manifesto Antropófago de Oswald também.
Se os amigos juristas entendessem isso, se trabalhassem com essa variável, fariam análises menos ingênuas do que acontece hoje no Brasil."

Idelber Avelar