"Me parece que se partimos da pergunta "o Estado de Direito
existe ou não existe?" é inevitável cair em idealizações que terminam
pressupondo uma continuidade ilusória entre a dogmática e o real e que acabam
servindo, por exemplo, para sustentar esse discurso do golpe, que pressupõe que
antes de 12 de maio o Brasil tinha um estado de direito funcionando.
É muito mais produtivo, me parece, pensar "estado de direito" como
uma categoria, uma ficção, uma construção-zinha teórica, que enquanto tal, na
realidade, sempre esteve mesclada com as piores manifestações do chamado estado
de exceção. Aliás, se você for cavoucar mesmo, verá que a própria invenção
desse conceito de estado de direito é parte de uma operação bastante brutal,
eivada e atravessada por procedimentos de exceção -- embora seu funcionamento
teórico necessite da ficção, da ilusão, de que estado de exceção e estado de
direito sejam coisas separadas e antagônicas.
Em outras palavras, Christiane, não se trata apenas de entender que a porrada
vem antes do Direito. Trata-se de entender também que o Direito é 1) moralmente
indistinto daquela porrada; 2) construído sobre a ilusão de que ele é um
antídoto àquela porrada."
Idelber Avelar