07 agosto 2016

Notas sobre o canalha do "bem"

"O canalha "do bem", assim como o suco, nos faz pagar muito mais caro que o canalha barato. Isso porque ele é tão gente boa que você fica até constrangida de reclamar quando descobre que você é só mais uma na ciranda de mulheres que ele faz em torno de si na praça São Salvador. Ele é um canalha cheio de boas intenções, por isso vive refletindo sobre como fazer o que quer com todas as mulheres ao mesmo tempo sem magoar nenhuma delas. Ele acha sempre que é tudo APENAS uma questão de comunicação. Até aceita bem as críticas sobre seu comportamento, mas só uma vez, depois ele te ignora solenemente. O canalha do bem se preocupa muito com a própria imagem de bom moço e detesta escândalos. Se uma mulher demonstra muito sentimento, ele fica tão preocupado que pode até broxar, diferente do canalha genuíno que nunca falha nessas horas. Canalha do bem é canalha sem querer, muito mais nocivo que o canalha convicto. Ele parece sensível, deixa criar esperança de futuro, dá perdido e reaparece nos deixando perdidas. Embora ele não admita, seu jeito de ser é um privilégio masculino. Do lugar de onde eu venho quando a mulher resolve botar a pomba pra girar na roda corre o risco de ser espancada no meio da rua na frente dos vizinhos "porque mereceu". Ou então ser estuprada ou assassinada por vingança. Toda hora a gente vê notícias dessas. Ou seja, uma mulher não tem nem como ter a Ilusão de tá tranquilo. Nunca está. A gente sempre sabe que vai ter um cara que vai se apaixonar e ficar muito bolado com o nosso comportamento. Então criamos um estado de atenção para dar conta desse tipo de situação. Independente de como resolvamos agir (eu não questiono a liberdade das mulheres para isso) estamos mais conscientes do que estamos fazendo. Não podemos nos escorar em uma justificativa tosca como "a poligamia é um instinto e o meu gênero me leva a espalhar a espécie". Temos que lidar com as consequências práticas da fama de vadia que não arranha só a nossa imagem, mas ameaça nosso corpo físico, a possibilidade de relacionamentos futuros e pode causar graves marcas afetivas. Algumas resolvem se defender disso assumindo a pose de dama virtuosa a espera de um príncipe marido de rígidos de princípios (possivelmente um machista e moralista) Ou mesmo o contrário, vestir a persona da putona e afirmar esse lugar como empoderamento sexual feminino. Ambas atitudes reativas e pouco saudáveis. Mas eu não estou aqui para ditar cartilha comportamento feminino. Só quero afirmar que não devemos aderir a estáticos papeis pré-concebidos tipo "a dama" ou "a puta" para lidar com a canalhice dos homens. Cada mulher tem condição de saber a melhor forma de agir de acordo com a situação. E se ficar em dúvida deve procurar ajuda de outras mulheres, inclusive as amigas do canalha. Eu como amiga de vários canalhas posso tentar incutir alguma consciência em suas mentes. Canalhas do bem não são bons namorados ou maridos, mas podem ser excelentes amigos. E eu que sou amiga do cara posso e devo fortalecer as minas que ele fica na sororidade só por dar a minha opinião sincera quando ele me conta sobre sua relação. Eu digo para os meus amigos coisas como: você tem medo de se envolver por isso é sexualmente compulsivo e isso te faz menos potente etc e tal ou você magoa pessoas com seu comportamento. Quando eu não digo eu escrevo. Mas faço tudo no intuito de que mudem de atitude ou se assumam logo canalhas. Daí a moça bem informada vai ter a possibilidade de resolver se quer ou não entrar naquela ciranda. Eu acho muito importante ter esse papel com alguns pacientes na clínica e amigos na vida. E com esse texto e muitos outros que virão pela frente eu quero convocar cada mulher a falar mais sobre isso e até mesmo deixar constrangido um canalha, se necessário. Até porque, os homens legais existem e precisam ser distinguidos do capim da canalhice. E uma vez desmascarados e por vezes preteridos, esses adoráveis canalhas queridos vão aprender a escutar a gente, resolvendo o problema que eles dizem ser APENAS de comunicação."

Alice Souto - Psicóloga