22 agosto 2016

Hoje eu perdi o meu melhor amigo. A morte, essa pantera, levou Geneton Moraes Neto. Tínhamos 16 anos quando nos conhecemos; exatamente a mesma idade, com uma diferença de semanas entre os nossos aniversários. Para mim, que sou filho único, Geneton foi aquele que me fez entender o que poderia ser um irmão. Fizemos dois filmes juntos: o super-8 "Esses onze aí", sobre nossa paixão comum pelo futebol, e o 16 milímetros "O coração do cinema", sobre a nossa também comum paixão pela poesia de Vladimir Maiakovski. Quem já fez cinema - mesmo amadoristicamente, como era o nosso caso e como sempre preferimos - sabe o que significa co-dirigir: é preciso que exista uma enorme sinergia, compreensão mútua. Creio que era o que existia entre nós. Nunca divergimos sobre a escolha feita por um ou por outro. Como foi possível? O fato é que gostávamos de coisas parecidas: de escutar "The long and winding road" dos Beatles, de ver a beleza de Charlotte Rampling nos filmes, de ler e reler o romance Quarup, de Antônio Calado, de considerar que a genialidade dos dribles de Pelé superava qualquer bobagem política que ele pudesse dizer. Somos... éramos (como é terrível usar o verbo no passado...) criaturas dos anos 1970. A certa altura, consideramo-nos anarquistas. Eu, sempre mais livresco do que ele, comprando na Livro 7 livros de Bakunin; Geneton, sempre mais intuitivo do que eu, simplesmente entendendo que a opressão não é exclusiva a nenhuma ideologia. Geneton foi primeiro para a França, estudar cinema na Sorbonne. Depois me explicou como me inscrever no mesmo curso. Ele largou a formação, porque não suportava os excessos da teoria; eu, mais tolerante com os conceitos, fui até o fim do doutorado. Trabalhamos juntos como jornalistas duas vezes: na sucursal do Recife de O Estado de S. Paulo (ele me indicou a Carlos Garcia) e na TV Globo (creio que eu o indiquei a Roberto Menezes). Casamos mais ou menos na mesma época e tivemos ambos três filhos (que, agora me dou conta, infelizmente não se conheceram). Ultimamente, não nos víamos tanto, ocupados em tocar nossas vidas e em sobreviver, apesar da mediocridade e da vulgaridade vigentes. Há poucos meses, estivemos com ele - eu, Jomard Muniz de Britto e Amin Stepple - debatendo seu último filme, "Cordilheiras no mar: a fúria do fogo bárbaro." Mesmo morando em cidades distantes, ele me telefonava para dar notícias, sempre começando com um recorrente: "Oi, tudo certo?" E tudo sempre estava certo, é claro. Tudo estava sempre azul. Talvez seja mero saudosismo, talvez ingenuidade, mas hoje eu queria estar de volta a 1973, para reencontrar meu amigo como se fora a primeira vez, pegar uma câmera super-8, chamar Amin, Wilson, Camilo e Nara, Jomard, Aninha e Juliana - e dizer: "Cinema é muito chato; legal é filmar." Pouca gente entenderia hoje essa frase (até porque poucos amaram tanto o cinema como nós) e é por isso que me sinto tão sozinho hoje.

Paula Cunha