19 fevereiro 2017

Trabalhadores de todo o mundo, unam-se e sigam os Indígenas!

Com os últimos locais tecnicamente capazes de abrigar hidrelétricas, as últimas reservas de petróleo e gás e algumas grandes jazidas de minério localizadas em terras indígenas; ou estando estas terras localizadas entre as fontes de água, matérias-primas e combustíveis fósseis e as indústrias que as utilizam, tornando quase impossível que a construção de aquedutos, oleodutos, gasodutos e mineriodutos não se dê por dentro dessas terras; ou simplesmente a fronteira agrícola avançando sobre elas; surge uma enorme contradição. As corporações farão tudo que puderem, atropelando legislações ambientais (ou modificando-as através dos governos e parlamentos) e direitos humanos, para terem acesso a tais "recursos", o que implica simplesmente a conclusão do genocídio dos povos originários, a fim de abrir caminho para devastação final de suas terras. Os povos indígenas, cada vez mais, se virão obrigados a colocar os próprios corpos diante das máquinas e da força militar (e mesmo paramilitar) mobilizada pelo capital, na repetição recorrente do que se vê em Dakota, com os Sioux de Standing Rock, com os Guarani-Kaiowá enfrentando o agronegócio, os Munduruku e Belo Monte, os indígenas equatorianos e a exploração de petróleo em Yasuni. É o que se vê mesmo aqui no Ceará em que o mais irracional assalto à água pública, para que esta alimente termelétricas e siderúrgica, se dá por meio de uma gigantesca adutora que começa em terras Pitaguary, atravessa terras Tapeba e termina em terras Anacé. Na vanguarda não apenas pela luta por sua existência, mas numa luta em que representam toda a humanidade - e porque não dizer toda a biota - pela sobrevivência, os povos indígenas têm chances escassas de, sozinhos, saírem vitoriosos, pois lhes faltam número, recursos, ainda que atinjam um patamar de consciência, mobilização e organização ainda bem maiores do que hoje, no que inevtitavelmente será uma tentativa cada vez mais frequente de bloquear, interromper ou mesmo sabotar e destruir tais infraestruturas. Seu isolamento pode lhes significar a vitória da morte: água para as indústrias e não para as pessoas, avanço do desmatamento e ecocídio, com a destruição final da vida silvestre e a culminância da sexta extinção, acesso aos estoques de carbono que em sendo queimados nos lançarão inevitavelmente num cataclisma de caos climático e oceanos ácidos. Daí, a grande massa de bilhões, a classe trabalhadora mundial precisa definitivamente entrar em cena, mas com uma missão qualitativamente diferente daquela que dela se esperava no século XIX e no início do século XX. Não é mais possível pensar em simplesmente apropriar-se coletivamente desse imenso aparelho "produtivo" industrial erigido sob domínio do capital, na tentativa deste de subjugar o sistema Terra (ou a Mãe Terra, ou Gaia, ou Pachamama). É preciso desligar as caldeiras das térmicas, desligar altos-fornos, paralisar linhas de montagens de automóveis e fechar válvulas de refinarias, desmontar a indústria de armas e reorganizar por completo a base de fornecimento de energia e de produção de bens materiais, para uma sociedade com menor demanda energética, uso muito mais racional e equilibrado de água, rumo a um sistema produtivo de ciclo fechado, mimetizando a biosfera ao ser capaz de reaproveitar cada átomo já extraído do subsolo utilizando as fontes renováveis, com ênfase no aproveitamento da fonte primária, o sol. Isso implica em não apenas ter consciência de classe, mas consciência de espécie e consciência de biota. Isso implica em romper o acordo com o capital não apenas no que diz respeito a quem controla os meios de produção e quem se apropria da riqueza, mas no sentido mais profundo de questionar os próprios conceitos de produção e riqueza como estabelecidos pelo mundo do capital. Chegamos ao Antropoceno com o capitalismo "transformando o índio em pobre", como nos indica Viveiros de Castro. Sobrevivermos a ele e liquidarmos o capital implica em superar revolucionariamente essa negação do indígena, do vínculo com a terra e o território, da ligação com o mundo natural e material; essa alienação profunda em relação às fontes do que consumimos e ao destino do que rejeitamos; no limite, recuperar essas conexões é condição basilar para que não sucumbamos à barbárie, à fome, à ruína e em última instância à extinção."
Alexandre Araujo