"A raiz do pânico da
imprensa com Donald Trump não vem, como alguns tolos insistem em imaginar, do
fato de que este dissemina mentiras enquanto aquela representaria o bom senso e
o compromisso com os fatos por oposição a ele. Trump mente mesmo, mas a questão
aqui é outra.
Trata-se
de coisa distinta, que demanda outro conceito de
verdade, o foucaultiano. A imprensa está em pânico porque até agora a produção
de verdade/ mentira da qual ela é dispositivo fundamental tem andado em
compasso conjunto com a produção de verdade/ mentira do próprio poder estatal.
Lembre-se aqui da Guerra do Iraque: foi baseada em mentiras, mas mentiras
validadas no interior de um projeto de produção de verdade que mobilizava, sem
fissuras, mídia e governo. Não é necessário acreditar em teorias bestas sobre a
mídia maligna ou a conspiração da mídia para concordar com essa análise.
Agora é diferente: o soberano se
transforma, ele mesmo, não apenas em fonte, mas também em veículo de produção
de verdade. Trump, ele mesmo, gera a notícia, obrigando a imprensa, por
exemplo, a fazer constantes programas jornalísticos sobre seus tuítes. Não
importa o que é "mentira" ou "verdade" aqui -- o que
importa é que a imprensa foi deslocada de seu poder reitor na administração do
verdadeiro e do falso. E isso gera enorme confusão para o quarto poder. Está
sendo divertido observar.
As redes sociais estão
em guerra nos Estados Unidos. Informação não verificada, versão adulterada da
informação não verificada, produtores de notícias falsas acusando o outro lado
de produzir notícias falsas, geopolítica, guerras culturais, whistleblowers,
acusações de violação da ética jornalística, traição à pátria -- tudo isso,
junto e misturado no escândalo envolvendo Trump e a Rússia."
Idelber Avelar