11 janeiro 2017

"A raiz do pânico da imprensa com Donald Trump não vem, como alguns tolos insistem em imaginar, do fato de que este dissemina mentiras enquanto aquela representaria o bom senso e o compromisso com os fatos por oposição a ele. Trump mente mesmo, mas a questão aqui é outra.
Trata-se de coisa distinta, que demanda outro conceito de verdade, o foucaultiano. A imprensa está em pânico porque até agora a produção de verdade/ mentira da qual ela é dispositivo fundamental tem andado em compasso conjunto com a produção de verdade/ mentira do próprio poder estatal. Lembre-se aqui da Guerra do Iraque: foi baseada em mentiras, mas mentiras validadas no interior de um projeto de produção de verdade que mobilizava, sem fissuras, mídia e governo. Não é necessário acreditar em teorias bestas sobre a mídia maligna ou a conspiração da mídia para concordar com essa análise.
Agora é diferente: o soberano se transforma, ele mesmo, não apenas em fonte, mas também em veículo de produção de verdade. Trump, ele mesmo, gera a notícia, obrigando a imprensa, por exemplo, a fazer constantes programas jornalísticos sobre seus tuítes. Não importa o que é "mentira" ou "verdade" aqui -- o que importa é que a imprensa foi deslocada de seu poder reitor na administração do verdadeiro e do falso. E isso gera enorme confusão para o quarto poder. Está sendo divertido observar.

As redes sociais estão em guerra nos Estados Unidos. Informação não verificada, versão adulterada da informação não verificada, produtores de notícias falsas acusando o outro lado de produzir notícias falsas, geopolítica, guerras culturais, whistleblowers, acusações de violação da ética jornalística, traição à pátria -- tudo isso, junto e misturado no escândalo envolvendo Trump e a Rússia."

Idelber Avelar