03 dezembro 2016

"Futebol é paixão. Nele é possível provar a experiência do conhecimento, sem medidas que pretendam equilibrar razão e emoção para extração de resultado otimizado.
Para Albert Camus, futebol é inteligência em movimento. Inteligência de rebeldes que não se confunde com a sapiência de scholars. É inteligência em e do movimento, rebeldia e animalidade.
É do campo, constrói narrativas fantásticas que suplantam vitórias militares, como a mão de deus Maradona em 1986 contra a esquadra britânica (pouco importa os interesses de generais e governantes); a animalidade de Edmundo nos anos 1990 e sua linha atacante verde de cem gols (pouco importa os interesses de multinacionais); a voadora certeira de Éric Cantona do campo para a arquibancada contra um hooligan neonazista.
Se os estrategistas da bola, para quem o gol era um detalhe, dominaram o niilismo dos anos 1990 com seu esquema de três zagueiros e três volantes de contenção, a rebeldia indomável ainda vivia fora do circo global da nova ordem montada no pragmático USA.
Hoje, quando a inteligência e a força desembarcam na terra do lendário futebol poético com Neymar e o verde Hulk, a revolta circula pelas ruas e desorienta estrategistas, governistas e pragmáticos até mesmo quando a rebeldia em campo anda 1/2 domesticada pelo entoar de hinos da pátria de chuteiras.
Uma coisa são os investidores, os patrocinadores, os negócios e os investimentos, humanos e financeiros, que capitalizam o jogo convertido em espetáculo para subordinar a arte às mesquinharias políticas dos autoritarismos ou das encenações democráticas.
A revolta é paixão incontível: nas ruas ou na grama ela irrompe quando menos se espera, em sua beleza e tragi-cidade.
No campo há poesia e inteligência, força e coragem. Na rua há poesia, rebeldia e coragem também. E luta. Em um entre adversários, em outra entre inimigos.
Em ambas há o inimigo comum: o negócio (dos business que consomem subjetividades) e o pragmatismo; a correlação entre esquema tático e a estabilidade política.
Na inteligência do jogo e dos enfrentamentos, os oponentes podem ser driblados, e poeticamente jazerem na grama, rodopiarem atônitos procurando pela bola que os encobre, desliza adiante, passeia entre suas pernas e que se destina a um pé, uma cabeça, uma coxa, até mesmo um braço despercebido ou escandalosamente estendido para tocá-la para as redes, reiterando a derrocada de um árbitro que se arvora em ser juiz.
Torcemos pelo drible e pelo gol.
A mistura futebol e política pretende encobrir ditaduras, celebrar misérias, maquiar hipocrisias, vender marcas, justificar prisões e garantir espaços arrendados, na atual democracia, para empresas transnacionais por meio de leis de exceção.
Se o esquema tático é a estratégia de vencedores pragmáticos, o drible é a tática dos poetas rebeldes da bola.
Torcemos pela tática.
O drible é a antipolítica do futebol.
Futebol é poesia e gol. É prosa somente entre cumpadres amistosos que se dedicam diante de cada adversário ao poder conjunto de suprimir os inimigos".
(Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária, Hypomnemata, Jun-2014