10 novembro 2016


"Trump é o candidato dos bilionários e das oligarquias, mas também é o candidato da classe média empobrecida, dos trabalhadores pauperizados e dos miseráveis sem futuro. Parece paradoxal, não é? Mas todo bom paradoxo é no fundo apenas uma oposição fetichizada. 
A globalização neoliberal empurrou grande parte dos americanos à pobreza, quando não à miséria completa. Tais pessoas não entendem a dinâmica da sociedade capitalista, elas apenas raciocinam pelas aparências. E, nas aparências, uma coisa é fato: seus empregos foram "exportados", ao mesmo tempo que crescia a disputa dos subempregos com milhões de imigrantes vindos sobretudo da América Latina. Daí, a conclusão simples: a culpa da miséria é da globalização e da imigração. É preciso combater isso. 
Trump sacou o momento histórico. Sacou o enfraquecimento do sistema político americano, a rejeição ao marketing falso, à política conciliatória (Zizek chamou isso de fim do "discurso politicamente correto"). E sacou mais ainda que poderia crescer muito pela direita explorando o discurso nacionalista (make America great again) e xenófobo (fora latinos, vamos construir um muro na fronteira). Mesmo sendo um representante nato da oligarquia, conseguiu se camuflar bem ao enfrentar o establishment republicano e se apresentar como outsider. Seu passado político nulo muito contribuiu para isso. Para terminar, enfrentou Hillary, uma figura que não apenas representava, mas também encarnava a globalização neoliberal, ou seja, encarnava todo o ódio de grande parte da população. 
Marx disse no 18 de Brumário que uma das razões da vitória do sobrinho de Napoleão foi justamente o apoio maciço de camponeses pobres que sentiam os efeitos nefastos da economia francesa mas, por sua condição precária de classe, não conseguiam se organizar corretamente e vocalizar suas demandas. A saída, então, foi apoiar Luís Bonaparte para que ele falasse em seu nome. Não estou querendo dizer que Trump é igual a Luís Bonaparte ou que ele irá instaurar um regime ditatorial, apenas tentando compreender analogicamente o movimento de classe. Pois, se há algo que o neoliberalismo fez nas últimas décadas foi precarizar e fragmentar a classe trabalhadora a um ponto tal que ela não consegue mais se organizar de forma razoável. Sobra então apelar a "salvadores" que agiriam e falariam em seu nome. A movimentação em apoio a Sanders também segue a mesma lógica, mas aí com um matiz de esquerda. 
Fato é: não só nos EUA, não só no Brasil, mas no mundo, o neoliberalismo globalizado, tal como alicerçado nas últimas décadas, está se decompondo, e seu regime político está entrando em ruínas. Algo novo está por vir, mas até lá ainda veremos muitas figuras grotescas emergindo e muitas certezas caindo."


David Emanuel