30 novembro 2016

AS LINHAS DA ESTRATÉGIA SÃO TORTAS - Silvio Pedrosa
"A dificuldade da atual conjuntura tem como nó górdio o seguinte impasse: o governo Dilma nos legou um resultado econômico de empobrecimento generalizado (em 2015 a renda média caiu 5,4%, segundo o IBGE) e esse resultado ficou identificado não só com as políticas de um governo de esquerda, mas com o conjunto da esquerda que se uniu na hora derradeira ao governo. Não bastasse isso, estabeleceu-se a conexão entre a corrupção generalizada que a Lava-Jato expôs e as dificuldades financeiras e econômicas do país.
Então, por mais que a esquerda agora se esforce para tornar apocalíptica a imagem da PEC 241/55, ela não é vistá assim, porque a formatação da imagem da situação do país não passa por esses circuitos de entendimento da crise. A população estabeleceu, de fato, uma conexão estrita entre a PEC como uma medida necessária de ajuste das contas públicas e o pacote anti-corrupção como seu complemento necessário. O fato de que o PT tenha encampado os protestos contra a PEC, após entregar a maior recessão da história da nossa economia, e também a auto-anistia do caixa 2, apenas ajudaram a reforçar a imagem de justeza desse diagnóstico.
E, pensemos por um minuto, ele não é justo? Um dos graves problemas da esquerda, hoje, é ter abandonado completamente formulações sobre a corrupção como modo de governo. Apenas se naturalizou a questão como se não pudesse ser de outra maneira, enquanto a direita traçou sua estratégia a partir da captura da justa indignação com o sistema político.
Da mesma forma, o petismo conseguiu, a partir da sua hegemonia sobre as esquerdas emplacar um dilema abstrato e formalista que não permite pensar a Lava-Jato de um ponto de vista estratégico, apenas recusá-lá por inteiro em nome de uma defesa do "estado de direito" que faz a esquerda defender os privilégios de elites políticas que são verdadeiras máfias, constituídas a partir das tramas do financiamento eleitoral.
O que sobra? Apenas uma esquerda idealista, cuja forma de apresentação dos problemas diante da sociedade sempre parece ser desenhá-los a partir de um ponto de vista moral -- que mesmo quando tenta traçar as redes de interesses que os sustentam, acaba reificando o problema como se ele não fosse essencialmente político, constituído a partir das relações de força. O próprio enquadramento da visão popular sobre a corrupção como estritamente moral é uma moral tomada pelo avesso quando não se pretende mobilizar esse sentimento a partir de uma estratégia política, apenas conservar as coisas como elas são.

A justeza da visão popular sobre a conjuntura é tal que um dos únicos meios de se barrar a PEC 241/55, bem como outras reformas de Temer, é traçar uma estratégia a partir da exposição das tramas materiais do sistema político que se inscrevem sobre a rubrica da corrupção. Mobilizar pela queda de Renan Calheiros, Jucá e Temer é o que pode atrasar a tramitação dessas reformas, dando tempo para que outro ajuste seja apresentado. Operar uma separação entre a agenda anti-austeridade e a agenda anti-corrupção demonstra que na raiz das nossas derrotas está um problema grave de compreensão das forças e subjetividades que estão em campo no momento. Austeridade e corrupção são dois mecanismos interligados de bloqueio da democracia. O povo, no seu pragmatismo de sobrevivência, parece ter entendido isso melhor que a esquerda no seu idealismo catastrofista."