08 outubro 2016

ANJOS E DEMÔNIOS: ESQUERDA E TEOLOGIA DO DOMÍNIO


“Não deis lugar ao diabo.” (Efésios 5:27)
A máfia do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, ex-Ministro da Dilma e apadrinhado de Lula, espalhou-se também pela África. Por lá igualmente roubaram de miseráveis, mercanciaram falsos milagres, amuletos mágicos e azeites abençoados a preço de ouro, abocanharam dízimos e criaram uma rede de assistência baseada na aniquilação do senso crítico e na demonização de eventos materiais plenamente explicáveis enquanto tal, como a miséria e o desemprego.
A organização de Edir Macedo e de Crivella já foi perseguida por charlatanismo, curandeirismo, estelionato, lavagem de dinheiro e fraude eleitoral, inclusive nos Estados Unidos. Já na França, a prefeitura de Paris proibiu a instalação de uma Igreja Universal com base em uma lei que bane a proliferação de “seitas” pela República. Crivella gaba-se de ter sido missionário na África. Mas sabem o que impulsionou a Igreja Universal pela África? As missões da Odebrecht e as negociatas do PT lá naquele continente. O mesmo PT que, falando de "golpe", era apoiado pelo PSOL e as empreiteiras da Lava Jato. Talvez esse seja o mais degradante legado do lulopetismo: a afirmação da Igreja Universal como um autêntico partido de massas, capaz de difundir uma variante totalitária do mais sórdido Sionismo Cristão (a respeito disso, reparem nos trajes de rabino do “bispo” Macedo na inauguração do Templo de Salomão ou procurem ainda saber das viagens de Crivella e de Jean Wyllis a Israel).
Testemunhamos a difusão silenciosa de uma genuína onda CRIPTOTEOLÓGICA, sedimentada no escamoteamento de preceitos fundamentalistas difundidos por inúmeras práticas da fisiologia partidária que prosperou sob o simulacro de bandeirolas tíbias, românticas e confusas, amealhadas inclusive da sucata legada pelo colapso do socialismo real, algo que foi até mesmo capaz de abandonar a histórica defesa da Palestina. Refém de uma versão liberaloide e norte-americanizada do multiculturalismo, a esquerda “humanista” preocupa-se muito com a “diversidade” dos Direitos Humanos individuais e enfrenta apenas de modo lateral o cerne da DESIGUALDADE dos Direitos Sociais. Acredito, porém, que a raiz disso seja mais funda do que a simples colonização de um imaginário mediocrizado, por isso peço licença para uma rápida digressão no campo da Sociologia das Religiões.
No PT, o catolicismo heterodoxo da Teologia da Libertação abriu as portas para a Teologia da Prosperidade de Edir Macedo. Certamente, muitos já ouviram falar dessa TEOLOGIA DA PROSPERIDADE, interpretação mística segundo a qual a graça atinge o fiel na forma de bens materiais obtidos miraculosamente como o contra-dom de uma “oferta” realizada à Igreja na forma de dízimos e doações “espontâneas”. Essa Teologia da Prosperidade velozmente foi ao encontro do programa lulopetista da cidadania pelo consumo: superendividamento das classes populares pelo crédito no varejo, provocando o “boom” dos carnês das Casas Bahia, do Ponto Frio e até do “dizimista fiel”. E ainda tem muito ingênuo que acredita que isso seja apenas uma espécie de Max Weber à brasileira: ética protestante e espírito do capitalismo. Entretanto, pouca gente sabe que essa Teologia da Prosperidade deriva de uma doutrina bem mais complexa e radical, a TEOLOGIA DO DOMÍNIO, também conhecida como TEOLOGIA DO REINO ou ainda DOUTRINA DA BATALHA ESPIRITUAL. Segundo essa TEOLOGIA DO DOMÍNIO, existe um enfrentamento terreno do demônio em diversos espaços sociais concretos, que devem ser a qualquer custo ocupados por fiéis capazes de anular idolatrias, combater misticismos pagãos, desfazer maldições hereditárias e até realizar exorcismos. É essa Teologia do Domínio que explica o vício das drogas como uma intervenção direta de Satanás sobre a vida das pessoas. Mas é a Teologia da Prosperidade que de bom grado aceita todas as alianças e silêncios, como aquele sobre o “traficante crente e empreendedor”, meio para um fim maior almejado pela Teologia do Domínio: o triunfo definitivo sobre os espaços políticos e comunitários.
Originada da formação que Edir Macedo e outros receberam do pastor Kenneth Hagin nos Estados Unidos, a TEOLOGIA DO DOMÍNIO representa um alarmante recuo obscurantista: ela instala o medo do demônio no lugar da convicção racional, estimulando o fundamentalismo na intolerância violenta à variedade religiosa, tornando-se subreptícia em sua capacidade de dissimulação e, inclusive, promovendo o epistemicídio e a explícita satanização das matrizes afroascendentes que constituem grande parte de nossa riqueza cultural como povo. Reunindo o consumismo material ao temor espiritual do Diabo, eis a natureza pérfida dessa força política que se proliferou sob as bênçãos do lulopetismo e do silêncio obsequioso dos seus agregados e beneficiários.
Infelizmente, nada disso foi detectado a tempo pela oposição a Crivella, há bem pouco apoiado pelo PT e seus partidos satélites, dentre os quais o próprio PSOL, implicado no discurso paranoide do “golpe de Estado”. Assim, os votos que Freixo precisaria não serão alcançados com esse discurso “participativista” ou, menos ainda, com a sua fala contra o povo como “rebanho” – certamente o maior orgulho de qualquer cristão congregado, o de ser uma boa ovelha. Talvez essas palavras até empolguem uma esquerda folclórica e em grande parte integrada por jovens de boa-fé recém politizados pela onda das redes sociais. Porém, esse discurso da “cogestão” e da “participação”, originário lá da minha Porto Alegre e fetichizado por sucessivas edições do Fórum Social Mundial, jamais mostrou-se efetivamente capaz de fazer frente ao drama da ineficiência dos serviços públicos. A razão é simples: vivemos em um mundo de esferas altamente especializadas e no qual ninguém mais suporta comparecer a reuniões. Sobretudo àquelas inconcludentes e sem efetivo poder de decisão, as quais rapidamente se tornam teatro de grotescas manipulações e deprimentes personalismos de atravessadores comissionados. Ademais, essa democracia “participativa” não é direta, mas representativa, pois vive de delegados que cedo pretenderão se tornar vereadores e deputados. Seria preciso então recordar que os princípios que explicam o funcionamento da democracia contemporânea são a procedimentalização, a delegação e a eficiência do serviço fiscalizado – não a participação.
Associado ao PCdoB e à esquizofrenia propagandística do “golpe”, o PSOL poderá perder as eleições porque jamais disputou corações e mentes dos setores populares, confundindo a bolha das redes sociais com a própria sociedade. Ledo engano. Na prática, o Facebook e o Twitter são nada diante da efetividade capilar (rizomática, caso queiram) das Teologias do Domínio e da Prosperidade. Exatamente por isso, acredito que este seja o momento propício para o VOTO INÚTIL: para um recolhimento e uma reflexão profunda sobre a estrutura de postulados e conceitos que varreram o velho e bom materialismo crítico dos sistemas explicativos e dos programas políticos mais arrojados. É o instante de se abandonar de vez a lengalenga messiânica da utopia e de se implementar uma prática da LUTOPIA, pois, enquanto não morrer, esse zumbi da esquerda será o avatar de uma força moribunda e lamuriosa, fundada na glorificação de heroísmos duvidosos e na incapacidade moral da autocrítica, o que a aproxima perigosamente do mesmo pensamento religioso que haveria de combater com as armas do Esclarecimento. Fica registrada aqui a minha crítica a todos que, ativamente, por adesismo ou por mera preguiça mental, fizeram parte disso.


Marcus Fabiano