25 setembro 2016

“Seria preciso falar desta experiência como se fala, por exemplo, do mar. O mar estava presente, todos os dias com ele convivíamos, víamo-lo, pensávamos nele, mas não sabíamos o que queria dizer. O mar, porém, sabia. Era ele que cercava as cidades, era ele que organizava os pensamentos dos homens, que regulava suas músicas, os seus quadros, os seus poemas. E não o contrário. Como imaginar uma coisa destas? Quanto a gente se servia das palavras da linguagem, e na folha branca as alinhava, não nos dávamos conta de que alinhávamos conchas. E o que um dia se descobre, sem se dar por isso, só por se estar sentado num rochedo diante do mar, é que a experiência dos homens está incluída na experiência do universo. E isto, verdadeiramente, é terrífico, e ao mesmo tempo é aprazível, porque nessa altura muitas palavras surgem, muitas palavras desabam. Quer isto dizer que a linguagem é uma expressão do universo modificada pela boca dos homens, uma linguagem por assim dizer interpretada, e cujo original há-de sempre ficar sem tradução”.
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trecho de J. M. G. LE CLÉZIO no "Índio branco", em tradução de Júlio Henriques.