23 setembro 2016

"Estão compartilhando essas fotos das crianças e adolescentes prestando aliança ao bostonaro, e me dá um incomodo. Não tanto pelos jovens, mas pelo como tripudiam, como acham humor & moral nessa porra. Eu não consigo: não só pelo incomodo de ser graduado, ter 28 anos, e tripudiar da ignorância pressuposta de menores de idade. Mas por ser requisitado a isso, como luta contra o 'fascismo'.
O discurso não pode ser resumido ao seu conteúdo ou significação, não podemos avaliar apenas o conteúdo, como 'problemático', da ação desses jovens, mas a ação e projeção desse discurso, a prática ou ato: o que esses jovens fazem, como eles entendem a si mesmos fazendo esse tipo de discurso e contra quem eles se posicionam fazendo esse tipo de discurso.
Além disso, como questão de ordem, deve ser problematizada a divulgação dessas fotos, o tipo de informação que vem junto e o tipo de comportamento que temos diante delas, nessa intersecção horrível entre humor e moral. Suspeito que é um comportamento esperado, já como forma de consumo, já que faz muito tempo que sites de esquerda se beneficiam e ganham capital político explorando um voyeurismo que se funda em hierarquias de idade, conhecimento formal e posicionamento político. A capitalização da arrogância de esquerda está na ordem do dia: o 'namore alguém que sabe que foi golpe' supõe justamente um tipo de subjetividade neoliberal, uma valorização de si. Dá pra ganhar dinheiro, dá pra fazer gente pra ganhar dinheiro, se valorizar e competir, submetendo o cálculo individual a identidade política, e não precisa haver contradição, é até um ciclo virtuoso...
Enfim, esse 'anel de pureza' militarizado/eleitoralizado tem que ser discutido num horizonte que não perceba fascismo como saciado no corpo ruim, na mente idiota, na misoginia do jovem - ou ainda vamos terminar culpando os videogames...
Como no debate sobre escola sem partido, sinto que estamos numa encruzilhada conservadora... a proposta do ESP partia do entendimento que o professor devia se submeter à hierarquia conservadora que liga escola e família, tendo o professor, por fidelidade ao conteúdo programático da esquerda, desertado dessa estrutura. Nada mais errôneo. Até porque a resposta de muitos foi o avilte que tenham questionado a fidelidade do professor à essa estrutura, ao qual a exigência de conteúdo homologado pelo programa cumpre um papel disciplinar fundamental. Ainda, defenderam justamente a posição hierárquica do professor dentro desse esquema como o conteúdo específico da autonomia do próprio... Pelo truque da proposta positiva colocada ser de direita, nós defendemos o que está aí como algo pronto: a democracia, a escola, a cultura. Mesma coisa do debate sobre maioridade penal: a carta capital fartou-se em apenas comentar a hipocrisia, cretinice e maldade dos proponentes.
E também, só ver que a exigência de mais tempo nas escolas mais conteúdo, mais controle, atravessa todo campo ideológico estabelecido...
Na verdade, o que é uma pragmática possível de esquerda é justamente o que está fora disso tudo, o que ameaça a família e a escola, esses espaços regrados, estrutura podre de séculos, que a gente espere que funcione como funcionava há gerações... é justamente a falência desse desencontro que produz 'monstros'... que a gente tripudia de como se fossem coisas prontas, como pasolini disse, 'corpos destinados ao fascismo', como supõe um racismo tipicamente esquerdista..." - 

Henrique Kopittke