12 setembro 2016

"Então, ao fazer Cabeças cortadas eu queria entrar no âmago dessas questões, que é um território terrível, porque não é um território palpável, não é um território sociológico, economicista, não é um território da Maria da Conceição Tavares que poderia fazer uma estatística, uma discussão dialética sobre as variantes econômicas. É um território que não tem lugar para a sociologia de Florestan Fernandes. Realmente é um território que não tem lugar para a especulação lingüística, crítico-lingüística,crítico-psicanalista. É um território da aventura sensorial, quer dizer, é um território do sonho através do qual você pode penetrar naquilo, como diria Antonin Artaud, que está além de um real palpável. E eu cheguei navegando como Colombo, às avessas, 470 e tantos anos depois, num castelo do alto de uma montanha, no interior da Catalunha, num lugar chamado São Pedro de Roda, nos desertos da Costa Brava, cenários ancestrais. É lá nesse castelo que tinha um porteiro que aparece no filme, louco, cantando coisas, com um vento que soprava quase 100 quilômetros por hora, eu tive assim uma espécie de visão e materializei um teatro com aqueles atores ali dentro em 14 dias, num ritmo muito febril, com pré-notações. Como a censura espanhola era prévia, e estávamos em pleno franquismo, eu apresentei um roteiro de Macbeth de Shakespeare e foi aprovado pela censura e eu imediatamente passei a fazer Cabeças cortadas. E lá se materializou isso que chamo de viagem às origens do nosso modelo colonizador."
Glauber Rocha 
(Entrevista a Miguel Pereira)