11 abril 2015

"Entre as desditas brasileiras estão seus liberais. No Brasil, desgraçadamente, os liberais apoiaram a escravidão e a ditadura. Jamais compreenderam e abraçaram a matriz axiológica que formou a filosofia política com a qual, supostamente, identificam-se. Por isso, agem e pensam como falcões conservadores e autoritários. Em sua maioria, são contrários à legalização das drogas, abrem mão do respeito rigoroso aos direitos humanos, defendem a redução da idade de imputabilidade penal, aceitam atropelos das garantias individuais, subestimam a linguagem dos direitos, ridicularizam a linguagem politicamente correta, subestimam o racismo, a homofobia, a misoginia, as desigualdades de oportunidades com que a sociedade acolhe as crianças, condenando-as a repetir a sina subalterna dos pais. Não compreendem essas bandeiras progressistas cuja origem é liberal e burguesa, e remontam a 1789. De fato, os liberais brasileiros retiveram de sua tradição apenas o credo econômico, e mesmo assim o suspendiam quando lhes interessava a intervenção estatal, em seu benefício. Propagavam a livre iniciativa mas repudiavam o risco. No passado foi assim, e continua sendo. 

Ou seja, não há, salvo raríssimas exceções, liberais no Brasil. Vejam o caso do PSDB. O que restou do liberalismo social-democrata digno deste nome? O partido é o espelho do que critica e exibe uma pauta regressiva, além de reativa. Degradou-se numa variação do Dem-PFL e similares.
Qual é o partido liberal brasileiro, no sentido forte e pleno da palavra, capaz de postular equidade, compaixão e a agenda libertária, além das bandeiras estritamente econômicas? Acho engraçado os jovens liberais brasileiros ingressando na arena pública. Mais do mesmo, yuppies ignorantes da história do pensamento político, neo-conservadores inconscientes de si.

 Qual a implicação? A agenda libertária tem sido defendida, em boa parte, por partidos e segmentos neo-marxistas ou marxistas. Muito curioso. Marx escreveu contra os direitos humanos, que considerava mera expressão da ideologia burguesa. A tradição política marxista jamais identificou-se com as pautas libertárias e dos direitos humanos, na teoria, muito menos na prática. Há, portanto, aí, um lance de, digamos, oportunidade. Compreensível. Menos mal. Isso ajuda, é positivo, ainda que sempre haja o risco de que levem estas bandeiras para o gueto político. Entretanto, cabe a indagação: que futuro tem o compromisso desses atores políticos com esta pauta? Qual a consistência histórica deste engajamento? Que implicações haverá para os movimentos libertários e dos direitos humanos?
Assim, entende-se a encrenca nacional. Os liberais são anti-liberais. Os marxistas os substituem e erguem suas bandeiras, provisoriamente. Os ativistas libertários estão, em certa medida, perdidos, sem bússola, transitando por mapas imaginários que não correspondem às cartografias político-ideológicas reais. Quem ganha com a confusão? Os conservadores de todas as estirpes. Os militantes dos direitos humanos precisamos conversar mais e em mais profundidade. Nossos encontros não podem continuar a ser apenas a proclamação auto-indulgente do que já sabemos."

via: Luiz Eduardo Soares