03 dezembro 2014

"[...] Nosso problema tem sido rotular algo como estupro, assédio sexual, pornografia diante da suspeita de que talvez seja uma relação sexual consensual, talvez seja uma investida sexual comum, talvez seja erótico. Para dizermos que essas coisas supostamente sexuais nos violam, para sermos contra elas, dizemos que elas não são sexuais. Mas a tentativa de sermos objetivas e neutras impede que assumamos o fato de que as mulheres têm um ponto de vista específico sobre estes eventos. Impede que digamos que, do ponto de vista das mulheres, relação sexual, papéis sexuais e erotismo podem ser e muitas vezes são violentos para nós como mulheres.
Minha abordagem invoca a nossa perspectiva; não estamos tentando ser objetivas sobre isso, estamos tentando representar o ponto de vista das mulheres. O ponto de vista dos homens, até o momento, chamado de 'objetivo', tem sido usado para distinguir categoricamente entre estupro de um lado e relação sexual consensual do outro; assédio sexual de um lado e investida sexual comum do outro; pornografia ou obscenidade de um lado e erotismo do outro. O ponto de vista masculino os define por distinção. O que as mulheres experienciam não distingue tão claramente as coisas diárias e normais dos abusos a partir dos quais elas foram definidas por distinção. Não se trata apenas de dizer 'Agora vamos pegar o que você diz ser estupro e chamar de violência'; Agora vamos pegar o que você diz ser assédio sexual e chamar de violência'; 'Agora vamos pegar o que você diz ser pornografia e chamar de violência'. Nós temos uma crítica mais profunda sobre o que tem sido feito à sexualidade das mulheres e sobre quem controla acesso a ela. O que estamos dizendo é que a sexualidade em precisamente essas formas normais frequentemente nos viola. Mas enquanto dissermos que aquelas coisas são abusos de violência, não de sexo, falhamos em criticar o que tem sido feito do sexo, o que tem sido feito a nós por meio do sexo, porque deixamos a linha entre estupro e relação sexual consensual, assédio sexual e papéis sexuais, pornografia e erotismo bem onde está.
Acho que é útil questionar de que forma mulheres e homens (não uso o termo 'pessoas', eu acho, porque não tenho visto muitas) vivem o significado de suas experiências com estas questões. Quando perguntamos se estupro, assédio sexual e pornografia são questões de violência ou de sexualidade, ajuda perguntar: para quem? Qual a perspectiva dos envolvidos, cuja experiência é de estuprar ou de sofrer um estupro, de consumir pornografia ou ser consumida por meio dela. Quanto ao que essas coisas significam socialmente, é importante se elas são sobre sexualidade para mulheres e homens ou se, em vez disso, são sobre 'violência' - ou se violência e sexualidade podem ser distinguidos dessa forma, conforme são vividos." (tradução livre)
Catharine Mackinnon, "Sex and Violence", em "Feminism Unmodified: Discourses on Life and Law", 1987. pp. 86-87.