04 setembro 2014


"Eu não sei se é em todo o Brasil, mas aqui no Rio Grande do Sul as pessoas só falam do caso da menina que chamou o jogador de macaco - após a penalidade definida sofrida pelo Grêmio. A minha pesquisa hoje informal me deixou chocada, as pessoas sentem mais pena da menina do que de quem sofreu o crime. Absolutamente uma comoção em que o assunto maior é o apedrejamento moral, mas o que me assusta é que todas as pessoas já escorregam para dizer que "agora nem para brincar mais", "em estádio se extravasa mesmo". "O gremio foi punido demais", "agora tem que punir por homofobia quando chamar juiz de veado", etc. Ou seja, o que era para ser uma preocupação com a menina em si, escorrega para uma preocupação de seu próprio umbigo. Novamente, me parece uma questão de identificação: "poderia ser eu". 

Deixo bem claro que eu repudio o linchamento moral que a menina está sofrendo, uma vez que minha posição é justamente a punição via caminhos legais. Sou conta toda e qualquer forma de linchamento físico ou simbólico. 
Só que não vi a mesma preocupação com a mulher pobre da periferia linchada até morrer. Da mesma forma, se as pessoas estão dizendo que o caminho é a lei - e eu acredito que é - por que não há a mesma comoção para outras formas de justiça com as próprias mãos, como por exemplo o jovem, pobre, negro que foi amarrado em um poste, torturado e deixado sem roupas? Porque num caso pode e noutro não pode?
Me parece que o sentimento de pena sobre os linchamentos pessoais e justiças com as próprias mãos infelizmente só pesam para um lado. Ou seja, para os brancos. Novamente, não é o abuso do linchamento moral que está em jogo, mas a recusa de admitir em que vivemos em uma das sociedades mais racistas do mundo.
E não me venha me dizer que ela tinha amigos negros, te mando para primeira série de volta a estudar o racismo velado, ideologia da mistura, e o que mais você quiser."

Rosana Pinheiro Machado