14 agosto 2014

'Há quem não entenda e caricaturize, como é o caso de Agamben e Zizek, a ideia de democracia porvir em Derrida. Eles associam o "porvir" a um infinito diferimento, um horizonte futuro, um telos inalcançável à maneira da ideia regulativa kantiana. Seria Derrida tão banal na política, depois de toda desconstrução que realizara antes? É preciso perceber que Derrida coloca a democracia porvir na ordem dos espectros, isto é, daquilo que escapa ao ser ou não ser, é demasiado inconsistente para existir, mas nos assombra. Assim, a democracia não pertence apenas ao futuro. O que Derrida está afirmando não é que vivemos uma falsa democracia no presente e veremos uma verdadeira no futuro. A democracia porvir, enquanto espectro, não pertence ao presente nem ao futuro, ela é anacrônica, uma disjunção no tempo - "time is out of joint", como dizia Hamlet citado em "Espectros de Marx". Essa democracia nunca se presentificará, ela é a ideia que abre qualquer forma concreta de democracia para sua própria desconstrução, ela é a abertura imanente de qualquer regime político para sua transformação. Ela é o que cinde o tempo, impedindo sua plenificação. Ou, dito de outro modo, é o que impede a política de se fechar, desconstrói qualquer reificação das instituições políticas de um tempo como se fossem "naturais".' 
Isso nos leva ao seguinte ponto: nem a democracia porvir é algo que virá, pois ela pertence ao campo do sonho, do fantasma, não do presente, nem ela pode ser deixada de lado, porque assombra qualquer tipo de arranjo político que se considere consumado de uma vez por todas. Sua relação com o atual não é o linear presente-futuro, já que ela não virá no futuro. É na errância experimental que configuramos, sempre de modo incompleto, a democracia porvir, já que ela - por ser um espectro - não pode ser presentificada. Em outros termos, porque não se trata de um "infinito diferimento do horizonte messiânico", mas de uma ideia que se apresenta incompletamente a cada forma errante que toma, temos que lutar por ela no presente, com as táticas e estratégias do presente, e não apenas ficar a desejando para um futuro como se fosse o Messias que vem. Ela é o que ao mesmo tempo abre o instituído (desconstrução), mas, pela sua própria forma espectral, exige novas organizações contingentes, uma vez que nunca pode ser experimentada como presença pura. Entre esse infinito espectral e a nossa finitude humana está exatamente o que chamamos de política.

Moyses Pinto