16 abril 2017

Já em 1989 -- in: 'A Sucessão na Crise e a Crise na Esquerda' -- José Chasin alertava para os compromissos de classe do PT: 
(Via: Natan Cunha)

“O PT - como partido dos trabalhadores - é por essa via o fantasma idolatrado da esquerda ausente. A quimera palpável de esperanças e perspectivas sem sustentação orgânica, o altar visível de um deus oculto, com cuja galeria de santos e profetas parece ser possível coabitar, uma vez que a simples proximidade física dos trabalhadores, por suposto, faria do PT a trincheira de todos os sonhos revolucionários.
Todavia, esse ledo engano não é uma projeção totalmente arbitrária, mas propiciada pelo fato de que, no PT ou para o PT, tudo se passa como se - movimento sindical fosse diretamente movimento operário, para usar uma expressão que se consagrou justamente por efetuar, ao contrário, a precisa distinção entre ambos. Pela indistinção entre a legítima ação corporativa de setores e frações profissionais e a atuação societária de classe que visa a reconfiguração cabal do universo humano de convivência, é que se esvai a possibilidade do PT se objetivar como uma organização política de esquerda, e ganha corpo, em contrapartida, sua configuração qualitativamente diversa de partido representativo dos trabalhadores situado na esquerda, extremo do arco político compreendido pela equação social da lógica do capital. Identificação entre movimento sindical e movimento operário apoiada sobre a noção reducionista de agente – profissional (sindical) e/ou político, que comparece em detrimento da categoria de classe social. Posto de outro ângulo, para o PT – movimento operário é o movimento sindical operando politicamente, mas sem a mediacão das determinações sociais, ou seja, é a transpiração do agente sindical para o universo político, desconsideradas, portanto, as clivagens sociais determinadas pela antítese estrutural entre capital e trabalho que ordena a sociabilidade capitalista. O que é perdido nessa passagem, e com isto o teor e a direção peculiares de uma política da perspectiva do trabalho, é a própria entificação de classe que medeia entre o movimento sindical e o movimento operário. Trata-se, em resumo, de um transporte para uma política meramente assentada sobre si mesma, isto é, uma transferência politicista para a política, que a própria origem do PT condiciona e explica.
Basta dizer que o PT é o encontro da combatividade sindical dos últimos anos da década de 70, que preencheu de maneira notável o vácuo escandaloso a que fora reduzido até mesmo o movimento corporativo dos assalariados, pela conduta omissa, quando não diretamente desmobilizadora da esquerda tradicional, com os representantes e o clima teórico-ideológico do conjunto de teses elenco mais atrás. De maneira que o renascimento firme e pujante da movimentação dos trabalhadores veio, assim, a submergir na atmosfera politicista, quando buscou os caminhos da organização e das definições políticas. Por consequência, ao inverso do que se daria num rumo de esquerda, com seu desenvolvimento o PT simplesmente politicizou a prática sindical, não extraiu da lógica do trabalho a política que supera a política, isto é, ficou nos limites do entendimento político, não se alçou à política norteada pela razão-social.
Em síntese, o formidável movimento sindical que originou o PT resgatou as lutas corporativas, mas o PT não resgatou, pela submersão politicista, o campo da esquerda, cuja ausência continua sendo sua única notabilidade. No interior dessa brecha o PT é recoberto por uma espuma fantasiosa de esquerda, sem ter ideologia ou prática de esquerda.”