03 dezembro 2016

"Lá de onde eu venho, safado, pilantra, sem-vergonha, babaca, escroto e filho da puta são epítetos normais, que a gente usa entre amigos e irmãos. Viado também era, mas viado a gente deixou de usar para não fomentar preconceito homofóbico. Tomar no cu a gente ainda usa, mas talvez a correção política elimine este também. Em todo caso, tudo isso é normal entre nós.
GOLPISTA, NÃO. Golpista não, porque lá de onde eu venho ainda tem gente com marca de tortura no corpo. Lá de onde eu venho, ainda tem cadáver que não encontramos e nem vamos encontrar. Ainda tem muita memória -- eu mesmo tenho -- do que é um golpe. Por isso, lá de onde eu venho, é muito mais grave chamar alguém de golpista do que de pilantra ou safado.
A esquerda brasileira que morreu abraçada ao governo anterior -- e boa parte da esquerda que nem era governista -- usou e abusou do direito de distribuir levianamente rótulos de golpista no último ano e meio. Ter uma leitura diferente da realidade política passou a ser suficiente para receber deles a etiqueta de golpista. Racharam associações acadêmicas, aparelharam sindicatos e associações populares, tudo para impor uma versão da realidade que nem 5% da população brasileira compartilha.
O resultado está aí: isolados, sem proposta nem pauta, gritando "Fora Temer" durante ano e meio para depois soltar um "não é bem assim" justamente na hora em que Temer pode mesmo cair, perguntando "cadê as panelas?" durante meses para depois ficar de braços cruzados olhando enquanto os paneleiros vão de novo às ruas, presos em uma psicótica narrativa que tem que inventar uma teoria da conspiração diferente para cada fato novo que surge, humilhados nas eleições.
Só podia dar nisso mesmo. Em um país como o Brasil, você não banaliza a palavra "golpe" impunemente."

Idelber Avelar