02 novembro 2014

"A direita saiu do armário. A primeira tentativa de por o nariz para fora ocorreu nas grandes manifestações de junho de 2013. Mas não funcionou, ainda que alguns tenham tentado, em suas interpretações capciosas, desqualificar as manifestações ao constatar a presença ultra-minoritária desses grupos golpistas de ultra-direita, como se eles contaminassem o conjunto. Esses grupos eram peixe-fora-d'água ali e a interpretação generalizante não se sustentou. Era absurda. Agora, voltam às ruas. A linguagem das ruas, como temos aprendido,pode ser criativa e agregadora, inspiradora e democraticamente transformadora, ou violenta e destrutiva, espelhando o vocabulário, a coreografia e a dramaturgia do Estado, em sua face mais brutal. Por tudo isso, é preciso, em minha opinião, nesse momento, repelir a performance grotesca e golpista, que dramatiza nas ruas a violência discursiva das redes sociais. Mas é preciso também pesquisar, empiricamente, assumindo a própria ignorância, quem esteve ali, quais grupos, com que projetos, etc..., para evitar generalizações. Não o afirmo com o propósito de salvar algum segmento que se pudesse supor bem intencionado, do ponto de vista democrático. Mas há heterogeneidades, diferenças e, eventualmente, conflitos internos em qualquer aglomeração. Distinguir os filamentos, as linhagens, as formas de produzir identidades, será importante para saber exatamente qual a natureza do processo e, desse modo, melhor confrontá-lo. Por outro lado, essa manifestação golpista da ultra-direita recoloca para os democratas questões sobre o tensionamento ruas-institucionalidade e sobre os limites da representação. Questões análogas às que discutimos a propósito dos desdobramentos de junho de 2013, agora com sinal invertido, mas nos interpelando quanto aos mesmos elos: movimentos-instituições, limites e contradições, mútua fecundação, choques, etc... A análise crítica do avesso de junho (o avesso de junho talvez não tenha sido a repressão policial, posto que foi parte -negativa- do processo, nem o anticlímax eleitoral, mas, é uma hipótese, a ocupação das ruas pela ultra-direita) pode nos ajudar a compreender mais algumas dimensões de junho e dos limites e potenciais da democracia institucionalizada no Brasil. Seria bom pesquisar e refletir, debater e comparar, ouvir e analisar bastante, antes de concluir. Quando, nas ruas, decretamos o colapso da representação, em nosso legítimo e justo discurso crítico e em nossas performances coletivas, abrimos o canal para outras insurgências, inclusive as mais regressivas, obscurantistas e assustadoras. Não estou criticando junho, por favor. Estou afirmando que o poro pelo qual passa o sopro de vida, passa o veneno. Novo momento, novos desafios, novos conceitos, incorporando os anteriores e os requalificando."

Luis Eduardo Soares - Facebook