30 setembro 2014

"O Ivan é meu aluno. Tem seus 14, 15 anos, é uns 10 cm mais alto que eu e está no sétimo ano. Era um aluno problemático, embora sempre tenhamos tido uma boa relação. Nos últimos meses o Ivan se converteu a uma denominação religiosa evangélica (ou passou a levar a sua conversão de forma realmente séria) e não é raro eu vê-lo lendo ou carregando a Bíblia na escola, uma Bíblia de estudo teológico. Nas últimas semanas conversamos sobre a possibilidade dele estudar teologia e ele me mostrou o trecho de uma das cartas de Paulo aos efésios que usaria na sua pregação. Discutimos Renascimento na aula e debatemos, eu e ele, sobre teocentrismo e antropocentrismo, sem que nenhum dos dois saísse sequer entalado com alguma coisa a ser dita. Trinta minutos depois ele conversava comigo na porta, já próximo da hora em que eu sairia da turma, e ele, me dizendo que eu estava com cara de cansado, me deu um abraço, dizendo que eu precisava. Em outra oportunidade ele já prometeu 'roubar um carro pra mim', afirmando que eu precisava 'levar a amante e a fiel pra passear'. Não sei se ensino nada ao Ivan, mas o Ivan (como nome de muitos outros meninos e meninas que convivem na sala de aula comigo) me ensina todo dia, com todas as contradições que ele possa ter em relação àquilo que eu considero, a cada momento, idêntico a minha própria visão de mundo.
De vez em quando damos uns saltos éticos e melhoramos a nossa relação com o mundo. Essas pequenas revoluções copernicanas sempre me marcam profundamente. A primeira delas veio com o nascimento do Miguel. A segunda veio na escadaria da ALERJ, no dia 17 de junho de 2013. E uma terceira eu talvez possa datar da minha convivência cotidiana com meus alunos na Pavuna e no Chapadão. Como é incrível esse vazio que preenchemos com a nossa potência e que chamamos de vida."
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"O problema da esquerda hoje não é fazer repercutir a 'palavra do socialismo' (isso é coisa de igreja, é idealismo). O problema ds esquerda, enquanto nome inercial do devir revolucionário (que, por definição, não tem e nem pode ter um nome), é produzir capacidade de interlocução e organização das demandas sociais, inovação no campo da governança, desenvolver políticas capazes de mobilizar a sociedade, construir democracia ali onde só há representação e jamais vai fazer isso insistindo nessa paranóia identitária, esse nós contra eles que, no limite, inverte a equação do Occupy Wall Street e se coloca como o 1% (que sabe para onde o mundo tem que ir, embora não faça a mínima ideia do 'como') contra os 99% - que, não obstante ela pretende representar. Não passa, no fundo, de uma forma de boa consciência que tranquiliza o militante. Afinal o mundo é uma merda, mas uma merda da qual ele se distingue, demarcando cuidadosamente a fronteira entre o terreno que pisa e aquele onde reina a catástrofe. O ser de esquerda como muro e não como passagem e já, portanto, devir."

Silvio Pedrosa -  Facebook