12 setembro 2014

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(…) Deliciosa me pareceria a vida se ao menos eu pudesse, hora por hora, passá-la com ela, acompanhá-la até o rio, até a vaca, até o trem, estar sempre a seu lado, sentir-me conhecido dela, tendo o meu lugar no seu pensamento. (…) E não era tão-somente porque tal estado fosse agradável, senão que (assim como a tensão maior de uma corda ou a vibração mais rápida de um nervo produz uma sonoridade ou uma cor diferente) esse estado dava outra tonalidade ao que eu via e me introduzia como ator num universo desconhecido e infinitamente mais interessante; aquela rapariga que eu ainda vislumbrava enquanto o trem acelerava a marcha era como parte de uma vida diversa da que eu conhecia, dela separada por uma orla e onde as sensações que despertavam os objetos já não eram as mesmas; e de onde sair agora seria como que morrer para mim mesmo. (…) E como por outro lado queremos continuar a pensar nessa impressão, prefere o espírito imaginá-la no futuro, preparar habilmente as circunstâncias que poderão fazê-la renascer, o que não nos ensina coisa alguma sobre a sua essência, mas evita-nos a fadiga de recriá-la em nós mesmos e permite-nos esperar recebê-la novamente do exterior.

(Proust. À sombra das raparigas em flor)