19 julho 2014


Cinco observações em diálogo com Bruno Cava Rodrigues sobre o estado de exceção brasileiro:


* Assim como na velha crítica marxista, não nos devemos fiar pela formalidade do direito, mas, pelas relações sociais efetivas. Se olharmos dessa maneira, veremos então que, desde o fim do regime militar, uma pequena parcela da população brasileira (digamos 10 a 20% dela) vive num estado democrático de direito. Essa parcela tem, como regra geral, assegurado os seus direitos civis, tem acesso ao sistema judiciário e participa da esfera pública e/ou da esfera política propriamente dita nos limites das democracias liberais. Podemos dizer que esse estrato compõe uma espécie de cidadania restrita, não universal.

* Para os demais segmentos que não participam dessa cidadania restrita, os princípios do estado de direito não se aplicam totalmente e não há plena participação política nos mecanismos da democracia liberal. Por esse motivo, de maneira tácita ou explícita, a expansão da cidadania restrita em direção a uma cidadania universal efetiva é um dos objetivos dos movimentos por justiça social. Essa contraposição entre uma universalidade formal e uma restrição de fato, é um dos pontos de partida da crítica social da ideologia. Como defendia a Escola de Frankfurt, não são os ideiais de liberdade e igualdade da ideologia que são falsos -- o que é falso é acreditar que foram realizados.

* A novidade da violação sistemática dos direitos civis que vimos recentemente reside justamente em ter acontecido no interior da cidadania restrita.

* Para ajudar a entender o fenômeno, é preciso notar ainda que, mais uma vez, ela não se expressou pela formalidade do direito. A liberdade de reunião e de expressão não foi formalmente suspensa ou limitada, mas ela foi impedida na prática por meio da intervenção repressiva e persecutória da força policial. 

* Se esses pressupostos estão corretos, o que estamos vivendo é uma fissura, uma espécie de estado de exceção branco no interior da cidadania restrita. E essa fissura é preocupante porque vai na contramão do objetivo de universalizar e aprofundar a cidadania.

via: Pablo Orteladdo - Facebook