24 junho 2014


"O que escapa ao poder é o contra-poder que, no entanto, encontra-se ele também, preso no mesmo jogo. Eis porquê é preciso retomar o problema da guerra, do afrontamento. É preciso retomar as análises táticas e estratégicas num nível extraordinariamente baixo, ínfimo, cotidiano. É preciso repensar a batalha universal, escapando das perspectivas do Apocalipse. Com efeito, viveu-se, desde o século XIX, uma economia do pensamento que era apocalíptica. Hegel, Marx, Nietzsche ou Heidegger, num outro sentido, nos prometeram o dia seguinte, a alvorada, a aurora, o dia que nasce, o entardecer, a noite, etc.. Essa temporalidade, ao mesmo tempo cíclica e binária, comandava nosso pensamento político e nos deixa[va] desarmados quando se trata[va] de pensar de outra maneira.


É possível ter um pensamento político que não seja da ordem da descrição triste: é assim, e você está vendo que não tem graça! O pessimismo da direita consiste em dizer: veja como os homens são filhos-da-puta. O pessimismo de esquerda diz: veja como o poder é nojento! Podemos escapar destes pessimismos sem cair na promessa revolucionária, no anúncio do entardecer ou da manhã? Eu creio que é isto que está em jogo atualmente."

Michel Foucault, Entrevistas, 2006 [1975], p. 96.