26 junho 2014

Inútil revoltar-se? - Michel Foucault

As revoltas pertencem à história. Mas, em certo sentido, escapam dela. O impulso graças ao qual um simples indivíduo, um grupo, uma minoria ou todo um povo diz: “Não mais obedecerei” e lança o risco de suas vidas na face de uma autoridade que considera injusta me parece algo irredutível. Uma vez que nenhuma autoridade é capaz de fazê-lo totalmente impossível: Varsóvia sempre terá seu gueto em revolta e seus esgotos cheios de rebeldes. E porque o homem que se rebela é finalmente inexplicável, produz-se, para o homem apto a, “realmente”, preferir o risco de morte à certeza de ter que obedecer, uma torção violenta que interrompe o fluxo da história e suas longas cadeias de razões.

Todas as formas de liberdade estabelecida ou demandada, todos os direitos que se defende, mesmo aqueles que dizem respeito às coisas aparentemente menos importantes, sem dúvida tem aqui um ponto de sustentação último, mais sólido e próximo da experiência que os “direitos naturais”. Se as sociedades persistem e vivem, isto é, se os poderes existentes não são “completamente absolutos”, é porque, para aquém de qualquer submissão ou coerção e para além das ameaças e das intimidações, existe a possibilidade daquele momento em que a vida não pode mais ser comprada, quando não há nada que as autoridades possam fazer e quando, enfrentando a forca e as metralhadoras, as pessoas se revoltam.

Ninguém tem o direito de dizer: “Revolte-se; a libertação final de todos os homens depende disso.” Não estou de acordo, contudo, com quem diz: “É inútil para você revoltar-se; sempre vai dar no mesmo.” Não se deve dar ordens àqueles que arriscam suas vidas diante de um poder. Revoltar-se é ou não um direito? Deixemos a questão em aberto. As pessoas se revoltam; isso é um fato. E é assim que a subjetividade (não a dos grandes homens, mas a de qualquer um) é trazida para dentro da história, conferindo-lhe vida. Um condenado põe em perigo sua vida para protestar contra punições injustas; um louco não pode mais suportar ser confinado e humilhado; uma pessoa recusa o regime que a oprime. Isso não faz do primeiro inocente, não cura o segundo e não assegura à terceira o amanhã prometido. Ademais, ninguém é obrigado a ajudá-los. Ninguém é obrigado a declarar que essas vozes confusas cantam melhor do que as outras e falam a verdade. É suficiente que elas existam e que tenham contra si tudo que está determinado a silenciá-las até que haja um sentido em ouvi-las e em prestar atenção ao que querem dizer. Uma questão de ética? Talvez. Uma questão de realidade, sem dúvida. Todos os desencantos da história não alterarão a verdade: é por causa de tais vozes que o tempo dos seres humanos não tem a forma de uma evolução, mas sim, precisamente, de uma “história”.


Isso é inseparável de outro princípio: o poder que um homem exerce sobre outro é sempre perigoso. Não estou dizendo que o poder é, por natureza, mau; estou dizendo que o poder, com seus mecanismos, é infinito (o que não significa que ele é onipotente, muito pelo contrário). As regras para limitá-lo nunca são suficientemente severas; os princípios universais para desapossá-lo de todas as ocasiões de que apropria nunca serão suficientemente rigorosos. Contra o poder, deve-se, em um esforço incansável e interminável, definir leis invioláveis e direitos irrestritos.