14 março 2017

"Passos rumo ao caos social:
1. Moro, mau como um pica-pau, começa a abordar pessoas e pedir educadamente por uma selfie. Meses depois, com andanças pelo país, são vazados na internet os Moro Files: gigabytes só de selfies de Moro com pessoas até então reputadas cidadãs de bem, avessas ao fascismo e à homolesbotransfobia.
2. As negações aparecem de todas as partes. Dentre as fotografadas, havia uma sorridente eleitora de Freixo que tirava uma selfie no Leblon. "Fui coagida!", disse. Logo a internet fica cheia de memes com o mote e a foto.
3. Em busca de algum, experts em photoshop identificam perfis de classe média. Gente de bem, avessa ao fascismo e à homolesbotransfobia, súbito começa a receber inbox montagens ao lado de Moro, com a ameaça: deposite X, ou eu posto.
4. Eleições de D.A. Brasil afora são decididas após estudantes terem suas contas de Facebook hackeadas e fotos ao lado de Moro postadas.
5. O golpe já é conhecido, mas muitos que constam nos Moro Files se aproveitam disso para negar seu passado espúrio. Clima de insegurança se instaura.
6. No Recife, um aluno de Sociais soca o colega olavete e garante para si a reputação de cidadão de bem inconteste. É imitado Brasil afora por gente consciente.
7. Atrás das grades, a classe média consciente denuncia o avanço do fascismo e do conservadorismo. Declaram-se presos políticos e escrevem à ONU, que ignora. Só o DCM, o Brasil 247 e a Mídia Ninja noticiam esse drama humanitário.
8. Em Curitiba, uma estátua de cera de Moro é feita. Vira ponto turístico e turistas tiram fotos ao lado dela."


Bruna Frascolla

09 março 2017

"O feminismo é multiespecífico!
Hoje eu queria lembrar que, como nos ensina Preciado, o feminismo não é um humanismo, mas um animalismo; ou, por outra, que "o animalismo é um feminismo dilatado e não antropocêntrico e que "não foram o motor a vapor, a imprensa ou a guilhotina as primeiras máquinas da Revolução Industrial, mas sim o escravo trabalhador da lavoura, a trabalhadora do sexo e reprodutora, e os animais. As primeiras máquinas da Revolução Industrial foram máquinas vivas."
Gostaria também de lembrar das autoras ecofeministas, em especial Val Plumwood, que nos explica como o discurso do mestre no ocidente é tradicionalmente aquele do "não marcado diante do outro marcado" e que "o dualismo abrangente da cultura ocidental opõe a esfera da razão (mente, espírito) à da natureza como uma esfera de múltiplas exclusões contendo mulheres, escravos, povos indígenas, não-brancos e animais (e, claro, muito mais, incluindo a vida biológica não-humana, a necessidade e o corpo."
O trabalho das fêmeas (e daqueles que ocupam posições marcadas) é invisibilizado, seus corpos violentados todos os dias. Entre a criminalização do direito ao aborto, o destino das vacas leiteiras, das galinhas poedeiras e das éguas mantidas grávidas para extração de hormônio (que beneficia fêmeas humanas, mas primeiramente dá muito lucro às farmacêuticas), só para ficar em algumas poucas práticas de tortura da vida feminina, há um laço. Entre o apagamento do trabalho doméstico feminino e o trabalho não reconhecido de animais em fazendas, laboratórios e outros, há conexões. Deve haver solidariedade entre nós.
Termino retornando a Paul B. Preciado, feminista que nasceu mulher e tornou-se homem (mas nunca aderiu ao lugar não marcado!):
"A mudança necessária é tão profunda que se costuma dizer que ela é impossível. Tão profunda que se costuma dizer que ela é inimaginável. Mas o impossível está por vir. E o inimaginável nos é devido. O que era o mais impossível e inimaginável, a escravidão ou o fim da escravidão? O tempo de animalismo é o do impossível e o do inimaginável. Este é o nosso tempo: o único que nos resta."

Juliana Fausto
"Uma das grandes dificuldades que a mulher enfrenta ao denunciar atos machistas perante organismos legais - delegacias, tribunais, etc - reside não só no fato de que esses organismos e instituições sejam perpassados pela lógica machista e pelos mais diversos preconceitos socio-culturais que deveriam combater, ou que a maioria dos cargos seja ocupada por homens, é que também a própria linguagem que define o sujeito autônomo moderno com o qual o direito opera está estruturado numa lógica patriarcal e em seus modos de tradução verbal específicos. Daí advém uma assimetria de linguagem fundamental para se pensar numa perspectiva feminista os fundamentos místicos da autoridade, pensados em outra circunstância por Derrida. inclusive as dinâmicas das redes sociais enquanto mobilizadoras de um tipo de denúncia coletiva que viria tentar corrigir a impotência da palavra das mulheres quando proferida de forma isolada perante a Lei. As construções sociais da linguagem cujos princípios legitimadores são esguios esquivos e muito difíceis de localizar incidem nos modos de recepção das falas que tratam de dar conta de violências sofridas. O filme A paixão de Joana D'Arc de Carl Theodor Dreyer é de certo modo uma longa e dramática reflexão sobre essa assimetria brutal de linguagens e a farsa jurídica que ela produz. Ainda que hoje o caráter "natural" das agressões vividas pela mulher na sociedade tenha sido questionada e desconstruída, a assinação de lugares e comportamentos naturais à atuação feminina são ainda extremamente enraizados no imaginário social. Quando o demente e anacrônico Michel Temer fala sobre a mulher numa perspectiva conservadora, circunscrevendo-a ao espaço doméstico, não está apenas confirmando a virulência misógina e a hierarquia patriarcal que faz questão de cultuar mas exibe aí também uma concepção político-jurídica que contribui para a manutenção dessas assimetrias tanto no nível da linguagem quanto no das práticas jurídicas. Impressiona ainda na indigência intelectual do seu pronunciamento que ele não seja sequer capaz de fazer uma distinção entre a mulher abstrata e generalizada e idealizada segundo critérios os mais retrógrados e a mulher como "outro" concreto, a mulher brasileira, a negra, pobre e solteira que trabalha fora, cria filhos, banca uma família inteira e se defende diariamente da violência psíquica e física a qual é exposta. O grande perigo de falas idiotas como as de Michel Temer é que têm um poder ressonância enorme, e não importa que a mulher ali delineada exista apenas na cabeça demente de um político porque na hierarquia das linguagens institucionais prevalece essa mesma ideia e projeto de mulher que torna inaudível a denúncia e a crítica de uma perspectiva feminista, porque a mulher real, para o sistema, ainda não existe. E ainda mais triste e preocupante, infelizmente ela ainda não existe também, na percepção e articulação de discurso de muitos intelectuais "sensíveis", pois para muitos destes, lá no fundo, quando uma mulher é também uma intelectual, é porque de certo modo ela conseguiu se tornar um homem."

Laura Erber