31 julho 2014

"A revolução foi televisionada! Morreu Harun Farocki, artista e cineasta checo/alemão que realizou, entre outros trabalhos perturbadores, Videogramas de uma Revolução, um incrivel ensaio sobre a dramaturgia do tempo real e uma revolução transmitida ao vivo. Remixagem de videos e trechos de programas da TV pública romena, quando os estúdios são tomados por manifestantes em dezembro de 1989.A rebelião que derrotou a ditadura de Nicolau Ceausescu na Romênia ocupou o centro simbólico do poder, durante cinco dias, estação de televisão estatal em Bucareste. Transmitiram 120 horas contínuas de programação, e a revolução foi televisionada! Outro trabalho incrivel Serious games, o uso de games para treinar os soldados americanos para a guerra no Afeganistão e como parte do tratamento de superação dos traumas e mortes experimentadas e para "aprender a ver os outros sofrerem" !https://www.youtube.com/watch?v=Y61BsB1EvjU
E sobre o olhar. How to Face a Camera https://www.youtube.com/watch?v=Z9SxllhHWOs#t=18

Ivana Bentes - facebook 

29 julho 2014

Adriano Pilatti - Puc Rio de Janeiro

"CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, artigo 5º: II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; IV- é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX- é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXXIX- não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; LIV- ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI- são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; LVII- ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; LXVIII- conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Confesso: concordo integralmente com os perigosos enunciados acima.
Confesso mais: ajudei, muito modestamente, a elaborar o documento subversivo que os consagra, como assessor da organização “Assembleia Nacional Constituinte”, presidida pelo notório subversivo Ulysses Guimarães.
Confesso mais ainda: defenderei enquanto viver as verdades inscritas nesses enunciados.


Confesso: sou advogado inscrito na organização "OAB-RJ".
Confesso mais: apoio e admiro a atuação em prol das liberdades democráticas que a atual gestão e a anterior têm realizado.
Confesso mais ainda: acabo de ingressar na organização "Instituto dos Advogados Brasileiros", apoio e admiro o trabalho em prol da cultura jurídica democrática, e do esclarecimento geral, realizado pela atual gestão e pela anterior.


Confesso: minha profissão é a de professor, e minha vocação, a de educador.
Confesso mais: trabalho há 27 anos na organização "Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro", onde por cinco anos chefiei sua assessoria jurídica, por seis anos dirigi seu Departamento de Direito, e há onze anos ininterruptos sou representante docente no seu Conselho Universitário.
Confesso mais ainda: ao longo destes 27 anos, tenho criado, coordenado e participado de projetos de extensão universitária que visam à promoção da cidadania e à garantia de direitos dos desvalidos e vulneráveis.


Confesso: tenho livros em minha casa.
Confesso mais: muitos deles foram escritos por, ou sobre, suspeitos de reacionarismo, conservadorismo, liberalismo, republicanismo, “social-democratismo”, socialismo, anarquismo ou comunismo, além dos que, anteriores a essas classificações, foram notórios subversivos, como Jó, Salomão, Sófocles, Heráclito, Sócrates, Lucrécio, Cícero, Jesus, Francisco de Assis, Maquiavel, Montaigne, Giordano Bruno, Spinoza e Shakespeare.
Confesso mais ainda: muitos deles têm capa de cor vermelha ou preta, ou, o que é mais grave, vermelha E preta.


Confesso: gosto de conversar com jovens, sobretudo com os que sonham com, e lutam por, um mundo melhor e uma vida menos ordinária para todos.
Confesso mais: gosto de escutar o que esses jovens dizem.
Confesso mais ainda: não me furto a ouvir nem a dialogar até mesmo com os mais irascíveis e radicais, porque desconfio que, no fundo de seus corações e mentes, há um enorme desejo de ternura, delicadeza, fraternidade, tolerância e paz, que pode ser resgatado.


Confesso: amo a liberdade, a bondade, a justiça e a beleza.
Confesso mais: desejo uma vida livre, boa, justa e bela para todos.
Confesso mais ainda: faço o que está ao meu alcance pra tentar realizar este desejo, mesmo sabendo que não conseguirei.


Confesso: luto pelas liberdades democráticas desde os 15 anos de idade quando, em dezembro de 1976, no restaurante Camafeu de Oxóssi, Mercado Modelo, Salvador, Bahia, ouvi o perigoso comunista Jorge Amado ler o Manifesto dos Artistas e Intelectuais Contra a Censura, e assinei.
Confesso mais: intensifiquei minha participação nesta luta a partir de junho do ano passado.
Confesso mais ainda: não pretendo parar.


Confesso: não me espanto com a baixeza, a covardia, a truculência, a ignorância e a incompreensão de parte de agentes repressivos do Estado porque, desde os 12 anos de idade, quando vi a tirania Médici se voltar contra meu Pai (um empresário liberal, íntegro e com enorme sensibilidade social), aprendi que esses vícios são constitutivos da maioria desses agentes em qualquer regime.
Confesso mais: penso o mesmo em relação aos potentados que controlam a impren$a em geral e a “brasileira” em particular.
Confesso mais ainda: pouco me importa o que esses tipos boçais pensem ou digam de mim, pois sei que, onde quer que se estejam, meu Pai, minha Mãe, minha Nonna antifascista – e outros grandes mestres com que a vida me presenteou – aprovam minha conduta e se contentam por eu ter aprendido o que me ensinaram, e isto me basta.


Confesso: me orgulho de cultivar a visão de mundo acima espelhada, e de perseverar, impenitente, em agir de conformidade com ela.
Confesso mais: procuro transmitir o gosto por estes amores a quem quer que me ouça falar e me veja agir.
Confesso mais ainda: onde quer que eu venha a estar, enquanto puder ouvir e falar, não vou parar.


Por tudo isto, aviso a quem interessar possa: não se deixem enganar - se, nos próximos dias ou semanas, algo de ruim vier a acontecer com a minha liberdade, a minha honra e/ou a minha imagem, será exclusiva e unicamente por conta dos “ilícitos” acima “confessados”. E o mesmo se aplica a quem pensa e age de formas semelhantes à minha. Tudo o mais será mentira, calúnia, vileza.
Peço por antecipação sinceras desculpas a quem vier a se entristecer se isso eventualmente acontecer, mas simplesmente não consigo viver, nem sentir, nem pensar, nem agir de forma diferente. A luta continua e, como dizem na imensidão das planuras de meu amado Sul natal, “não tá morto quem peleia”.
Às viúvas de Médici digo apenas: mais cedo ou mais tarde, uma risada os derrotará: a nossa. Aos que forem solidários, peço que compartilhem se puderem. E, com todos os doces e bárbaros desobedientes de qualquer tempo e lugar, repito: a vida é sempre primeira, a liberdade é o bem maior, a alegria é a prova dos nove. Sigamos! Obá, Ogunhê, Oraieiê, Caô Cabecilê, Iaroiê, Axé! "

28 julho 2014

«O encontro com o mundo índio não é hoje um luxo. Tornou-se uma necessidade para quem quer compreender o que se passa no mundo moderno. Não basta porém compreender; trata-se de tentar ir até ao fim de todas as galerias obscuras, de procurar abrir algumas portas – quer dizer, no fundo, tentar sobreviver.» [J. M. G. Le Clézio, no ensaio "Haï", publicado em Portugal como "Índio branco"]

Eduardo Sterzi
"As esquerdas brasileiras, quase como um todo, crêem na superstição de que a sociedade é conservadora, logo, não seria possível ousar em matéria de política. Ou ousar de maneira estéril e arrogante, sem se preocupar em se fazer compreender. Às isso parte de um engano de avaliação, mas chega a ser um wishful thinking perverso: não esqueçamos que parte dessas mesmas esquerdas é moralmente conservadora, inclusive algumas alas suas de caráter laico. Hoje, por exemplo, é a candidatura de extrema-direita do Pastor Everaldo que está ditando o discurso das eleições nacionais: mas Everaldo só existe por conta das concessões feitas ao seu partido e à dita "bancada evangélica". E a resposta para isso? Os principais candidatos afinam mais ainda seu discurso com uma agenda moralista, que não é dos "evangélicos", mas da direita que mascara sua política conservadora na embalagem do discurso religioso-moral-evangélico. Sim, essa mesma direita é o plano Y de sobrevivência do capital, mas é um plano. Por outro lado, a esquerda radical não parece disposta a bater chapa a sério contra isso e, junta, não terá os votos do Pastor. Ainda porque suas lideranças mais carismáticas não arriscam seus mandatos parlamentares e, também, porque não constrói uma política concreta junto à multidão. Como se as demandas libertárias não surgissem aí espontaneamente e não fosse o Estado o responsável por vetar, ou protelar, certas legalizações. Essa ilusão de que é a sociedade, e não o Estado -- seus burocratas e colaboradores --, o ser próprio do conservadorismo ainda nos causará grande prejuízo."

Hugo Albuquerque

"A sempre saudável irreverência de Rubem Alves e os "sacodes" que dava na intelectualidade de relógio-ponto:

"Se a gente pedir para os moradores da universidade fazerem um trabalho sobre uma coisa complicada, sobre a qual existe uma bibliografia, tudo bem; eles fazem. Mas se a gente pedir para que façam um trabalho sobre aquilo que estão vendo, eles ficam paralisados. Para ver, eles precisam de uma citação."
Assim foi com muitos PhDs-em-si-mesmos a partir de junho do ano passado. Entrincheirados em seus cômodos sofás e dogmáticas certezas, deixavam-se guiar pela impren$a, "não viam e não gostavam". E disparavam flatulências pseudo-eruditas para condenar o que não conheciam nem compreendiam (e até hoje não conhecem nem compreendem), tentando talvez se defender de suas próprias inseguranças.
Outros até compareciam às manifestações, mas talvez atordoados com a maravilhosa, potente e contraditória explosão [no sentido figurado, tá, p2?...] da multiplicidade de singularidades em movimento, não conseguiam se abrir para o novo que a todos surpreendia. Davam seu tradicional rolê de 15 minutos só para serem vistos, e refugiavam-se na mesa de bar mais próxima, empunhando amareladas (no duplo sentido) notas de pé de página para implicar com tudo.
Alguns, devastados pelo ressentimento, chegaram "sovieticamente" a acusar de "louco" quem ousava olhar para tudo aquilo com olhos de primeira vez. Com isso só conseguiam denunciar sua própria deslealdade e - pobre a rima porque pobre o motivo - sua própria pequenez.
Mas o pior mesmo é o estrago que uns e outros irresponsavelmente causaram e ainda causam na percepção e na compreensão dos seus incautos pupilos. Tristes "saberes" que esterilizam, embotam e paralisam, ao invés de fecundar, inspirar e co-mover..."


Adriano Pilatti

27 julho 2014


“O eterno feminino faz do homem um bobo, um idiota. No momento em que se apaixona, ele treme, sua, assume o mecanismo de um perfeito idiota. Todas as suas funções intelectuais, as chamadas positivas, são destruídas. Foi o que aconteceu com Dante que se apaixonou por Beatriz: ele se tornou um idiota e escreveu 'A divina comédia', a obra de um 'super-idiota'.”
Salvador Dalí
"Estou cada vez mais convencida de que esvaziar a cidade é uma Política Pública. Precisamos ocupá-la. Não somente com manifestações (no sentido das passeatas políticas) mas no nosso dia a dia. Ir aos espaços públicos, usufruir das praças e afins, dos bares que têm a mesa esticada na calçada, nas caminhadas rotineiras, no tempo reservado aos grupos de teatro de rua (como espectadores ou como parte deles), na paradinha pra ouvir o garoto q toca violino, sei lá, existem mil formas de ocupar a cidade. A neurose de *insegurança* (no RJ se utiliza há muito tempo) tem como objetivo também esvaziar a cidade. É uma forma de convencer a população de ficar confinada em seus espaços privados. O perigo mora no vazio. Rua deserta é templo do Estado."

Maria de Paula - retirado do facebook 


26 julho 2014


"Pensando em voz alta a partir do "Bachofen", de Furio Jesi: talvez haja duas economias da diferença, do estranho, ou melhor, duas tendências que toda economia do estranho mescla de algum modo. Por um lado, uma em que o tempo é o valor fundamental; por outro, uma em que o espaço (o lugar) ocupa essa posição. A economia do estrangeiro regida pelo tempo tende a ser universalista, a internalizar toda diferença como própria, como diferença temporal de um mesmo sítio. Nela, o estranho se internaliza a tal ponto que se torna monetarizável: a herança, os nichos de mercado, etc. Ao contrário, a economia do estranho baseada no lugar não internaliza a diferença, mas faz o externo cindir a própria idéia de interno, a própria idéia de próprio. A reação da paisagem contra o tempo"

Alexandre Nodari - Facebook
"O baixo contra o alto, o chão contra a construção, o abjeto contra o sublime, a literatura contra o Direito, o corpo contra o Espírito que destroça corpos: os terrenos contra os humanos:

Conto "Mineirinho" - Clarice Lispector

Via: Alexandre Nodari - Facebook
“A idéia de direito natural deve permanecer desconhecida enquanto a idéia de natureza é ignorada [direito natural permite algo como um padrão universal de justiça, um termo que sirva para comparar e julgar os diversos direitos positivos]. Descobrir a natureza é a tarefa da filosofia. Onde não há filosofia não há nenhum conhecimento do direito natural como tal. (...) Diferentemente do mito, a filosofia surgiu quando se descobriu a natureza; ou por outra: o primeiro filósofo foi o primeiro homem que descobriu a natureza. Toda a história da filosofia não é outra coisa senão o registro de tentativas incessantes de apreender completamente aquilo que estava envolvido na descoberta crucial feita por algum grego há 2600 anos ou mais. Para entendermos o sentido dessa descoberta, (...) precisamos remontar da idéia de natureza ao seu equivalente pré-filosófico. O sentido da descoberta da natureza não pode ser apreendido se se entende por natureza ‘a totalidade dos fenômenos’. Pois a descoberta da natureza consiste precisamente na divisão dessa totalidade em fenômenos naturais e fenômenos não naturais: ‘natureza’ é um termo de diferenciação. Antes dessa descoberta, o comportamento característico de uma coisa ou de uma classe de coisas era concebido a partir do seu costume ou do seu modo de ser. Quer dizer, não se fazia nenhuma diferenciação fundamental entre os costumes ou os modos de ser que são sempre e em toda parte os mesmos e os que diferem de tribo para tribo. O modo de ser de um cão é latir e correr atrás do rabo, a menstruação é o modo de ser das mulheres, as loucuras feitas pelo louco são o modo de ser do louco, assim como não comer carne de porco é o modo de ser dos judeus e não beber vinho é o modo de ser dos muçulmanos. O ‘costume’ ou o ‘modo de ser’ é o equivalente pré-filosófico de ‘natureza’”. (Leo Strauss, Direito natural e história)

Alexandre Nodari - Facebook
"Comentário a partir do curso do João Camillo Penna: o poético (o artístico) é certa intensidade produzida/fabricada por um deslocamento. Essa intensidade não é caracterizável positivamente (é como uma potência mágica, um it indefinível), já que não é substancial, mas uma modificação (um acidente) realizada, um (o) "fazer", como diz o Nancy, que desloca (seja por um gesto "artístico" em sentido estrito, seja por um "fenômeno natural", seja por uma mudança de perspectiva, etc.). As instituições que caracterizam a arte moderna (a autonomia, o museu, o artista, a obra) são todas formas ambivalentes que tentam tanto produzir/fabricar tal intensidade quanto controlá-la."

Alexandre Nodari - Facebook
"Os antropófagos não querem mais a cultura falsa do ocidente, e os seus dogmas mais errados ainda. Também não querem Rousseau. Aceitam o homem natural como um símbolo duplo da potencialidade geográfica e do indivíduo sem preconceitos, humano, apto por isso mesmo a aprender uma verdadeira fórmula de felicidade coletiva. Sem essa nova feição de desequilíbrio de classes com que o comunismo se apresenta. Sem a nobreza. Nem o predomínio do clero. Antes pela reabilitação de todos [os] indivíduos e pela extinção desse grupo de “homens-coisa” de que fala Pontes de Miranda, que não têm capacidade para possuir e só sabem ser possuídos."

retirado da página do Facebook do Alexandre Nodari
VIVA ARIANO SUASSUNA!!!

"Há duas raças de gente com as quais simpatizo: mentiroso e doido, porque eles são primos legítimos dos escritores"


"Sempre me vêm com estatísticas, tentando provar que viajar de carro é mais perigoso, que as estradas são cheias de buracos. E eu respondo: 'Pior é no avião, que o buraco acompanha a gente o tempo inteiro”


"A alma humana divide-se no hemisfério rei e no hemisfério palhaço. O que há de trágico é ligado ao primeiro, e o que há de cômico, ao segundo. O hemisfério rei se complementa com o hemisfério profeta. O hemisfério poeta, com o palhaço. No meu entender o ser humano tem duas saídas para enfrentar o trágico da existência: o sonho e o riso"

"Eu tenho dentro de mim um cangaceiro manso, um palhaço frustrado, um frade sem burel, um mentiroso, um professor, um cantador sem repente e um profeta"

"Estendo meu horror ao terrorismo aos atos praticados pelos americanos. O pior terrorismo é o de Estado. As pessoas que derrubaram as torres de Nova York: é um ato reprovável, mas são corajosos. Enfrentaram e morreram. O terrorismo de Estado é ao abrigo de qualquer risco."

"Um marco de minha vida foi a leitura de uma frase d'Os Irmãos Karamazov': 'Se Deus não existe, tudo é permitido'. Sartre tirou essa dúvida, porque a frase é duvidosa. Ele disse: 'Deus não existe, portanto tudo é permitido'. Eu tirei a conclusão contrária, eu digo que nem tudo é permitido e portanto Deus existe. Ou a norma moral tem um fundamento absoluto, ou ficaria ao sabor da opinião individual de todo mundo, inclusive de estupradores e assassinos"

"Posso dizer que, como escritor, eu sou, de certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte através do que faço e do que escrevo (…)"

"A meu ver, o arraial de Canudos —antecedido pelo de Palmares e sucedido pelo do Contestado— é o episódio mais significativo da nossa história. Na verdade, foi ali que o Brasil real pela primeira vez expressou seu sonho religioso e político, formulando uma teoria do poder posta em prática sem imposições ou deformações que lhe viessem de cima ou de fora"
“O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”

"A massificação procura baixar a qualidade artística para a altura do gosto médio. Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto... Nunca vi um gênio com gosto médio.”

"Eu digo sempre que das três virtudes teologais chamadas, eu sou fraco na fé e fraco na qualidade, só me resta a esperança. Eu sou o homem da esperança.”

"Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.”

"… que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.”
"Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas.”

"Não troco o meu "oxente" pelo "ok" de ninguém!”

""Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte:
o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver."

“Venha sexta musa mensageira, do reino de Eloim, me traga a pena de Apolo e escreve aqui por mim: O Assassino da Honra ou A Louca do Jardim!”

"Quando eu morrer, não soltem meu cavalo
nas pedras do meu pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu dorso alardeado,
com a espora de ouro, até matá-lo.”

"Dizem que tudo passa e o tempo duro tudo esfarela.”

"Terceira idade é para fruta: verde, madura e podre." 

"Só o tempo determina se o que foi escrito fica."

"A humanidade se divide em dois grupos, os que concordam comigo e os equivocados."

"Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas."

"No Nordeste, a gente chama a morte de Caetana. Eu não gosto dela não. Eu me recuso a morrer. Toda morte tem um componente de suicídio, e eu não me rendo"

"Na minha visão, a literatura –e a arte de modo geral– é uma forma precária, mas ainda assim poderosa de afirmar a imortalidade. Também na minha visão, o homem não nasceu para a morte, nasceu para a vida e para a imortalidade"

"Tudo que é vivo, morre."

Enciclopédia Nordeste: Biografia de Ariano Suassuna - http://goo.gl/8jHQEF

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Gilles Deleuze sobre a Palestina (1978)


Como os palestinos poderiam ser “parceiros legítimos” em conversações de paz, se não têm país? Mas como teriam país, se seu país lhes foi roubado? Os palestinos jamais tiveram escolha, além da rendição incondicional. Só lhes ofereceram a morte.

No conflito Israel-Palestina, as ações dos israelenses são consideradas retaliação legítima (mesmo que seus ataques sejam desproporcionais); e as ações dos palestinos são, sem exceção, tratadas como crimes terroristas. Um palestino morto jamais interessa tanto, nem tem o mesmo impacto, que um israelense morto.

Desde 1969, Israel bombardeia sem descanso o sul do Líbano. Israel já disse, claramente, que a recente invasão do Líbano não foi ato de retaliação pelo ataque terrorista em Telavive (11 terroristas contra 30 mil soldados); de fato, a invasão do Líbano é o ponto culminante de um plano, mais uma, numa sequência de operações a serem iniciadas como e quanto Israel decida iniciá-las. Para uma “solução final” para a questão palestina, Israel conta com a cumplicidade quase irrestrita de outros Estados (com diferentes nuances e diferentes restrições).

Um povo sem terra e sem Estado, como o palestino, é como uma espécie de leme, que dá a direção em que andará a paz de todos que se envolvam em suas questões. Se tivessem recebido auxílio econômico e militar, ainda assim teria sido em vão. Os palestinos sabem o que dizem, quando dizem que estão sós.

Os militantes palestinos têm dito que teriam conseguido arrancar, no Líbano, alguma espécie de vitória. No sul Líbano, só havia grupos de resistência, que se comportaram muito bem sob ataque. A invasão israelense, por sua vez, atacou cegamente refugiados palestino e agricultores libaneses, população pobre, que vive da terra. Já se confirmou que cidades foram arrasadas e que civis inocentes foram massacrados. Várias fontes informam que se usaram bombas de fragmentação.

Essa população do sul do Líbano, em exílio perpétuo, indo e vindo sob ataque militar dos israelenses, não vê diferença alguma entre os ataques de Israel e atos de terrorismo. Os últimos ataques tiraram 200 mil pessoas de suas casas. Agora, esses refugiados vagam pelas estradas.

O Estado de Israel está usando, no sul do Líbano, o método que já se provou tão eficaz na Galileia e em outros lugares, em 1948: Israel está “palestinizando” o sul do Líbano.

A maioria dos militantes palestinos nasceram dessa população de refugiados. E Israel pensa que derrotará esses militantes criando mais refugiados e, portanto, com certeza, criando mais terroristas. Não é por termos um relacionamento com o Líbano que dizemos: Israel está massacrando um país frágil e complexo. E há mais.

O conflito Israel-Palestina é um modelo que determinará como o ocidente enfrentará, doravante, os problemas do terrorismo, também na Europa.

A cooperação internacional entre vários Estados e a organização planetária dos procedimentos da polícia e dos bandidos necessariamente levará a um tipo de classificação que cada vez mais incluirá pessoas que serão consideradas “terroristas”. Aconteceu já na Guerra Civil espanhola, quando a Espanha serviu como laboratório experimental para um futuro ainda mais terrível que o passado do qual nascera.

Israel inteira está envolvida num experimento. Inventaram um modelo de repressão que, devidamente adaptado, será usado em vários países.

Há marcada continuidade nas políticas de Israel. Israel crê que as resoluções da ONU, que condenam Israel verbalmente, são autorizações para invadir. Israel converteu a resolução que o mandava sair dos territórios ocupados em direito de construir colônias!

Achou que seria excelente idéia manter uma força de paz no sul do Líbano… desde que essa força, em vez do exército israelense, transformasse a região em área militar, sob controle policial, um deserto em matéria de segurança.

Esse conflito é uma estranha espécie de chantagem, da qual o mundo jamais escapará, a menos que todos lutemos para que os palestinos sejam reconhecidos pelo que são: “parceiros genuínos” para conversações de paz. De fato, estão em guerra. Numa guerra que não escolheram.

Publicado originalmente no Le Monde (7/4/1978) e, depois, em
Deux régimes de fous: Textes et entretiens, 1975-1995 (Minuit, 2003), org. de David Lapoujade.

"Eu acho que ele era um retrato de certo Brasil que me instiga desde sempre. O país onde português proclama a independência, monarquista proclama a República, oligarca faz revolução contra oligarquias, beato fanático vira ícone da luta pela reforma agrária, D. Pedro é estátua na Praça Tiradentes... Um reacionário maluco virar revolucionário descacetado confirma essa nossa onda e prova que não somos para principiantes."

 Luis Antonio Simas sobre Ariano Suassuna - Facebook
"Do ponto de vista acadêmico, um dos piores legados da ditadura é também dos menos visíveis: um falso conceito de democracia. O que não falta é gente de boa-fé, bem-informada e inteligente que ainda assim não compreende a possibilidade de uma corrosão da ordem democrática que não repita ipsis litteris a ditadura militar."

Sergio Martins

"Ariano Suassuna era um tradicionalista, reacionário no sentido estritamente etimológico da palavra (ou seja, propugnava mesmo que a saída era que se girasse para trás a roda da História) e combateu durante anos o mangue beat. Os amigos pernambucanos da minha geração se lembram: ele se recusava a dizer "Chico Science". Pra ele era "Chico Ciência". E acusava o mangue beat de desnacionalizar a música nordestina e tudo o mais. 

Até que naquele fatídico 02 de fevereiro de 1997, Chico bateu o carro da irmã no caminho que ele fazia tantas vezes, entre o Recife e Olinda. Foi o domingo em que todas as nações do maracatu desfilaram em silêncio. E lá estava Ariano, carregando o caixão de Chico Science, chorando copiosamente, desesperado. 

Essa imagem, de Ariano Suassuna chorando enlouquecido enquanto carregava o caixão do "Chico Ciência" que ele tanto havia combatido, é para mim uma das mais fortes da cultura brasileira. E é a imagem de Ariano que fica pra mim."


Idelber Avelar - Facebook

UNS POUCOS VERSOS DE ARIANO

Sou um interessado no deslocamento do saber; na tentativa de me aproximar daquilo que me é estranho - e por isso desafiador - como uma maneira de acariciar a vida e suportar a noite arrepiando nas arrelias. Amadureci durante bom tempo uma decisão passional que, todavia, reverbera no que escrevo e no que estudo. Abri mão, propositalmente, do mergulho sistemático nos mares da grande literatura, da filosofia, dos dogmas, dos credos políticos, da música de concerto, das catarses coletivas, das iluminações transformadoras, do engajamento convicto, do requinte dos salões, do fogo purificador das assembleias e coisas similares. Eu precisava disso. Busco, desde então, me aproximar - para compreender, escutar, calar e escrevinhar - das formas de invenção da vida onde, amiúde, ela nem deveria existir de tão precária. Mas existe e canta. Minha escrita, por isso, é cambona imperfeita de foliões anônimos, bêbados líricos, jogadores de futebol de várzea, putas velhas, caminhoneiros, retirantes, feirantes, capoeiras, cordelistas, pretos velhos, encantados, meninos descalços, devotos, beatas, iaôs, ogãs, marujos, namorados do subúrbio, coveiros, tocadores de rabeca, mestres de bateria, baianas, bicheiros, malucos, rezadeiras... Reforcei neste trajeto a minha certeza de que o caminho que devo trilhar - e ele é, evidentemente, um caminho radicalmente pessoal - é mesmo o da alumiação das pedras miúdas. Orunmilá, o grande Senhor do saber e do destino, marcou essa aventura em mim como a única forma de conciliação viável com a natureza do meu odu. Assim eu me acalmo, piso leve sobre a terra e busco o Ìwà Pèlé dos iorubás: o bom caráter, a gentileza, a conciliação com o mistério e o passo que não macula a aldeia. Cultuo a minha ancestralidade cotidianamente; quem quiser que me entenda. É por isso que, de toda a obra maior de Ariano Suassuna, guardo especialmente de cor e salteado uns poucos versos do mestre, daqueles que brado como profissão de fé. Pensei muito neles quando Ariano encontrou-se ontem com a Onça Caetana. Ai vai:

Profetizo aos notívagos, aos bêbados
E canto às dançarinas e aos amantes,
Aos vagabundos e luxuriosos,
Às ébrias de paixão, aos nigromantes,
A todos que queimam nos excessos
Das veredas perdidas dos errantes.

Daqui eu vejo a corça, a asna-selvagem
E as coxas de uma delas, profanadas.
Na barcaça do rio, a cisne-fêmea,
E na beira da praia, a leoparda,
Romã-solar aberta e lua-negra
Fechada à tarde escura e à noite clara.

É isso.


Luiz Antonio Simas - Facebook
"Atenção ouvintes: sempre que forem se referir a um "Aécio" específico, "Aécio NEVER", não esqueçam de colocar o sobrenome do dito cujo logo após o nome. Coitados dos poucos "Aécios" que vivem no Brasil esses meses - tão ciosos que somos da discrição do nosso nome incomum, pouco usual. Quando vejo acusações em neon a "Aécio" por aqui, fico logo pensando que pode ser comigo, leitor que sou de Kafka e da verossimilhança das acusações estapafúrdias-fatalistas que recaem sobre suas personagens. Como diria Osman Lins, quase sempre o nome quer nomear algo que é muito maior que ele. A coisa nomeada é excessiva ao nome. Não esqueçam."

Aécio Amaral - Facebook 
"Atentem, companheiros e camaradas! As ações performáticas são performativas, quando previsivelmente apropriadas pelos carrascos. A opressão na raiz não é televisionada. Aquilo que se produz na TV são ícones que servem de guia para cópias mais autênticas nas coxias. Prisões de Black Blocs, esquerdistas e pós-modernos são ensaios para cenas cada vez mais horripilantes: criminalização da luta genuinamente classista. Prisões, processos, perseguições, retaliações e demissões não só para "ativistas", mas para a classe trabalhadora militante: 200 demitidos no IBGE, mais algumas centenas e dezenas de grevistas investigados, do SEPE - Sindicato dos profissionais do ensino -, e da FINCA - associação de funcionários do INCA. Todos que lutam por melhores condições de trabalho. O ovo da serpente anuncia tempos sombrios. Liberdade a todos!"

Clarisse Gurgel - Facebook 

20 julho 2014

"Você pensa sobre o seu trabalho, sobre os artigos que não escreveu, sobre os artigos que escreveu, sobre o livro que não continuou lendo, sobre as duas horas de intervalo entre as duas reuniões. Sobre como os seus dias são iguais. Sobre como todos os dias talvez sejam apenas um. Um dia que não acaba. Você pensa sobre como tudo isso parece natural. Sobre como a rotina produziu um calo que não te permite mais reconhecer o intolerável. Pensa cada vez mais rápido. Aquilo que vinha em frases inteiras – “o livro que não continuei lendo por ter encontrado uma pequena mancha de café sobre a frase ‘what Schlegel calls a philosophy for man’” – agora se apresenta em palavras soltas: lazer, modernidade, automação, banalizing, nature, destination, humanity, tudo cada vez mais rápido. Palavras condensadas. Sobrepostas. Se embaralhando cada vez mais rápido, se embaralhando, até você estar perto do chão, em queda. Um corpo que sempre pareceu estar em queda, agora finalmente encontrava o chão. Era um alívio. Finalmente, você tinha chegado a algum lugar: o chão. E as palavras eram: infinite, dialogue, hard-working. No chão. O espaço que o seu corpo ocupou no chão dividiu a multidão entre os que passavam pela esquerda do seu corpo e os que passavam pela direita do seu corpo. Ninguém parou. A multidão era como um fluido que precisava continuar escoando, independentemente do obstáculo. O obstáculo apenas representava uma bifurcação no caminho. Ninguém vai parar. A multidão precisa escoar. Escoar. Escoar. No momento, em que te restam algumas palavras em inglês e a visão dos sapatos gastos dos outros, você percebe que não sabe mais viver. Alguma coisa fraturou em você. Alguma coisa fraturou em você antes mesmo da queda. A sensação de pertencer a alguma coisa e de estar no mundo está falhando. As portas do trem se fecham, as pessoas desembarcam e falam cada vez mais alto… Sobre trabalho, sobre dinheiro, sobre lazer, sobre outras pessoas. Os sons parecem cada vez mais distantes, ainda que cada vez mais próximos, ainda que perguntando: “Você está bem?”. Nenhum daqueles sons se referia mais a você. Sobretudo, quando se referiam a você. Você está no chão. Você não sente nenhuma dor. Você não teria nenhum problema para se levantar. Mas você não se sente mais capaz de seguir, de agir, de fazer tudo como antes. Você só quer esperar, até não ter mais o que esperar. Você não quer mais avançar como antes. Você não quer mais avançar. Você chegou. Os artigos que você não escreveu, os artigos que você escreveu, o livro que você não continuou lendo, as duas horas de intervalo, a queda. Esta sensação seria consequência de uma combinação inoportuna de acontecimentos? Se você tivesse terminado de ler o livro alguma coisa mudaria? Por que alguma coisa se quebra assim? Por que alguma coisa se altera? Por que alguma coisa se desfaz? É triste e ridículo como usar um chapéu de burro: você não sabe. Você não sabe e é absolutamente incapaz de formular respostas. Você rompeu com o seu conhecimento anterior. Você é capaz apenas de formular perguntas. Perguntas que você não será capaz de responder. Se te perguntassem quem é você, antes da queda, você responderia automaticamente: sou professor. Mas agora você não faz mais nada, portanto você não é mais nada. Um grupo de homens te levanta do chão. Você não quer dar o próximo passo. Você chegou. Tenta balbuciar algumas palavras: fuzilamento, insatisfação, poetry, historical. Você está caminhando sem caminhar. Você está sendo conduzido. Você está sendo conduzido de novo. Eles dizem e você entende: e os que saquearam o hotel? E os que mataram o dono daquela fábrica? E os que envenenaram cavalos? E os que entraram em greve? Você ouve. Você é uma bifurcação. Você não é reacionário. Você não é subversivo. Ou é? Você gagueja. Você não é mais formado. Você não é mais formador. Você não é mais ético. Você é a deformação irredutível de você mesmo. Você ouve. Você vê. Você vê e ouve as coisas nuas. É obsceno. É obsceno ver as coisas nuas. É obsceno ver aquilo que você foi treinado para não ver durante a sua vida inteira. Você se lembra da primeira comunhão, do primeiro cigarro, da primeira mulher, da primeira… Você se lembra. Tudo aquilo, que agora parecia outro, sempre foi você. Sempre esteve lá. Mas agora a camada que fazia de você um homem comum foi descolada. Você segue. Você segue enquanto tudo se amplia, se dilata, escoa. Você segue enquanto a rigidez da matemática, da gramática e da lógica desaparece. Enquanto as leis da física desaparecem. Todo aquele universo invisível que parecia claro, quando você desenhava um vetor numa folha de papel, desaparece. Homem, fragments, morte, ambiguity. Tudo aquilo passa a incomodar. Tudo aquilo que não incomodava passa a incomodar. As fábricas, os bancos, as empresas de cartão de crédito: tudo incomoda. Tudo te atinge. Na cabeça. Tudo passa a existir demais. A existir absolutamente. Você, homem comum, treinado para não existir e para não notar a existência das coisas, agora existe. Existe demais. O seu novo modo de estar no mundo pode ser definido assim: demais. Você também é obsceno, você também está escoando. Você também gagueja. Gagueja segurando um pacote. Um pacote que foi dado a você. Um pacote que vai explodir. Você caminha pelas ruas e tudo continua existindo demais, como se finalmente os prédios estivessem fixos no chão e as pessoas caminhassem com os pés nas calçadas. Tudo parece ligado a alguma coisa. Tudo parece ligado a você. Tudo é uma massa só. Uma massa visível. Escoando. Existindo. O sangue, as pessoas, as nuvens, tudo continuava a escoar. Você é eles, agora que você não é mais como eles. No talent for science, but for philosophy. No talent for philosophy, but for poetry. No talent. Você seguia. Você seguia porque o seu sangue escoava. Você seguia sabendo que toda a massa interligada a você estava escoando. Você seguia sabendo que estava sendo aniquilado a cada passo. Você seguia sabendo que poderia correr em direção à aniquilação. Você corria por não precisar mais prolongar a sua existência. Modernidade, automação, banalizing, nature, destination, humanity. Agora que você fervilhava de existência, precisava correr em direção à aniquilação. Agora que você tinha visto as coisas nuas, precisava explodir. Seu sangue escoava. Seu sangue precisava parar de escoar. Tudo precisa parar. Explodir. Tudo precisa ver, como se fosse possível, a partir da sua morte, fazer surgir um olho, que seria o olho dessa massa interligada que escoava. Você pensa em tudo escoando. É repugnante. É repugnante demais. É intolerável. Você explodiria o pacote. Neste dia, como em todos os outros, seria o seu fim."
Daniela Lima é escritora e jornalista, autora de Anatomia (Multifoco, 2012) e Sem importância coletiva (e-Galáxia, 2014). Fonte: aqui

19 julho 2014

"Na esteira da prosa: seria o Brasil um Estado de direito ou de exceção agora, diante da prisão em série de ativistas? Na prática, não importa: antes de tudo, ele é um Estado. E os Estados são tanto o senhor bondoso e glorioso quanto seu capanga malvado. O tira bom e o tira mau. Segue aqui a Conclusão do meu TCC, de Novembro de 2012:
(O Estado de Exceção e o Sistema Constitucional Brasileiro)
CONCLUSÃO
Chegamos ao fim da nossa longa jornada. E estamos cientes do quão polêmica é a natureza do que foi escrito. Mas longe de ser um trabalho pessimista, pretendemos – talvez de forma ingênua, mas certamente de um modo corajoso – expor aquilo que consideramos a fratura central da nossa organização política, qual seja, a desdita resultante da ordem transcendental do Estado, coisa que a doutrina cândida do “constitucionalismo democrático” e o funcionamento do “Estado de Direito” não dão conta, apesar do mitologema recorrente.
Ter a coragem de denunciar o que o Estado pode fazer, em vez de daquilo que ele deve, não é um chiste espirituoso, mas sim uma proposição assentada em um rigoroso fundamento ontológico: de pouco nos adianta pensar no que o Estado deve ou não deve fazer, uma vez que feito à imagem e perfeição do deus bíblico, ele é, em último caso, para quem todos devem – infinitamente – enquanto enunciador sem nome e inominável de todos os nomes: credor supremo que pela própria condição de inominável, não pode ser cobrado... A exceção soberana é a medida que subsome os direitos constitucionais – que tornam, afinal, a sujeição relativa – no dever sem fim do Estado, tornando a sujeição absoluta.
O Estado qualifica sem poder ser qualificado por possuir uma abertura permanente, coisa que fica evidente quando avaliada sua ponta, especialmente, e como demonstrado, o mecanismo de guarda da Constituição: quem vigia o vigilante? Haverá sempre algum componente seu que paira, podendo dispor não apenas sobre os limites dos outros como, autorreferencialmente, sobre os seus próprios; na vigilância suprema, o panopticismo reina, mas reina quem está oculto, o primeiro na ordem vigilante, mas que resta ele próprio escondido ou disfarçado – é preciso, pois, levar adiante a tarefa positiva e iconoclasta que Espinosa e Marx empreenderam em suas respectivas épocas: Deus tem nome, é a Natureza, ou a este sistema econômico não é natural, ele é se chama capitalismo.
O mecanismo da exceção, portanto, é pressuposto do funcionamento do Estado, uma vez que isso reside em seu conceito e não em seu predicado. Essa constatação não é um elogio, de forma alguma, ao conformismo: ele demonstra apenas quais são os riscos reais e próprios à organização estatal – exemplificado pelo nosso próprio sistema suas fragilidades óbvias, disfarçadas pela cortina de fumaça modernosa do ativismo judicial – o que, no entanto, nos leva a um questionamento ético radical: como viver neste quadro perturbador?
Não é fácil responder, mas, nunca talvez nunca tenhamos uma única resposta. Nossa posição, certamente, não será a de desistir, de se conformar e esperar a morte chegar, ou assumir uma máscara qualquer que nos permita tirar alguma vantagem pessoal do mundo como ele é: se dizemos que o mundo é, não é por outra razão senão pelo fato dele estar a funcionar assim, nada que não possa alterado. E sequer é possível retirar vantagem alguma disso, exceto no sadismo ou na autoilusão.
A exceção soberana ser pressuposto do Estado, e o constitucionalismo ser, no máximo, uma doce ilusão também não é prova da supremacia definitiva da face tenebrosa do Estado: o poder encontra uma limitação porque ele jamais é maior do que a vida que o criou e em relação à qual ele age como parasita; a declaração de exceção soberana encontra seu contrapeso na intensidade do grito de resistência da multidão nas ruas, em seu devir-criança: o rei está nu! A fábula de Andersen toma forma definitiva, pois consegue dimensionar exatamente o caráter do real da ficção do poder e da autoridade (hoje, perfeitamente unidos como uma águia bifronte), isto é, das cortinas de fumaça do poder.
Dentro da racionalidade do Estado de Direito – e do direito estatal, por tabela – é impossível escapar à tautologia da dominação: estaremos sempre rodando em círculos como o cão que persegue a própria cauda, pois o instrumento da palavra final está posto de forma indelével. A última instância é sempre capaz de determinar todos os limites, inclusive o seu, em seu benefício e em detrimento de todos. Poderíamos dizer que o STF não deveria, embora possa, mas ele pode sumamente porque no fim das contas, ele não deve mesmo, dentro dessa racionalidade nós é que somos os devedores eternos: eles podem dizer o que eles devem ou não devem segundo a lei em relação à qual eles são intérpretes maiores.
Também não será o caso de polemizar sobre a melhor forma de guardar a Constituição: nobre de sangue, juiz, operário ou camponês; o homem é o homem e suas circunstâncias, ou melhor, seu desejos – que se tem alguma essência, como diria Espinosa, é o próprio desejo1. A ordem transcendente do Estado, contudo, não é como as pedras ou o mar. Ela é fruto da nossa imaginação, existe em nossas cabeças e só a partir daí ela enseja qualquer prática política ou coletiva. Desse modo, temos um horizonte pleno de alternativas, onde tudo que é possível existir, existe, mesmo o inexistente.
Nesse sentido, se o liberalismo lutou para cessar, de qualquer modo, a revolução e o fascismo procurou apoderar-se da vida, pelo medo da morte, na forma da atualização da violência e na reiteração da ameaça, o chamado neoliberalismo não pertence a outra escala de coisas: ele é a luta para suspender, por dentro do Estado, as conquistas que relativizaram a sujeição, por dentro da ordem jurídico-constitucional, em virtude das lutas sociais e políticas dos últimos duzentos anos. Sairá de cena, entretanto, o Estado e entrará o Mercado, mas o movimento não se opera, nem se sustenta, sem o primeiro, nem o segundo é desfeito da natureza teológico-política do primeiro; sai de cena o discurso clássico da esperança-medo do soberano e vem o da segurança-desespero dos novos tiranos.
Tudo o que o Estado, ou Mercado e as diversas formas de poder supostamente produzem vem da vida, é parasitado da vida. Aquilo que é autorizado já existia antes da autorização e não precisaria dela para se perfazer: a ilusão mora precisamente aí; o veto não é o único poder real, ele é a realidade do poder. Ficção que produz real só no momento que, enquanto ideia inadequada, afeta o corpo da multidão e o faz se submeter à proibição – cuja eficácia não precede a submissão, mas exatamente ao contrário, embora precise parecer assim para funcionar.
Serão, portanto, a revolta, a insurgência e a revolução os mecanismos capazes de, eventualmente, fazer a máquina-Deus do Estado recuar, pois elas, mesmo que em uma intensidade pequena, denotam o quanto sua força é ilusória: sobretudo porque a insubmissão prévia frustra sua própria capacidade de mando, fundada no discurso da esperança e do medo – a promessa constante de redenção ou punição, conforme se aja – ou mesmo da segurança e do desespero como nos dias atuais.
A revolução, aliás, que jamais morreu, como proclamou Napoleão, por mais que ele gostaria que isso fosse verdade: ela está em curso em plena luta com as variadas formas de dominação e é precisamente esse conflito, essa luta de gigantes, cuja resultante é o estado de coisas em que vivemos, como acerta o mestre Antonio Negri.
É a imanência absoluta tal como compreendida em Espinosa, que perpassa esta obra e diz algo bem simples: Deus é a natureza, causa e efeito de si mesmo. Logo, não há dívida infinita, uma vez que seria [mesmo de jure] devermos para nós mesmos. A servidão é a ideia inadequada que se perfaz em paixão triste, na ideia da necessidade do poder, enquanto a liberdade é a resistência e a persistência, a ideia adequada que se faz alegria: nada de esperança em um mundo melhor, mas a alegria em relação a um mundo cheio de contradições, onde a crise é abertura e chamado para a luta, isto é: a constituição de um direito do comum e para o comum, a necessidade de um direito que vá para além do Estado – o que demanda uma ciência jurídica que conceba o fenômeno jurídico para além do Estado e do discurso moderno."
via Hugo Albuquerque - facebook

ENTRE DEMOCRACIA E DITADURA - Bruno Cava


"O Brasil hoje não é um estado de exceção. Os anti-intelectuais me perdoem o preciosismo, mas é errado nivelar a situação atual com o período ditatorial de 1964-85. Vivemos num regime constitucional em que convivem, por dentro do direito e das instituições, dispositivos tanto democráticos quanto ditatoriais. Com a constituição de 1988, parte dos mecanismos de funcionamento da ditadura se transferiu à nova realidade jurídica e institucional. A polarização anterior entre ditadura x democracia se internalizou no novo regime. 


De um lado, os mecanismos autoritários tão evidentes nas polícias, no racismo institucional, na grande mídia corporativa, num autoritarismo difuso pela sociedade que se revela em máximas "bandido bom é bandido morto", "vagabundo tem que apanhar" ou "protesto é coisa de desocupado". De outro lado, a possibilidade de organizar-se politicamente, de realizar manifestações, de poder escolher entre programas realmente diferentes, bem como um arcabouço institucional para se lutar contra o racismo, a miséria, a homofobia, a violência de gênero, a violência diluída no cotidiano pela exploração econômica, e refletida em precários serviços de saúde, educação ou transporte.

Todo o período de redemocratização significou uma disputa entre quem tenta desativar o estado de exceção interno ao direito e às instituições, e aqueles que tentam arrochá-lo. As lutas de 2013 foram um momento singular em que se colocou esse conflito a nu, desejando seja a ampliação da democracia, seja a contração da ditadura, por exemplo, com a campanha Cadê o Amarildo ou pela reforma das polícias. O pós-2013, no entanto, trouxe um refluxo dessas aspirações de aprofundar a redemocratização. O refluxo significou a dilatação do estado de exceção. A ditadura interna se descolou da realidade das favelas, --- onde até hoje a redemocratização apenas esbarrou, --- e passou também a ameaçar o direito de manifestação e a auto-organização em geral. 

Isto não significa que o estado de exceção tenha vencido e que o regime constitucional de 1988 se tornou apenas uma farsa. Significa, sim, que a relação de força entre ditadura e democracia pendeu para o outro lado, depois de um momento expressivo de anseios democráticos, em 2013. Significa, além disso, que esse tensionamento entre um e outro aconteceu, e continua acontecendo, por dentro de várias instituições. 

Isto aparece, nos últimos episódios, quando vemos:

a) um juiz de 1ª instância decretar uma prisão e um desembargador conceder habeas corpus; 

b) um delegado de polícia chamar manifestantes de criminosos, enquanto outro não só se pronunciar contra os desmandos, como ele próprio participar dos movimentos; 

c) quando a OAB de um Wadih Damous se coloca na linha de frente da resposta pela democracia; 

d) quando o governo federal alinha-se ao consenso criminalizador mas elementos desse mesmo governo, minoritários porém nada desprezíveis, tentem "segurar a onda" ou abrir uma discordância pública; 

e) ou mesmo no velho PT, assistirmos aos governistas mais idiotas gozando por repressão e destruição dos adversários, mas ao mesmo tempo ainda existirem cabeças preocupadas com o fato que, uma vez sedimentada a ditadura, eles próprios serão os próximos alvos --- aqui não há nenhuma caridade, apenas uma avaliação lúcida de um processo repressivo que pode rapidamente fugir do controle, combinando as pulsões reacionárias que estão correndo por aí desde antes de 1988.

Portanto, não voltamos a 1964 e, me deem licença, mas está politicamente errado quem achata todo o arcabouço institucional e todo o direito, como direito do opressor ou democracia falsa. Estamos noutra situação histórica e que exige outras estratégias e outras táticas. Eu diria até outra ética e outra estética. 

A luta contra o estado de exceção *também* passa por dentro do direito e das instituições, apesar de todos os retrocessos do pós-2013. Essa diferença não me parece filigrana intelectual, mas sim uma variável fundamental ao redor do problema do que fazer."

AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS

Bertolt Brecht 
(Tradução de Fernando Peixoto) 

É verdade, eu vivo num tempo sombrio! 
Uma palavra sem malícia é sinal de tolice. 
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença. 
Aquele que ri 
Ainda não recebeu a terrível notícia. 

Que tempos são esses, quando
Falar sobre árvores é quase um crime
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que atravessa a rua tranqüilo
Já está inacessível aos amigos
Que passam necessidades?

É verdade: eu ainda ganho bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso.
Nada do que faço
Me dá o direito de comer quando tenho fome.
Estou sendo poupado por acaso.
(Se a minha sorte me deixa, estou perdido.)

Me dizem: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que eu posso comer e beber
Se a comida que como, tiro de quem tem fome?
Se a água que bebo, faz falta a quem tem sede?
Mas mesmo assim, eu como e bebo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Se manter afastado dos conflitos do mundo
E passar sem medo
O curto tempo que se tem para viver;
Seguir seu caminho sem violência;
Pagar o mal com o bem;
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim!
É verdade, eu vivo num tempo sombrio!

Eu vim para a cidade no tempo da desordem
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a Terra.

Eu comi o meu pão no meio das batalhas.
Para dormir, eu me deitei entre os assassinos.
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a Natureza.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.

No meu tempo as ruas conduziam ao lodo,
E as palavras me denunciavam ao carrasco.
Eu podia muito pouco, mas o poder dos patrões
Era mais seguro sem mim, espero.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.

As forças eram limitadas.
O objetivo permanecia a uma longa distância.
Era nitidamente visível, mas para mim
Quase fora do alcance.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.

Vocês, que vão emergir
Das ondas em que nos afogamos.
Pensem, quando falarem das nossas fraquezas,
Dos tempos sombrios de que tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através das lutas de classes,
Mudando mais de país do que de sapatos,
Desesperados quando só havia injustiça
E não havia revolta.

Nós sabemos:
O ódio contra a baixeza
Também endurece o rosto;
A cólera contra a injustiça
Também faz a voz ficar rouca.
Infelizmente nós,
Que queríamos preparar o terreno para a amizade,
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.

Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o Homem seja amigo do Homem,
Pensem em nós
Com simpatia.